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"O uso da IA vai fazer com que os doentes e os hospitais poupem", diz diretora do Hospital da Luz Learning Health

"Sim, aumenta a eficiência. Já há variados estudos e artigos sobre os termos de poupança que poderão existir com o uso desta tecnologia", salienta ao JE Francisca Leite, diretora do Hospital da Luz Learning Health.

Com uma forte aposta no formação, investigação e inovação o hospital da Luz tem desenvolvido vários projetos, nomeadamente que utilizam Inteligência Artificial (IA), este hospital consegue marcar a diferença por ter construído uma infraestrutura que permite acelerar essa inovação.

O projeto piloto Intelligent Care, é um projeto realizado em parceria com Instituto Técnico, com a Priberam, o INESC-ID e a Carnegie Mellon University nos Estados Unidos, que conta com um investimento global de três milhões de euros e com o financiamento de Portugal 2020, e que visa encontrar soluções de IA que permitam estabelecer as melhores metodologias de tratamento dos doentes com múltiplas patologias em simultâneo.

O consórcio liderado pelo hospital da Luz Learning Health foi selecionado este ano para fazer parte da rede nacional de 'Test Beds', que tem por objetivo disponibilizar às pequenas e médias empresas (PME) e startups nacionais as condições necessárias para testar novos produtos e serviços. Desta forma o hospital da Luz comprometeu-se a realizar 50 testes-piloto de produtos inovadores de startups e PME na área da saúde em três anos.

Em conversa com o Jornal Económico Francisca Leite, diretora do Hospital da Luz Learning Health, Nuno André da Silva, chefe do Data Science Lab do hospital e Bernardo Neves, médico no hospital, falam sobre a importância destes projetos e os benefícios que estes podem trazer ao pessoal médico e aos pacientes.

Quais os projetos de Inteligência Artificial (IA) que o hospital da Luz tem?

Nuno André da Silva: Temos aqui vários projetos, mas talvez o que seja o projeto bandeira é o Intelligent Care, um projeto que começou há três anos, em parceria com o Instituto Técnico, com a Priberam, o INESC-ID e a Carnegie Mellon University nos Estados Unidos.

O objetivo foi desenvolver uma ferramenta de inteligência artificial que permitisse ajudar os médicos a gerir doentes com multimorbilidade, com  múltiplas patologias em simultâneo. A forma como nós costumamos olhar aqui para a saúde é como um sistema complexo, ou seja, a complexidade ao ní­vel da doença, ao nível dos procedimentos, ou seja, vários procedimentos ao mesmo doente, várias terapêuticas, vários profissionais, ou seja, a multimorbilidade é exatamente isso, ou seja, se uma doença é muito complexa quando temos mais do que uma doença, ao mesmo tempo, a complexidade aumenta e por isso é que nós achamos que as técnicas de IA podem dar uma ajuda muito grande aqui.

Qual é o objetivo deste projeto?

Bernardo Neves: O objetivo deste projeto era numa primeira fase conseguimos identificar estes doentes usando estas técnicas de analítica avançada, ou seja, saber onde é que eles estão e quais são as características que eles têm. Porque se eu souber onde é que eles estão, eu posso atuar. A seguir caracterizá-los, será que um mesmo grupo de doentes pode ser caracterizado de maneiras diferentes? E com isso tentar perceber se os percursos clí­nicos dentro do hospital são diferentes. Doentes diferentes podem ter percursos diferentes, é um bocadinho a ideia de que 'one fits all', algo que fosse mais personalizado. E depois a terceira componente do projeto tinha a ver com o desenvolver ferramentas que, através de sensores, nos ajudassem a prever interações com o hospital, que é isso que estamos a pilotar agora, com um estudo clínico que estamos a fazer randomizado, onde estamos a colocar doentes dentro do estudo. Num conjunto de doentes damos sensores e no outro conjunto não damos e vamos observar para tentar perceber se o comportamento muda e se conseguimos prever quando é que eles vêm ter connosco ao hospital.

Como é que os pacientes têm reagido?

Bernardo Neves: De um modo geral, a adesão tem sido boa. Portanto, o que motiva principalmente este estudo são dois aspectos, um tem a ver com a noção da importância da atividade fí­sica e da qualidade do sono na prevenção da saúde, especialmente em doentes mais velhos e com mais doenças crónicas. E, portanto, é isso mesmo que nós estamos a medir nestes estudos. Estamos a perceber qual é que é o impacto de os doentes utilizarem relógios que medem a atividade física e de avaliar a qualidade do sono através de mantas de colchão inteligentes. Estamos a fazer isso e perceber qual é que é o impacto de utilizar estes dispositivos no aumento da atividade fí­sica e, portanto, na promoção de uma vida saudável através do aumento da atividade fí­sica. Um outro aspecto que temos a medir neste contexto é qual é que é o impacto de utilizar estes dispositivos além daquilo que são as métricas que nós já usamos e dos dados de saúde que já temos? Porque há muito a noção de que, embora exista muitos dados em saúde, embora os hospitais gerem cada vez mais dados, nós medimos aquilo que é uma parte limitada da vida da pessoa, que é quando a pessoa vem ao hospital e problemas concretos que tem os exames que fazem tudo isso. Há toda uma outra fase daquilo que nós chamamos o meio ambiente da pessoa, o seu comportamento fora do hospital que nós não medimos. Acreditamos naquilo que os doentes dizem e às vezes, a perceção que o próprio doente tem daquilo que faz, por exemplo, na atividade física se faz muito, se faz pouco, é errado e não corresponde à quilo que nós realmente medimos. E, portanto, este projeto também tem esse aspeto de passar a utilizar dados de e fontes de dados que normalmente não são utilizadas em saúde, que cada vez mais no futuro serão. Com o crescimento dos dispositivos e da nossa capacidade de utilizar técnicas de IA para analisar esses mesmos dados.

Qual é o balanço até agora sobre o projeto? Já é possível verificar se realmente faz diferença ter acesso a esses dados?

Bernardo Neves: Nós estamos a recolher dados, portanto, o processo de análise vai ser perceber se isto vai ter impacto e o que é que acrescenta aos outros dados, essa análise não concluímos porque estamos em pleno recrutamento, mas em termos do feedback dos doentes, tem sido bom. No geral, as pessoas gostam de ajudar e de contribuir para a ciência e não só para seu benefí­cio próprio, mas as pessoas no geral também gostam de ter informação, gostam de ter feedback e este tipo de dispositivos que nos dão dados a nós, mas também dão ao próprio doente, normalmente são muito bem aceites, mesmo por pessoas mais velhas e mais doentes que nós à partida, poderíamos achar que seriam mais céticos na utilização deste tipo de tecnologias, não tem sido esse o nosso feedback, pelo contrário, há um grande entusiasmo e envolvimento das pessoas nesse aspeto.

Qual tem sido o feedback dos médicos?

Bernardo Neves: De uma forma geral, o feedback tem sido bastante bom. Nós aliás dentro desta equipa, deste estudo em concreto, temos uma equipa que é muito diversificada, de médicos, de fisiologistas do exercício, de enfermeiros, enfim, é uma equipa multidisciplinar, percebe a importância do problema e que tem aderido bem ao seu objetivo e a sua execução.

A pergunta é um bocadinho como se há muito ceticismo por parte dos médicos em relação à adoção de novas tecnologias. Eu acho que todos não, médicos, somos educados no sentido de testar as coisas antes de as usar. E é isso que estamos aqui a fazer, estamos a testar uma tecnologia que achamos que pode funcionar e cujos resultados dos nossos estudos, vão permitir eventualmente, passar a utiliza-la como forma rotina.

Como médico, qual é a sua opinião sobre o uso da IA na área da saúde? É uma tecnologia que veio para ficar? Via trazer muitas benesses? 

Bernardo Neves: A minha opinião pessoal é que, claro que sim, vai modificar radicalmente tudo. A maneira como nós aprendemos, a maneira como nós trabalhamos, como nós interagimos com os doentes, a maneira como os doentes vão passar a perceber a sua própria saúde, tudo vai mudar. Agora, como em tudo e como em todas as evoluções tecnológicas, há coisas boas e coisas más que nós temos que evitar. Tudo isto está a acontecer muito depressa, vamos ter de perceber ainda muita coisa. Como é que estas tecnologias realmente funcionam, riscos que nós nem antevemos neste momento e que só vamos perceber quando tivermos chegado a fases mais tardias de implementar tudo isto. Portanto, agora há muito entusiasmo com o ChatGPT e esses modelos e ainda bem, que realmente são fantásticos e têm seguramente muitas aplicações na medicina, naquilo que nós fazemos de simplificar burocracias, de melhorar a nossa comunicação, de nos ajudar a conseguir chegar a informação relevante mais depressa e digerir informação que às vezes está dispersa por muitos sítios. Tudo isso são aplicações, que têm mesmo potencial. Agora têm um caminho de validação, nós percebemos o problema concreto de aplicar este tipo de tecnologias à  medicina.

Sendo uma área tão sensível, o que é que falta de legislação para se puder utilizar estas tecnologias na saúde?

Bernardo Neves: Estamos a falar de uma área que é particularmente difí­cil de legislar e de medir. Ao contrário de outras tecnologias e outros softwares, que são construídos e que são apresentados e são validados, muitas das aplicações de IA têm o problema de reprodutibilidade, o comportamento que é tido no momento não é necessariamente aquele que vai ter depois. Portanto, a maneira que nós temos de validar o software, por exemplo, na medicina, para muitas dessas aplicações já não existe sequer, estamos a falar de uma área nova, tecnologias que são altamente recentes e que é difí­cil a legislação estar em cima do desenvolvimento dessas próprias tecnologias, mas há um esforço grande nesse sentido, particularmente aqui na Europa. Acho que, nesse aspecto, estão na liderança.

Nós podemos controlar aquilo que estamos a usar para na prática clínica. E, portanto, todas estas tecnologias e todas as soluções que tenham algum tipo de IA envolvida terão que ser testadas como qualquer outra tecnologia e validadas antes de serem implementadas.

Francisca Leite: No entanto é importante que cada vez mais as pessoas percebam o que é que se está a fazer, o que é que é isto, o que não se pode fazer, quais as limitações e depois que tenham bom senso a aplicar.

Acha que há alguma área da saúde onde a IA não possa ser aplicada?

Bernardo Neves: Eu acho que vai abraçar todas as áreas e melhorar a eficiência em algumas, sobretudo, pelo menos é a nossa esperança, diminuir a burocracia  e a dificuldade que existe hoje em dia de exercer medicina. Acho que podemos ter ganhos muito grandes.

O uso da IA vai fazer com que os doentes e os hospitais poupem financeiramente?

Francisca Leite: Sim, aumenta a eficiência. Já há variados estudos e artigos sobre os termos de poupança que poderão existir com o uso desta tecnologia.

Nuno André da Silva: Aqui temos a componente da prevenção, se conseguimos prever o que vai acontecer, conseguimos atuar mais cedo, ao atuar mais cedo conseguimos não ter um impacto não tão negativo na saúde.