Bernardo Marques dos Santos é Principal na Qualitas Funds, empresa de private equity espanhola, e é o responsável pelo crescimento no mercado português. É um dos poucos portugueses a trabalhar no mercado de private equity internacional. Veio da Bain & Company em 2020, juntamente com João Pita Rua, atual diretor de investimentos da Qualitas.
A Qualitas Funds nasceu em 2017 e neste momento tem 1,1 mil milhões de euros sob gestão. Atualmente tem seis fundos de fundos e vão lançar o sétimo este ano. Tem mais dois fundos de coinvestimento e um fundo de dívida.
Está sediada em Madrid e é especializada no segmento lower mid-market europeu e norte-americano (tipicamente respeita a empresas avaliadas entre 10 milhões e 100 milhões de dólares, entre 9,5 e 95 milhões de euros). Tem uma base de 1.300 investidores institucionais, particulares com elevado património e family offices. Os seus concorrentes são, por exemplo, a Altamar Capital e a Arcano.
“Um terço dos nossos investidores são institucionais, como grandes fundos de pensões, associações mutualistas, seguradoras; outro terço são os principais family offices de Espanha com elevada capacidade financeira; e outro terço são investidores de retalho que nos chegam através do private banking”, explica Bernardo Marques dos Santos ao Jornal Económico (JE).
Em 2024 a Qualitas Funds foi comprada pela norte-americana P10, de Dallas, no Texas, uma empresa de private equity orientada para nichos de mercado, num negócio de 63 milhões de dólares.
Os fundos da Qualitas levantam dinheiro na Península Ibérica e investem em fundos de private equity e empresas nos Estados Unidos e da Europa. Investem em pequenas e médias empresas (PME) desses mercados em parceria com as principais gestoras de private equity europeias e norte-americanas. Os fundos da Qualitas “são ideais para os clientes affluent e de private banking, porque são clientes que podem investir connosco tickets que vão desde 100 mil euros até dois, três milhões de euros”, detalha Bernardo Marques dos Santos, que explica que as pessoas investem nos tickets de 100 mil euros, mas ao longo de três ou quatro anos. “Também temos tickets que vão até 15 milhões, mas para os grandes investidores institucionais”, acrescenta.
Democratizar o private equity
No futuro, o objetivo é disponibilizar soluções com valores de entrada mais baixos. “Vamos considerar acompanhar a tendência da Europa, de democratizar o investimento em fundos de private equity, com tickets a começar em 10 mil euros”, adianta o gestor. “A grande tendência que se vê no mercado do private equity é essa democratização, ou seja, deixar que o private equity só seja acessível a instituições grandes ou family offices com elevada capacidade de investimento”, acrescenta. A tendência emergente para a democratização do private equity e dos investimentos alternativos visa alargar o acesso ao mercado para além dos grandes parceiros limitados (LP) institucionais, tornando-o acessível a pequenas entidades e particulares que entram no mercado pela primeira vez.
Os fundos de fundos da Qualitas dão rentabilidades líquidas em torno de 15% ao ano, o que implica retornos de base superiores. “Os nossos fundos têm de gerar uma rentabilidade de pelo menos 20%”, diz.
Sendo fundos de private equity a liquidez não é um dos seus fortes, ou seja, não apresentam liquidez diária. “Se um investidor quiser resgatar o capital tem de ser através de uma venda secundária, demora para aí duas semanas”. explica.
Como é que funciona? O fundo, ao longo de três a quatro anos faz chamadas de capital e com esse dinheiro vai comprando empresas. “Nós investimos em fundos de private equity e em empresas, sendo que 70% do nosso capital é investido em fundos e os outros 30% é investido diretamente em empresas em coinvestimento”, detalha.
“Este fundo que vamos fechar no final de março (Qualitas Funds VI), terá um capital de 250 milhões de euros (o limite) e depois, no dia a seguir lançamos o fundo Qualitas Funds VII de 300 milhões de euros de cap”, refere Bernardo Marques dos Santos. “O nosso objetivo é criar um produto que seja altamente diversificado e que permita um primeiro approach ao private equity. Aqui um investidor, em vez de estar a investir num só fundo de private equity, onde há mais risco concentrado, investe num portefólio de fundos de private equity e de empresas”.
Explica que o que fazem “é criar um portefólio de 200 empresas (rentáveis e consolidadas), fruto de termos investido antes em 15 fundos de private equity (especializados em investimentos em PME da Europa, mas também dos EUA)”.
“O nosso objetivo base é criar um portefólio de investimentos altamente diversificado que seja a melhor representação possível da economia europeia e americana. Na Europa temos investimentos em Itália, França, Reino Unido, Benelux, região DACH (Alemanha, Áustria e Suíça) e países nórdicos”, disse. “Através dos nossos fundos, damos acesso a investidores em Portugal e Espanha a fundos inacessíveis”, explica.
A Qualitas é um dos principais investidores da holandesa Vortex, cujo ticket mínimo para entrar é de 10 milhões de euros. É um fundo especializado de 140 milhões e tem um histórico de retornos, a cada quatro anos, de multiplicar por seis o investimento.
O fundo Vortex Capital tem dois fatores diferenciadores, diz. “Um é que está focado em dois setores que consideramos altamente atrativos (software e business services) e o outro fator é que é um fundo de ‘buy and build strategy’, ou seja, que compra várias empresas de um setor e consolida, o que é uma estratégica que funciona bem porque é completamente descorrelacionada com o mercado, gera valor com as sinergias”, explica.
Questionado sobre qual a maturidade dos fundos, disse que têm uma duração de 12 anos. Há o período de investimento de três anos do dinheiro entretanto levantado. “Os investidores assumem um compromisso de investimento e depois vamos fazendo chamadas de capital à medida que vamos fazendo os investimentos”, explica. O dinheiro que o investidor investiu no primeiro ano “é expectável que o receba em dobro ao fim de quatro a cinco anos. O dinheiro investido no ano dois é esperado que se distribua ao fim de quatro a cinco anos em dobro. O dinheiro investido no ano três é esperado que seja distribuído em dobro ao fim de quatro a cinco anos”, detalha.
O gestor diz ainda que as empresas do portefólio são para serem vendidas. Ao longo do tempo investem numa empresa, melhoram-na e depois vendem-na e distribuem imediatamente dinheiro aos investidores. Se venderem no primeiro ano distribuem o dinheiro logo nesse ano. “Há umas empresas do portefólio de 200 que se vendem mais depressa e outras que demoram a vender e que na gíria do mercado se chama ‘cauda de empresas’ que ficam até ao fim do fundo, que só fecha ao fim de 12 anos. Mas nessa altura já estão os retornos todos distribuídos”, diz.
“Estamos a vender empresas a um ritmo muito significativo”, revela acrescentando que o perfil de risco de um fundo de fundos é bastante atrativo. “Nunca houve um fundo de fundos, em 40 anos de história do private equity, a perder dinheiro”, refere.
O private equity em Portugal está numa fase inicial, tanto no que diz respeito à angariação de fundos como aos investimentos. O setor representa menos de 0,1% do PIB nacional, ficando atrás de regiões europeias mais maduras, como Espanha (0,4%) e o Reino Unido (1,8%). Isso explica que os fundos de private equity da Qualitas tenham investidores em Portugal e em Espanha, mas não invistam na Península Ibérica o capital que levantam cá. O gestor explica que “o mercado de private equity na Península Ibérica não é propriamente atrativo, é de longe a pior região em termos de retornos do investimento, que têm sido significativamente mais baixos do que noutras regiões. No resto da Europa os retornos históricos oscilam entre os 15% e os 18% e na Península Ibérica estamos a falar de retornos mais próximos de 10%”. A explicação para essa discrepância reside em questões culturais. “Em Portugal as empresas não gostam de vender participações aos fundos de private equity”, diz. “Em Portugal vender uma empresa, ou deixar entrar um fundo no capital é visto como um falhanço e um sinal de que o empresário está em dificuldades, enquanto, por exemplo, na Holanda, vender a um fundo de private equity ou deixar entrá-lo no capital é visto como um sucesso, é um motivo de orgulho para um empresário ver um fundo de private equity interessado na sua empresa”, diz.
Há ainda outros motivos que explicam o baixo peso do private equity em Portugal, “nomeadamente questões económicas pois é uma economia altamente dependente do Turismo e da Construção, e por isso o tecido empresarial é mais volátil”. “Os family offices em Portugal estão numa fase de evolução anterior aos espanhóis, ou seja, ainda estão na fase em que as famílias preferem fazer investimentos diretos em empresas e gostam de assumir o risco de entrar em startups”. Em Espanha já há maior sofisticação, pois os family offices já não tomam participações ativas em empresas, mas antes gerem o património investindo 20% a 30% em private equity; 20% a 30% em real estate; e 20% a 30% em ativos públicos e criam um portefólio rentável para as próximas gerações”, revela.