Custou, muitas horas sentados à mesa das negociações, mas ficou fechado esta terça-feira. O Governo, quatro confederações empresariais e a UGT - patrões e sindicatos - assinaram o acordo tripartido da Concertação Social. Uma das medidas acordadas passa pelo aumento do salário mínimo até aos 870 euros no próximo ano, comportando um aumento superior a mil euros no fim da legislatura.
Confederações conseguiram ainda incluir a descida de 20% das tributações autónomas e mais incentivos fiscais, nomeadamente para as empresas que aumentem os seus capitais próprios.
Ainda antes das últimas horas da noite, o Governo conseguiu convencer a Confederação Empresarial de Portugal a assinar o Acordo de Rendimentos, quando decidiu deixar cair a proposta concreta da descida de 21% para 19% de IRC.
Apesar da assinatura por parte destas entidades, o documento elaborado pelo Executivo de Montenegro não escapou às críticas, com os elogios a ficar para segundo plano. Este plano, segundo as palavras dos patrões, não significa rasgar o anterior acordo, mas sim prolongá-lo com uma atualização.
Entre elogios e críticas dos patrões e sindicato
O secretário-geral da UGT lembrou que o acordo tripartido é "celebrado num momento complexo", uma vez que as conversas em torno do Orçamento do Estado para 2025 (OE2025) continuam debaixo de fogo e sérias acusações entre Governo e PS. "A UGT defenderá este acordo e a sua plena concretização", apontou Mário Mourão, embora lembre que o entendimento com o anterior Governo "continua vivo e válido", mantendo-se o objetivo de continuar a sua implementação.
Por sua vez, o presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), João Vieira Lopes, já tinha admitido assinar o acordo, embora considere que "poderia ser mais ambicioso e deveria ter sido mais preciso e empático em alguns aspetos fiscais que são cruciais". O presidente da CPP reforçou o alerta da UGT, referindo-se aos compromissos com o Governo de António Costa.
João Vieira Lopes aproveitou o Governo na linha da frente do palco para dar alguns apontamentos ao acordo, mesmo tendo-o assinado. Tendo um horizonte até 2028, quando termina a presente legislatura (se Marcelo não convocar eleições antecipadas por falta de consenso no OE2025), Vieira Lopes sustentou que o acordo precisava de ser "mais preciso e enfático" em alguns aspetos fiscais.
Na opinião do líder da CCP, Portugal "tem claros problemas de competitividade e produtividade", sendo que o acordo agora assinado aborda alguns destes assuntos, nomeadamente o baixo nível salarial e o fraco poder de compra. "Consideramos que o que aqui está é positivo. É um passo importante, ainda que limitado", apontou, ressalvando que espera que "mais audácia fiscal possa vir a ser alcançada".
Na noite de segunda-feira, a CCP tinha admitido que o acordo proposto pelo Executivo ficava "aquém das expectativas e das necessidades das empresas". Neste acordo, o representante do sector do comércio e serviços destaca a redução da taxa normal e da taxa redução de IRC e ainda a descida das tributações autónomas, mesmo que esta seja "limitada".
Uma das vozes mais sonantes foi a de Armindo Monteiro, cuja CIP esteve até à última para assinar o dito acordo. "É um encontro de vontades", apontou o líder da CIP, enumerando ainda algumas críticas ao rascunho do Governo que esteve em cima da mesa. Para Armindo Monteiro, o "acordo ficou aquém da ambição que a CIP tem para Portugal", ainda que lhe reconheça algum tipo de ambição.
Armindo Monteiro elogiou o facto de “pela primeira vez termos uma medida para fazer face à nossa principal dificuldade, a baixa produtividade”. “Pela primeira vez é estabelecido o objetivo de atingir 75% da produtividade média europeia. Este é um desígnio que a todos nos deve mobilizar”, sustentou o líder da CIP.
Outra vontade que “acontece pela primeira vez em 10 anos” é “a vontade de descer o Imposto sobre as Empresas”, o dito IRC que levou a um certo bloqueio. Por essa mesma razão, o Governo retirou a proposta de redução gradual de 21% para 19%, deixando-a agora em aberto. Para o patrão dos patrões “não há nenhuma razão para esta penalização de termos a maior tributação da Europa e continuarmos a penalizar as empresas em Portugal”.
Armindo Monteiro manteve o pensamento: “Descer o IRC não significa reduzir apenas o Imposto para Empresas. É um sinal que o país dá às empresas para crescerem, serem mais sofisticadas, se internacionalizarem, terem melhores salários e pagarem mais impostos porque ganharam mais. Um país que não desce os impostos sobre as suas empresas e um país que acredita que é possível distribuir aquilo que se cria. Não podemos continuar com este milagre português”, anuiu.
Por isso mesmo, e perante fortes tensões geopolíticas às portas da Europa, Armindo Monteiro admitiu ter assinado o acordo "perante o risco de instabilidade política", de forma a fazer "parte dos consensos e não das divisões".
Pouco tempo depois de Armindo Monteiro descer do palco, foi a vez do presidente da Confederação do Turismo. Francisco Calheiros revelou que o acordo "foi talvez o mais difícil de aceitar por parte dos associados", dado a falta de tempo para "discutir questões importantes".
O representante do sector do turístico apelou a um maior aumento do rendimento dos trabalhadores e não o do rendimento do Estado. Para já, Francisco Calheiros admitiu que a assinatura da CTP neste acordo se trata de "um benefício da dúvida".
CGTP diz que acordo proposto pelo Governo "hipoteca desenvolvimento do país"
A CGTP recusou assinar o novo acordo de rendimentos e lançou críticas à proposta do Governo. Na opinião da CGTP, o documento proposto pelo Executivo perpetua baixos salários e agrava as desigualdades já sentidas, além de hipotecar o desenvolvimento de Portugal.
"O texto trava a já insuficiente valorização do salário mínimo nacional e insiste na falsa ideia de elevação do salário médio mantendo as normas gravosas da legislação laboral", apontou a intersindical.
Em comunicado, a CGTP insiste num salário mínimo de mil euros já no começo do próximo ano, numa proposta que difere em 130 euros daquela apresenta pela governação. O líder da entidade sindical lembra que 845.608 trabalhadores auferem atualmente de 820 euros. Sobre a evolução do salário médio, a CGTP considerou que a inclusão é utilizado pelos patrões como teto salarial na negociação da contratação coletiva e serve como meio para obter "significativos benefícios fiscais".
"A CGTP-IN reivindica um aumento geral e significativo dos salários, em pelo menos 15% e nunca inferior a 150 euros, não vislumbrando no acordo quaisquer medidas no sentido de romper com o modelo assente em baixos salários e na precariedade", refere o comunicado assinado por Tiago Oliveira.
No seu extenso comunicado, o líder da CGTP refere quatro linhas vermelhas que não estão dispostos a atravessar: travão na remuneração mínima mensal garantida; sem revogação das normas que atacam a contratação coletiva, o salário médio não avança; medidas de agravamento da injustiça fiscal; promoção do negócio na saúde e na proteção social.
"É importante que as pessoas sintam que vale a pena trabalhar"
Após a assinatura do acordo, o primeiro-ministro mostrou-se satisfeito e evidenciou o facto do acordo ser importante para que a economia portuguesa seja mais competitiva e mais produtiva. “A primeira palavra é de reconhecimento e gratidão aos parceiros sociais pela subscrição deste acordo para a valorização dos salários e crescimento da economia”, destacou o chefe do Governo que não deixou de lançar uma farpa ao PS: “Só quando há boa fé é que os processos negociais podem ter sucesso”.
“O que alcançámos é extraordinariamente importante: é um acordo que valoriza o trabalho e retribuir com melhor resultado. Mas não são só melhores salários mas também a valorização do trabalho”, realçou. “É importante que as pessoas sintam que vale a pena trabalhar. Por isso queremos aumentar o salário mínimo nacional e atingir em 2027 um objetivo superior aquele que o nosso programa previa em 2030 para o salário médio”.
O primeiro-ministro revelou que “estamos mesmo interessados em baixar a carga fiscal às empresas e que sintam que vale a pena investir em Portugal, na tecnologia, no conhecimento, no capital humano, porque o Estado não vai absorver tanto lucro às empresas”. Montenegro manifestou ainda que “aumentar apenas o salário mínimo é um erro económico”: “Não queremos um país apenas focado em aumentar o salário mínimo. Quantas mais pessoas ganharem o salário mínimo, mesmo que cresça, mais estagnada estará a sociedade. Queremos que os portugueses ganhem mais do que o salário mínimo nacional”.
Quais as medidas do acordo assinado entre patrões e Governo?
Uma das medidas base do acordo foi o aumento do salário mínimo, que o Governo conseguiu evitar levar ao OE2025. O Executivo prevê agora aumentos anuais de 50 euros até 2028, de forma a que este supere os mil euros (1.020 euros, numa variação de 5,2%).
Para já, e no arranque imediato do ano, o salário mínimo vai subir para 870 euros bruto, um aumento de 6,1% em relação aos atuais 820 euros e mais 15 euros que o previsto no anterior acordo assinado por António Costa, na ordem dos 855 euros.
Outro ponto é a valorização do salário médio, com o Governo a manter os valores previstos no acordo de rendimentos anterior: 4,7% em 2025 para 1.655 euros; 4,6% em 2026 para 1.731 euros.
A descida do IRC é uma das grandes medidas que mudou em relação ao pretendido inicialmente. Agora, o acordo estipula uma "redução progressiva" até 2028, optando por não estipular valores.
Outro é o benefício em sede de IRC, em que as empresas poderão beneficiar de uma majoração de 50% dos encargos correspondentes ao aumento salarial.
Isto é, os empregadores que "efetuem um aumento mínimo de 4,7% da remuneração base anual dos trabalhadores que aufiram um valor inferior ou igual à remuneração base média anual existente na empresa no final do ano anterior"; "assegurem, no mínimo, um aumento global de 4,7% da remuneração base média anual existente na empresa, por referência ao final do ano anterior" e que "sejam abrangidos por instrumentos de regulamentação coletiva de trabalhado, celebrado ou atualizado há menos de três anos".
Entre as medidas aprovadas está a isenção nos prémios de produtividade, desempenho, participação nos lucros ou gratificações de balanço. Estes prémios pagos de forma voluntária ficam isentos de IRS e TSU até ao montante igual ou inferior a 6% da remuneração base anual do trabalhador, mediante as condições aplicadas à majoração em sede de IRS.
No que toca ao IRS Jovem, o Governo e os patronos concordaram na "redução das taxas do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares aplicadas aos jovens com idade até aos 35 anos", numa medida que segue a lógica do Programa de Governo.
O acordo prevê ainda a "redução em 50% da taxa de retenção autónoma de IRS sobre o trabalho suplementar", ou seja, ficou acordada a redução fiscal sobre as horas extras. Também o subsídio de refeição será isento de IRS, com exceção quando ultrapassa o limite legal estabelecido ou exceda em 70% sempre que o respetivo subsídio seja atribuído através de vales de refeição".
O acordo tripartido declara que as despesas suportadas pelo empregador relativamente a seguros de saúde dos trabalhadores e agregado familiar serão majoradas em 20% na sede de IRC. Isto é, as empresas verão o lucro tributável deste imposto cair, acedendo então ao pedido dos patrões.
Está ainda prevista a "redução anual da tributação autónoma aplicada em sede de IRC e IRS" nos próximos quatro anos até uma redução de 20% em 2028.