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ONU: uma Assembleia Geral em tempos de crise

Com 80% dos representantes máximos do Conselho de Segurança ausentes, a 78ª Assembleia Geral da ONU será, ao longo de duas semanas, o espelho da crise por que passa o organismo.

Há muito que os analistas afirmam que as Nações Unidas, demasiado marcadas pelas circunstâncias do pós-II Guerra Mundial – precisam de uma ‘recauchutagem’ urgente – mas as consequências da guerra na Ucrânia evidenciaram como nunca antes essa necessidade. A 78ª sessão da Assembleia Geral anual, cujos trabalhos práticos começaram esta terça-feira não podia ser mais atestatória do que se passa.

Primeiro, as ausências. O presidente chinês, Xi Jinping, não estará presente, assim como sucederá com o seu homólogo russo, Vladimir Putin (e não é porque podia ser preso no aeroporto de Nova Iorque), com o francês, Emmanuel Macron, e com o primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak. Ou, dito de outra forma: os representantes máximos de todo o Conselho de Segurança ficam em casa, exceção feita a Joe Biden.

Num quadro em que a ONU não conseguiu convencer a Rússia a manter-se no perímetro do Acordo do Mar Negro (sobre a exportação de cereais da Ucrânia) – tendo sido este o dossiê mais importante dos últimos meses em que a organização esteve emprenhada – o seu secretário-geral, António Guterres, vai ter muitos presidentes e chefes de governo que ciceronear, mas com certeza guardará um lugar especial para o presidente brasileiro, Lula da Silva.

A imprensa brasileira diz que o presidente tem mais de 50 encontros marcados à margem dos trabalhos da Assembleia Geral. O que não é de admirar, uma vez que Lula da Silva tem na sua agenda secreta um item muito importante: convencer os seus pares que o Brasil deve ser convidado a entrar como membro permanente no Conselho de Segurança. É muito improvável que o consiga – até porque ninguém quer que a Rússia ganhe um novo aliado naquele órgão de direção (com poder de veto). Mas vai tentar.

Além dessa pretensão do Brasil, Lula poderá ter de se encontrar pessoalmente com o seu homólogo ucraniano – que em princípio vai discursar na assembleia – naquele que será um dos seus encontros mais difíceis. É que a Ucrânia duvida do empenhamento do Brasil na defesa do país contra a invasão russa – e tem boas razões para isso: Lula da Silva tem-se mostrado preparado para manter algum apoio internacional a Putin. O que ficou bem claro há dias, quando disse que o presidente russo não será preso se pisar solo brasileiro.

Outra ausência esperada é a do primeiro-ministro indiano, Narendra Modi. A suceder, não é um bom sinal para os Estados Unidos e seus aliados na causa ucraniana. Tal como Lula da Silva, o dirigente indiano não tem primado por ser um adversário notório de Vladimir Putin e a sua ausência da Assembleia Geral pode querer dizer que não foi sensível aos argumentos ocidentais para se juntar aos esforços ocidentais. E depois, claro, há também a questão do Conselho de Segurança. São vários os analistas que preferem a Índia ao Brasil como potencial candidato a um lugar permanente naquele órgão – que é em última análise o responsável pelos sucessos e pelos insucessos da ONU.

Em termos oficiais, os tópicos da reunião da cimeira de duas semanas parecem mais numerosos, voláteis e difíceis de resolver do que em qualquer das reuniões anteriores. Com a guerra na Ucrânia no topo, as inundações na Líbia, os múltiplos golpes de Estado no continente africano, o Norte contra o Sul (como se viu na recente cimeira dos BRICS), a crise no Haiti e as alterações climáticas, entre outras, são motivos mais que suficientes para os ‘apostadores’ colocarem todas as ‘fichas’ no insucesso.

De qualquer modo, e segundo a organização, 140 chefes de Estado e de governo estarão presentes. Seis vice-presidentes, quatro vice-primeiros-ministros e mais de 30 ministros de Estado e chefes de delegações também estarão na tribuna. Como é tradição, o Brasil foi o primeiro a tomar da palavra, seguido pelos Estados Unidos, Ucrânia e Cuba, entre outros.

Pela primeira vez na reunião anual, o presidente Volodymyr Zelensky esteve presente pessoalmente, depois de anteriormente ter participado em vídeo e de posteriormente se ir encontrar com o seu homólogo Joe Biden, em Washington, na quinta-feira.