O Governo começou a receber os partidos para discutir a proposta de Orçamento do Estado para 2026 (OE2026). A primeira reunião, que serviu para apresentar as principais opções do Executivo para o orçamento e abordar outros temas, foi com o Chega, que votou contra a proposta do OE no ano passado e agora chama a si o estatuto de segundo maior partido da oposição para reclamar o lugar de parceiro preferencial nas negociações com o Executivo, deixando a porta aberta para a sua aprovação. Mesmo com margem mínima, Montenegro não espera drama orçamental e já deixou avisos à oposição.
“Estamos atentos e queremos colaborar. Esperemos que o Governo perceba, ao contrário do ano passado, que há um parceiro preferencial. Esse parceiro preferencial foi decidido pelos portugueses a 18 de maio”, destacou a vice-presidente da bancada do Chega após a reunião com o Governo para discutir o OE2026, o conflito no Médio Oriente, a lei da nacionalidade e dos estrangeiros e a criação de novas freguesias. Rita Matias confirma que há "condições favoráveis" para aprovar o Orçamento, tal como sinalizou Ventura nesta semana, mas quer ser o "parceiro preferencial" do Governo.
Do lado do ministro dos Assuntos Parlamentares, veio a resposta: o Governo vai "negociar com todos os grupos parlamentares" sem qualquer "lógica de preferência" ou "parceiros preferenciais" nas negociações para o OE. Sobre a maior facilidade nas negociações este ano, face a um parlamento com uma maioria de direita, Carlos Abreu Amorim considerou que "não há nem maior facilidade, nem maior dificuldade", admitindo apenas que certas matérias poderão ter de ser negociadas, dando o exemplo específico da lei dos estrangeiros.
Numa alusão às negociações para o OE2025 com o então líder do PS, Pedro Nuno Santos, Rita Matias pede, no entanto, para que não “se repitam negociações à porta fechada, nem conversas que depois são negadas publicamente”.
Nos encontros, que vão decorrer a pouco mais de um mês da data-limite para a entrega do documento, vários ministros marcarão presença nas audiências, que o Governo já fez questão de dizer que não são ainda negociações com os grupos parlamentares, mas sim uma oportunidade para apresentar as principais opções do Executivo para o orçamento.
Nestas primeiras discussões, antecipam-se algumas linhas vermelhas traçadas pela oposição, apesar dos avisos de Montenegro de que o Governo não negociará com base em ultimatos.
Pela voz de Rita Matias, o Chega, que chama a si o estatuto de segundo maior partido da oposição, garante “portas abertas para o diálogo” com o Governo, mas quer que o Executivo de Montenegro "não ande aos ziguezagues”, exigindo redução da carga fiscal e aumento permanente das pensões, que fazem parte de um cardápio de cinco condições ao Governo para aceitar discutir o OE2026. No caderno de encargos, o Chega coloca ainda mais verbas para as forças de segurança, um aumento das deduções fiscais em sede de IRS das despesas com habitação e um “corte sustentável na despesa dos ministérios”.
Governo preocupado com PRR, mas afasta défice em 2026
Segundo Rita Matias, no encontro, o “Governo sinalizou alguma preocupação, nomeadamente ao nível da execução do PRR, por depender de transferências e de empréstimos do próprio Estado, ao nível de 1% do PIB”, dando ainda conta de que prevê terminar este ano com um superavit.
No que toca ao crescimento da economia, a taxa deverá rondar os 2%, de acordo com o Livre, uma ligeira revisão em baixa face aos 2,4% para este ano e 2,6% no próximo, previsto pela AD no programa eleitoral.
Os números foram avançados pelo co-porta-voz do partido, Rui Tavares, após a reunião com o Governo, confirmando a informação do Chega, de que as Finanças continuam a prever um ligeiro excedente orçamental de 0,1%.
“Este era um Governo que dizia que era fácil crescer acima dos 3%; aparentemente, não é fácil crescer acima dos 3%", criticou, afirmando ainda que o Governo prevê também um excedente orçamental que considerou escasso e classificou como "um saldo nulo". Segundo Rui Tavares, a “taxa de inflação vai estar pouco acima dos 2% com habitação e nos 1,9% sem habitação” e o Governo prevê uma dívida pública abaixo dos 90% do PIB no próximo ano, tendo desafiado o Executivo a dialogar sobre o orçamento, ao invés de manter um "namoro preferencial" com o Chega.
As propostas do Livre e da IL
Rui Tavares antecipou que o seu partido vai apresentar um pacote legislativo dedicado à coesão territorial, que prevê a criação de um "rendimento básico de coesão", numa primeira fase a aplicar num "universo limitado", num valor de cerca de 500 euros.
O objetivo, diz, é apoiar pessoas que tenham terrenos em determinados locais do país e que "se tivesse uma diferença de rendimento de algumas centenas de euros por ano conseguisse cuidar" dos seus terrenos, mantendo o seu trabalho. O porta-voz do Livre fez as contas a um teste com 10 mil pessoas que acedessem a este programa: “são 60 milhões de euros a investir na coesão do nosso território. Para quem fala dessa coesão o tempo todo, é uma proposta perfeitamente razoável". O partido retoma ainda a proposta de atribuição do subsídio de desemprego destinado a "casais que desejam mudar-se para o interior", dando como exemplo o caso de um casal em que um dos elementos tem uma proposta de trabalho numa região do interior do país e o outro tem de se despedir para poder acompanhá-lo.
A Iniciativa Liberal defende, por seu turno, a redução dos impostos sobre o trabalho e uma reforma do Estado, nomeadamente no que toca à função pública, defendendo que essa é uma das prioridades do partido para o Orçamento do Estado. A líder da IL já sinalizou a necessidade de fazer uma avaliação profunda da administração pública, questionando a avaliação que é feita a estes trabalhadores e que houve um aumento de cem mil funcionários nos últimos dez anos.
Questionada sobre o OE, Mariana Leitão afirmou que "do ponto de vista do Governo, vai seguir a mesma linha do ano passado" e que, em relação aos parceiros, o “interesse primordial” do partido “é sempre o país, o bem-estar do país”, sublinhando que os liberais não vão abdicar das suas propostas. “Vamos submetê-las", disse no fim da reunião com o Executivo.
Nesta primeira ronda de reuniões, vão estar presentes os ministros dos Negócios Estrangeiros, das Finanças, da Presidência, da Economia e Coesão Territorial, bem como o ministro dos Assuntos Parlamentares.
São reuniões que se prolongam pelos próximos dias. Na sexta-feira, é a vez do Partido Socialista, que já advertiu Montenegro de que pessoas não são linhas vermelhas, insistindo que a oposição do PS à alteração à lei laboral proposta pelo Governo é defender jovens, mulheres e trabalhadores. Uma resposta de José Luís Carneiro aos avisos de Montenegro de que o Governo não negociará “na base de nenhum ultimato, de linhas vermelhas”, mas “na base da moderação, a base do espírito construtivo”.
Com a lei laboral, ainda que não conste do OE, a servir de instrumento de pressão dos socialistas para decidirem o voto no próximo Orçamento, o líder do Chega quer um entendimento para que a alteração à lei do trabalho possa ser aprovada "sem qualquer necessidade do PS".
Nacionalidade adiada para outubro
De acordo com o Chega, o Governo pretende adiar para outubro a aprovação final da revisão da lei da nacionalidade, dando prioridade ao processo para sanar as inconstitucionalidades apontadas pelo Tribunal Constitucional (TC) na lei de estrangeiros. Segundo Rita Matias, o Governo mostrou-se apreensivo com a existência de “um efeito de chamada” de imigrantes após o TC ter considerado contrárias à Lei Fundamental um conjunto de normas que constavam no diploma que pretendia rever a lei de estrangeiros.
Rita Matias avançou que, em relação às leis de estrangeiros e da nacionalidade, “foi definida pelo Governo uma metodologia de trabalho no sentido de tratar estes temas em dois momentos diferentes”.
“Por agora, para setembro, tentaremos encontrar soluções face àquilo que foi dito pelo TC relativamente à lei de estrangeiros. Parece-me importante sublinhar que o Chega, que tem uma manifestação marcada para o próximo sábado, não está naturalmente confortável com aquilo que ouvimos. Foi confirmado pelo senhor ministro da tutela [António Leitão Amaro] que está a acontecer um efeito de chamada junto da AIMA (Agência para a Integração, Migrações e Asilo) e junto dos tribunais”, disse Rita Matias.
No entanto, segundo Rita Matias, durante a reunião, não foram apresentados números em concreto sobre o modo como se está a traduzir esse alegado efeito de chamada em território nacional.
Já sobre a criação de novas freguesias, outro dos temas abordados na reunião, Rita Matias assegurou que o Chega irá acompanhar “o Governo nos diplomas para solucionar problemas herdados da maioria absoluta socialista”, considerando que “está a ser um período caótico” e que “há um conjunto de comissões de extinção das freguesias que não estão a encontrar paz social nesse processo”.
Quanto ao reconhecimento do Estado da Palestina, o partido diz que "por ora não é tempo de reconhecer o estado palestiniano", pois está cético quanto à perspectiva de o grupo militar Hamas ser desmantelado e não se organizar como uma força política. O partido de André Ventura considera, porém, que o reconhecimento de dois Estados é a melhor solução para o conflito no Médio Oriente, apesar de persistirem "algumas dúvidas e preocupações".