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Peso das exportações do calçado no PIB cai para metade em 20 anos

Ao longo do último quinquénio o peso no calçado nas exportações desceu de 3,1% em 2019, para 2,5% em 2023. Mas há um plano que quer imprimir um “choque estratégico” até 2030.

As exportações portuguesas de calçado “conheceram um processo de expansão a partir da segunda metade da década de 70 do século passado e com grande dinamismo a partir dos primeiros anos da década de 80, tornando-se numa das indústrias mais dinâmicas do país. Após um longo período de crescimento, seguiu-se uma fase de ajustamento estrutural às novas condições competitivas do mercado, principalmente por parte de países asiáticos”, refere uma análise do Gabinete de Estratégia e Estudos (GEE) divulgado pelo Ministério da Economia e do Mar.

Sustentadamente crescentes desde o início da década de 80 do século passado, “as exportações portuguesas de calçado para o mundo atingiram 1,7 mil milhões de euros em 2001, decrescendo tendencialmente a partir de então, até se situarem em cerca de 1,3 mil milhões em 2009. A partir de 2009 estas exportações aumentaram sucessivamente, atingindo 2 mil milhões de Euros em 2017. Seguiram-se quebras até 2020, ano em que se situaram em 1,5 mil milhões, para recuperarem o crescimento sustentadamente até 2022 (2,1 mil milhões), situando-se em 1,9 mil milhões de Euros em 2023, de acordo com os dados preliminares disponíveis”.

Mas, ao mesmo tempo, o seu peso no PIB foi decrescendo – revelando alguma dificuldade em acompanhar o crescimento da economia como um todo. Ao longo do último quinquénio o peso no calçado nas importações globais representou cerca de 1%, tendo o peso das exportações descido de 3,1%, em 2019, para 2,5%, em 2023. Numa análise mais longa, o decréscimo é ainda mais sensível: “o peso do calçado na exportação global portuguesa, que em 2001 representava 6,3%, decresceu significativamente, representando 2,5% em 2023”. Houve uma inversão desta tendência decrescente em 2009 e em 2014 – mas o movimento global foi sustentadamente decrescendo.

Comprar e vender

De qualquer modo, a balança comercial “é fortemente favorável a Portugal, com saldos da ordem dos mil milhões de euros em 2021 e 2022 e 968 milhões em 2023, e elevados graus de cobertura das importações pelas exportações. Em 2023 as importações, que no ano anterior haviam crescido 36,7%, decresceram 2,6%. Por sua vez as exportações, que em 2022 haviam aumentado 20,1%, decaíram 7,6%”, realça o estudo. A taxa de cobertura atingiu um pico da ordem dos 242,8% em 2021 – mas posteriormente veio a sentir alguma degradação – passou para os 213,3% no ano seguinte para se fixar nos 202,4% em 2023.

Em 2023 predominaram as importações de calçado com a parte superior em matérias têxteis e em couro, respetivamente 28,6% e 27,9% do total. Seguiram-se as partes de calçado, com 22,6% e o calçado com a parte superior em borracha ou plástico, 18,9%. O conjunto do calçado não especificado reuniu 1,1% do total e o calçado impermeável 0,9%. Em termos de origem, o mercado intra-europeu tem ganho relevância, o que aponta para o abandono das origens asiáticas, possivelmente afetadas pela crise das cadeias de fornecimento longas: em 2022, 73% das importações vinham da Europa, valor que se fixou nos 78,6% no ano seguinte. Os principais fornecedores foram a Espanha, com 33,4% do total (30,9% em 2022) e a Alemanha (10,4% e 10,2% respetivamente). Seguiram-se a Bélgica (10,3% e 8,4%), a Itália (9,1% nos dois anos), a China (8,2% e 9,1%)  e a França (7,8% e 7,5%). “Estes seis países representaram cerca de 80% das importações totais em 2023 (75% em 2022)”, refere o GEC – que ‘trabalha’ números da responsabilidade do Instituto Nacional de Estatísticas (INE).

No sentido contrário, em 2023, destinaram-se ao espaço comunitário 80,2% das exportações de calçado (80,3% em 2022). Os principais destinos foram a Alemanha (22,1% em 2023 e 21,5% em 2022), a França (20,6% e 19,0%) e os Países Baixos (13,6% e 14,6%). Seguiram-se a Espanha (7,8% e 7,6%), o Reino Unido (6,2% nos dois anos), os EUA (5,3% e 5,5%), a Dinamarca (3,7% e 4,8%), Itália (3,1% e 2,7%), a Suécia (2,8% e 3,1%), a Bélgica (1,5% e 2,2%), o Canadá, (1,4% e 1,5%), a Áustria (1,2% e 1,4%), a Irlanda (0,9% e 0,8%), a China (0,8% nos dois anos) e a Noruega (0,7% em ambos os anos). “Este conjunto de países representou 91,8% 2023 e 92,4% em 2022”.

Piorar menos do que a concorrência

De qualquer modo, a Associação Portuguesa dos Industriais do Calçado, Componentes e Artigos Pele e seus Sucedâneos (APICCAPS) chama a atenção para que vale a pena fazer o esforço de confrontar as exportações nacionais (em queda) com o ‘ambiente global’ do sector, que não tem sido famoso. Os cinco maiores produtores do mundo – China, Índia, Vietname, Indonésia e Brasil – registaram em 2023 quebras que se situaram, sem exceção, entre os 13% e os 20%, segundo dados fornecidos ao JE pela Associação Portuguesa dos Industriais do Calçado, Componentes e Artigos Pele e seus Sucedâneos (APICCAPS). Ou seja, as exportações nacionais caíram menos que a concorrência – o que quer dizer que o calçado português ganhou quota internacional.

Mas os principais mercados para as exportações nacionais não estão a ter um comportamento positivo: América do Norte e Europa, os dois mercados de referência, registam previsões de crescimento para 2024, em termos de consumo, de respetivamente 5,3% e 1,5%, em comparação com 2023. O último World Footwear Survey refere que, em termos globais, o consumo de calçado deverá aumentar, em média, 13,2% em África, 10,6% na Ásia e 6,4% na América do Sul. Segundo o mesmo documento, os principais fatores que impulsionam estes crescimentos são fundamentalmente “as tendências económicas e demográficas”.

Ainda de acordo com o World Footwear, em 2022, foram produzidos à escala internacional 24 mil milhões de pares de calçado, 88% dos quais no continente asiático. A quota da Europa na produção global ascendeu a menos de 3% do total global. Em conjunto, os cinco maiores países produtores asseguram praticamente 80% da produção mundial, o equivalente a 19 mil milhões de pares de calçado.

Segundo os dados divulgados pela associação representativa do sector, a China, o principal produtor mundial, produz anualmente 13 mil milhões de pares de calçado (quota na produção de 54%) e exporta 9 mil milhões para países como os Estados Unidos, Filipinas, Japão, Alemanha e Rússia. Nos primeiros onze meses de 2023, as exportações chinesas de calçado recuaram 13% em valor.

A Índia produziu 2.600 milhões de pares de calçado, com apenas 10% da produção a seguir para os mercados externos (Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, França e Itália, principalmente. Até novembro, as exportações caíram 17%. O Vietname produziu 1.500 milhões de pares de sapatos em 2022, para os Estados Unidos, Alemanha, China, Bélgica e Japão, com as exportações a derraparem 17%. A Indonésia produz mais de 1.026 milhões de pares, para os Estados Unidos, China, Bélgica, Alemanha e Coreia do Sul e as exportações caíram 20% até setembro passado. O Brasil produz 849 milhões de pares para os Estados Unidos, Argentina e França.

Um choque estratégico

No quadro da importância cimeira das exportações para o calçado, o seu reforço e a alavancagem na sua posição internacional nos mercados em que atua – e naqueles em que espera vir a atuar – são os dois elementos centrais do cluster do calçado para a próxima década. Recorde-se que, para isso, diz a APICCAPS, é preciso “aliar a sofisticação e criatividade com a eficiência produtiva, assente no desenvolvimento tecnológico e na gestão da cadeia internacional de valor”, assim garantindo o futuro de uma base produtiva nacional, sustentável e altamente competitiva.

O novo Plano Estratégico do Cluster do Calçado 2030, apresentado há mais de um ano, define quatro prioridades para atingir esses objetivos: qualificação de pessoas e empresas; produtos e processos sustentáveis; flexibilidade e resposta rápida; presença ativa nos mercados). Para isso, define um road map de 24 medidas e 113 ações concretas para reposicionar o setor na cena competitiva internacional.

Com este ‘choque estratégico’, o sector prepara, na ótica do presidente da APICCAPS, “uma nova década de crescimento”. “Este plano é mais do que uma visão, é um compromisso do setor para aprofundar a sua competitividade no plano internacional e continuar a gerar valor para o nosso país”, sublinhou Luís Onofre, citado em comunicado à época.

O documento apresenta, adicionalmente, cinco projetos-âncora (academia digital, inclusão & responsabilidade social, compromisso verde, centros de demonstração e empreendedorismo de marca), áreas de intervenção consideradas fundamentais no progresso do sector.

No âmbito do plano, a APICCAPS analisou entre os mercados os que oferecem as melhores perspetivas de sucesso comercial. De acordo com o critério adotado, o mercado potencial para o calçado português é constituído por 9,1% da população mundial, ou seja, cerca de 690 milhões de pessoas. Com base em informação disponível no Banco Mundial, estimamos que 30% destes consumidores se localizem nos EUA, 21,6% na UE, 11% na China, 7% no Japão e 7% noutros países europeus, estando os restantes dispersos pelo mundo. Com base na informação disponível numa análise aprofundada, estima a APICCAPS que “existam no mundo 145 cidades”, que devem ser consideradas prioritárias para o calçado português, 63% das quais concentradas na Europa e nos EUA.

Constituído por 1.500 empresas, responsáveis por cerca de 40 mil postos de trabalho, o sector de calçado exporta mais de 95% da sua produção para 172 países, nos cinco continentes.