O novo ano pode marcar uma viragem na trajetória de subida dos preços da habitação a que temos assistido em Portugal. São várias as razões para esta opinião – de dois economistas especializados nesta área ouvidos pelo JE – mas uma verificação da tendência de crescimento dos preços da habitação já sustenta essa ideia.
O Bank of International Settlements é uma fonte relevante para este tipo de análises, uma vez que lista mensalmente, trimestralmente e anualmente os preços da propriedade residencial em termos reais (ou seja, de uma forma que dá para comparar dados em várias geografias).
Em Portugal, ao contrário por exemplo da Holanda, (um país com população e tamanho semelhante ao nosso, mas com grandes diferenças ao nível de rendimento e turismo), os preços da habitação têm vindo a subir, mas a um ritmo cada vez menor. Assim, em 2018 os preços das casas subiram 9,2% em termos reais ao longo do ano; em 2019 esse aumento foi ainda maior, de 9,6%. Mas a partir daí a queda tem sido constante: uma subida de 8,8% em 2020; 8,0 em 2021 e de 4,5% em 2022. Analisando os últimos trimestres de 2022, a tendência de descida é ainda mais notória: 3,7% de julho a setembro e 1,3% de outubro a dezembro de 2022. No arranque de 2023, a confirmação de de que os preços estão mesmo a travar: 0,7% de subida de janeiro a março. A exceção foi mesmo o segundo trimestre do ano que agora terminou, com uma subida algo sazonal de 4,5% nos meses mais perto do Verão.
João Queiroz, Head of Trading do Banco Carregosa, vai mais longe e cita os dados do INE relativos ao segundo trimestre deste ano. “Os dados do INE referem que, efetivamente, há uma desaceleração nos preços da habitação em 17 dos 24 municípios mais populosos. Pronto, essa parte é importante, tendo em conta que até ao segundo trimestre ainda observamos mais algumas subidas da taxa de juro por parte do BCE. No terceiro trimestre, se calhar notamos mais algum abrandamento da ou estagnação da economia. Os ritmos com que evoluímos já não são os mesmos, apesar de, apesar de apanharmos ali uma parte do Verão que comporta alguma sazonalidade”.
No entanto, foi também nessa altura que as famílias portuguesas apanharam o maior efeito também das subidas de juros por parte do do BCE. Pronto. “Tendo em conta esse impacto e a maior erosão da poupança (…) não parece que a saúde do mercado habitacional seja o mesmo. Pode haver provavelmente aquela desaceleração e até se pode ter agravado mais um bocado”, diz João Queiroz.
O economista António Nogueira Leite partilha da visão de que 2024 vai ser um mercado mais frio para os preços da habitação. “A minha visão é que temos dois efeitos contraditórios: o primeiro é que, globalmente, continuamos a ter uma oferta relativamente escassa para a procura potencial. Mas se as taxas de juro demorarem mais a cair – as taxas de referência já estão a cair, mas temos que ir fazendo o tracking da inflação e atenção que se a inflação piorar pode demorar mais tempo e a Euribor ajusta. Portanto, há alguma incerteza aí ainda. O segundo efeito é que se os rendimentos disponíveis não aumentarem significativamente, e não há nada que o faça aumentar, então é possível que o mercado [em 2024] não seja tão esfuziante como tem sido. Eu até tenho perspectivas bastante mais moderadas”. Ou seja, um abrandamento mais forte da subida dos preços praticados.
“O problema aqui em Portugal é que nós temos um problema que é específico nosso. A indústria de construção perdeu bastante dinamismo e os bancos, por imposição regulatória do BCE, estão muito menos expostos ao imobiliário, à construção”, explica Nogueira Leite.
Além disso também estão obrigados a realizar testes de stress mais apertados às famílias para perceberem se aguentar a taxa de esforço do crédito. E dificilmente agora concedem créditos multiusos paralelos aos empréstimos para “ajudar” à compra.
“Fomos do desmando total. Não era só má gestão de risco, era uma situação de desmando. Fomos daí para uma situação em que há, de facto uma restrição ativa imposta pelo Banco Central. E Portugal teve muito pouca oferta de construção ao longo de uma década. Isso tem sempre um reflexo nos preços, não há nada a fazer”.
A economista Vera Gouveia de Barros, especialista em assuntos de habitação, reconhece o abrandamento da subida para este ano, mas duvida que o mercado em Portugal chegue rapidamente a uma descida dos preços.
“Aquilo que nós vimos foi que as taxas de juros estiveram a subir e nós não vimos os preços da habitação a descer. Vimos o crescimento a abrandar, mas sempre a crescer. Ao contrário, se calhar, do que algumas pessoas vaticinavam”, começa por dizer.
No entanto, nota a economista, parte das aquisições que têm sido feitas pelas famílias portuguesas é com menos recurso ao crédito do que em tempos anteriores. Por factores diversos: desde logo porque as próprias condições de acesso ao crédito estão diferentes depois daquilo que foi a crise do subprime.
“E ainda bem. Acho que isso em parte tem que ver com a chamada crise da habitação. Ou seja, parte da crise da habitação não tem tanto que ver com os preços, mas sim com uma incapacidade de obter um financiamento a 100% que antes se conseguia”, complementa.
Dito por outros palavras: “Mesmo que as casas baixassem de preço, se calhar muita gente continuaria a não conseguir [comprar casa] porque não tem a entrada que é preciso ter para apresentar aos bancos”.
E os bancos, ao contrário de outras épocas e como já foi dito antes, não estão a facilitar com avaliações bancárias mais otimistas, porque estão mais sujeitos a regras de risco.
“Parece-me que isso é uma parte significativa da questão de que eu não ouço falar muito. Portanto, eu diria que não vamos assistir a grandes descidas de preços. Aliás, sejamos francos: é raro haver descidas de preço no imobiliário. É por isso que as pessoas o usam como reserva de valor. Porque é um ativo bastante seguro. Nós temos ocasionalmente descidas de preços, como tivemos na crise do subprime, mas nessas alturas os indicadores de acessibilidade económica eram bastante piores”, sublinha Vera Gouveia Barros.
O que é que isto nos abre para os próximos meses? João Queiroz sublinha que o BCE não parece querer ser o primeiro banco central a cortar nas taxas de juro. “Se esperamos que a FED entre o primeiro e segundo trimestre corte meio por cento e termine o ano com menos 1,5% em corte de juros, o BCE não parece estar no mesmo campo, até porque, como vimos, começou a subir mais tarde, não subiu tanto e se calhar agora vai cometer o mesmo desempenho que é não ter a primeira resposta”.
Dito isto, as perspectivas não são do mesmo crescimento observado em 2021 e 2022. E a atratividade da economia para aqueles residentes não habituais também deve ser diferente. “Portanto, vai alimentar também de forma diferente o mercado de habitação”.
“A única força que, provavelmente, deve continuar a alimentar positivamente ou a ter um impacto no preço de vendas de casas e dos alugueres é o facto de termos mais população nas áreas do litoral e das grandes cidades para a pouca construção que cresceu”, sublinha o analista do Banco Carregosa.