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Pobreza energética volta a crescer em Portugal e Associação Zero diz que falta literacia energética

A taxa de pobreza energética subiu para 17,5% em Portugal no ano passado, significando que 1,75 milhões de portugueses não têm dinheiro para aquecer as suas casas. O Jornal Económico falou com Islene Façanha da Associação Zero para perceber o que pode ser feito e se os apoios existentes são suficientes.

Os portugueses continuam a não ter dinheiro para aquecer as casas, gastando mais de 10% dos seus rendimentos para a conta energética. É verdade que existem apoios governamentais criados no âmbito deste ciclo de pobreza energética, e o programa do Ministério do Ambiente para os edifícios sustentáveis tem, inclusivamente, uma dotação global de 100 milhões de euros a que qualquer pessoa pode concorrer, desde que cumpra os critérios pedidos.

No entanto, a pobreza energética continua a existir em Portugal, tendo o indicador aumentado para 17,5% em 2022. A Associação Zero defende que a falta de procura pelos apoios se deve à falta de literacia energética existente no país. Islene Façanha, especialista em energia e clima da Zero, conta ao Jornal Económico que os apoios governamentais são "um bom primeiro passo para atacar a base do problema da pobreza energética" mas que, por si só, não são suficientes.

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A ativista ambiental aponta que um dos maiores problemas destes apoios é a "grande incapacidade das pessoas acederem a serviços básicos e adequados". Por isso mesmo, a Estratégia Nacional para o Combate à Pobreza Energética, já em desenho, "fica um bocado aquém", falhando àqueles que mais precisam.

"O programa destinado às famílias e à população mais vulnerável falhou na comunicação dos programas, que não chegam às pessoas. Também a linguagem. As pessoas consideram a linguagem usada muito técnica e não têm conhecimento de literacia energética suficiente para aceder a esses programas", conta Islene Façanha.

"Há quem troque uma janela mas aquela troca não resolve o problema estrutural da casa, porque o problema da pobreza energética e do conforto térmico dentro das casas é puramente da construção e do isolamento. Seria preciso uma intervenção mais profunda e pessoas qualificadas para acompanhar essas famílias", evidencia ao JE.

A ativista da Associação Zero lembra que a falha em aquecer as casas se deve, muitas vezes, ao "apodrecimento dos elementos construtivos". "A deficiência construtiva é muito grande. Esse é um dos principais problemas dos programas nacionais".

Abordando especificamente o programa Edifícios Mais Sustentáveis, Islene explica o sucesso do mesmo. "Teve maior sucesso porque são pessoas que já têm um bocado mais de literacia energética". Ou seja, dedicam-se ao tema e já possuem mais conhecimentos.

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Outra situação que continua a fazer perdurar a pobreza energética é o valor. Isto é: o Governo financia o projeto em 85% mas o candidato tem de avançar com o dinheiro, enviar toda a documentação pedida e só depois recebe o reembolso. No entanto, as pessoas não têm a certeza se o dinheiro é restituído, porque os 100 milhões podem acabar e depois não existe mais apoio.

"A pessoa tem de pagar antes e só depois tem o reembolso. Isto significa que tem de existir poupanças para investir na renovação das casas, então também já é outro público". Para a ambientalista, o "investimento em comunicação é muito importante".

"Nós recomendámos que as pessoas possam, por exemplo, ter direito a uma ajuda, dar um sinal do valor ou o Governo avançar completamente com o pagamento da renovação", aponta.

Mas Islene Façanha deixa ainda críticas. "Ainda há muito trabalho a ser feito. A Estratégia Nacional de Longo Prazo para a Pobreza Energética deve ser primeiramente publicada e aprovada. A atual proposta, ainda que seja um bom primeiro passo, foi vaga, superficial e pouco quantificável e não apresentou alinhamento com a estratégia de renovação dos edifícios, que já está publicada e em vigor".

"Acho que ainda falta um alinhamento das estratégias com metas nacionais e objetivos nacionais e termos também indicadores de concretização claros dos programas. É preciso também inovar esses apoios financeiros, apostar na diversidade e melhorar alguns programas já disponíveis e monitorar a situação nacional, porque não vamos avançar se não existir monitorização", defende a especialista em energia e clima. 

Ao JE, Islene Façanha diz ainda que "não existe um reforço financeiro para uma fiscalização adequada do uso dos apoios ou a sua condicionalidade a medidas de redução do consumo ou de eficiência energética junto desses consumidores".

Mecanismo Ibérico vs REPowerEU

O mecanismo ibérico iniciou-se no verão do ano passado e deverá estender-se até ao fim do presente ano. Em conjunto, os Governos português e espanhol criaram o mecanismo temporário para atenuar o preço das faturas de energia das famílias.

O mecanismo veio controlar a escalada descontrolada dos preços, controlando os preços de eletricidade, daí o ajuste MIBEL. Ainda que pareça quase insignificante, a poupança pode chegar aos 14% quando comparado com os preços do gás natural, que disparou desde o bloqueio à Rússia.

Questionada sobre o fim deste pacote da Península Ibérica, Islene lembra que foi um programa "bastante útil para o teto máximo dos preços de produção de eletricidade em Portugal e Espanha". "Na verdade, o Governo apresentou um pacote de medidas para apoio às empresas e famílias face ao aumento dos custos da energia, reduzindo o impacto desses aumentos e, assim, a pressão para uma redução acentuada do consumo".

Ainda assim, a ativista indica que "temos de apostar mais em pacotes como aqueles criados pela União Europeia", como o REPowerEU, também criado no âmbito da invasão à Ucrânia e ao aumento significativo dos preços.

A ambientalista que diz o REPowerEU "ajuda muito, porque pressiona os governos a apostarem na transição energética". "Acho que deveríamos seguir as diretrizes e acompanharmos estas mudanças. Foi de grande importância, até para pressionar essa transição".

Vamos chegar aos 0%?

"Espero que sim. Estamos a lutar por isso", salienta Islene Façanha.

Além de ser um problema energético, este é "um problema de saúde, de habitação e um problema que nos atinge a todos e deveria ser parte da estratégia, inclusive uma das prioridades do Governo".

O plano governamental, que ainda está para ser publicado, apresenta vários milestones, nomeadamente para 2030, 2040 e 2050. E o que isso implica? "Temos de fazer o trabalho de casa, porque se não o fizermos, não alcançamos as metas a que nos propomos".

E são estas metas suficientemente ambiciosas? Tudo dependente de como correrem os próximos anos. "Deveríamos ser mais ambiciosos e devíamos levar isto mais a sério. Não é uma questão de agenda política. É uma questão de saúde, do bem estar da população. Acho que [os governantes] deveriam levar isto muito a sério e não ter em consideração a sua agenda política".