O Jornal Económico viaja esta semana até Faro neste ciclo de entrevistas-antevisão de 2024 no Ensino Superior e na Ciência em Portugal.
Paulo Águas, o reitor da Universidade do Algarve (UAlg), é licenciado em Economia e doutor em Gestão. Olha com pragmatismo para o futuro. Com eleições legislativas a 10 de março e previsivelmente um novo inquilino no Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, alerta para o muro de cimento que pode estar já ao virar da página do calendário: “Os novos máximos de estudantes e de diplomados alcançados poderão não vir a ser renovados e 2024 ser o ano de inversão”. A demografia, uma questão crítica, tem ligação direta com outra não menos crítica: o financiamento do Ensino Superior.
Em linhas gerais, como antecipa 2024 no Ensino Superior e na Ciência em Portugal?
A atual situação política em Portugal dificulta a realização de previsões para 2024 e gera incerteza para os anos seguintes. O fim precoce do XXIII Governo Constitucional interrompeu importantes dossiês em curso, nomeadamente a revisão do Regulamento Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES) e o Estatuto da Carreira de Investigação Científica. O contrato de legislatura 2024-2027, previsto para assinar no final de 2023, também não se materializou, tendo sido estendido para 2024 o contrato firmado para o período de 2020 a 2023.
O financiamento mantém-se desafiante?
Diria que, em termos globais, o sistema de ensino superior, não obstante o crónico subfinanciamento que importa ultrapassar, tem vindo a robustecer a sua situação nos últimos anos. Mostrou resiliência durante a crise pandémica e está a aproveitar as oportunidades proporcionadas pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
Porém, os novos máximos de estudantes e de diplomados alcançados poderão não vir a ser renovados e 2024 vir a ser o ano de inversão. Assim, torna-se crítico melhorar as regras de distribuição das verbas do Orçamento do Estado (OE), de modo a que sejam mais justas, sendo necessário para tal ter em consideração os contextos das instituições. Por exemplo, as economias de escala associadas ao funcionamento não estão a ser consideradas na distribuição das verbas. O custo de funcionamento de um curso de Engenharia com 500 estudantes não é o dobro do custo de funcionamento do mesmo curso com 250 estudantes. A não introdução desta dimensão na fórmula de financiamento provoca graves desequilíbrios na distribuição das verbas.
Quais as prioridades da Universidade do Algarve para este ano?
O Algarve é a região NUTS II de Portugal Continental que apresenta as taxas mais baixas de transição de estudantes do ensino secundário para o ensino superior, o que constitui, em simultâneo, uma responsabilidade e uma oportunidade para a Universidade do Algarve (UAlg). Responsabilidade para qualificar a região, de modo a que possa estar preparada para uma sociedade e economia em que a dimensão conhecimento será mais decisiva. Oportunidade para continuar a aumentar a percentagem dos estudantes no ensino superior em Portugal que estudam na UAlg, o que vem acontecendo desde 2016/17. Para tal, será importante em 2024 dar continuidade à cooperação com o Município de Portimão para a construção de um campus que permita a expansão do ensino superior no Barlavento do Algarve.
Mais investimento?
Sim, falamos de investimento. No segundo trimestre de 2024 serão lançados os concursos para a construção de duas novas residências, com financiamento do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), com uma capacidade para 287 estudantes.
Qual o principal desafio na investigação?
A prioridade passa por reduzir a precariedade do corpo de investigadores, promovendo a sua contratação para posições permanentes. Para o efeito, encontra-se em preparação uma candidatura ao programa FCT – Tenure, cuja primeira edição irá ocorrer em 2024. Decidimos avançar, não obstante os riscos que o programa encerra, por não assegurar diretamente o financiamento total durante a sua vigência, e pela incerteza no pós-programa, uma vez que a dotação do Orçamento do Estado para as Instituições de Ensino Superior continua a não incluir verbas para a ciência, apenas para o ensino.
Sobre a Universidade do Algarve
[caption id="attachment_1147210" align="alignnone" width="700"] Campus de Gambelas[/caption]
A Universidade do Algarve é uma instituição singular. Desde logo, por ser a única universidade portuguesa criada por Lei da Assembleia da República, tendo merecido aprovação unânime do Parlamento. Atualmente tem cerca de 10 mil estudantes, dos quais mais de 20% são estrangeiros, de 101 nacionalidades diferentes e disponibiliza 46 licenciaturas e 29 cursos de pós-graduação, nas suas diversas áreas de formação: Artes, Comunicação e Património; Ciências Sociais e da Educação; Ciências e Tecnologias da Saúde; Ciências Exatas e Naturais; Economia, Gestão e Turismo; Engenharias e Tecnologias. Ao nível do 2º ciclo tem 70 mestrados, 18 dos quais em inglês ou tendo esta língua como opção. As ofertas no domínio dos doutoramentos disponibilizam 19 programas doutorais, dos quais quatro na língua inglesa e nove tendo-a como opção. A UAlg integra a Universidade Europeia dos Mares (SEA-EU), um “Super Campus” constituído por nove instituições visando criar uma universidade europeia claramente internacional, pluriétnica, multilingue e interdisciplinar.
Campus da Penha
Com 43 anos de existência, a UAlg aparece pela sexta vez no ranking do Times Higher Education (THE) Young University Rankings 2023, que analisa o desempenho de instituições de ensino superior criadas há 50 anos ou menos, destacando-se no indicador da projeção internacional. Pela quarta vez integra o THE, que avalia o contributo das universidades para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, posicionando-se no intervalo 201-300, entre 1591 instituições de 112 países. Este ano também volta a integrar o Shanghai Ranking’s Global Ranking of Academic Subjects 2023, brilhando na área de Hospitality & Tourism Management, onde está entre os lugares 76-100.
O JE iniciou em janeiro a publicação de um ciclo de entrevistas sobre o Ensino Superior em Portugal. Leia aqui as entrevistas a:
Amílcar Falcão, reitor da Universidade de Coimbra: “Com a queda do Governo, a tendência para um aumento de entropia acentua-se”
Luís Ferreira, reitor da Universidade de Lisboa: “Sem mais investigação não teremos salvação”
José Moreira, presidente do SNESup – Sindicato Nacional do Ensino Superior: “Esperamos que a próxima equipa governamental esteja aberta à negociação e não só à audição”.