Os administradores financeiros das empresas portuguesas "tendem a agarrar um papel mais abrangente do que a média dos CFOs [chief financial officer] na Europa", observa Nelson Fontainhas, partner da Deloitte, numa entrevista ao Jornal Económico (JE) em que aborda a "normalização da incerteza" no meio.
"O CFO em Portugal, muitas vezes, é um super CEO. É o braço direito do CEO para refletir sobre a estratégia, para fazer a transformação digital da empresa ou analisar os riscos dos planos de negócio. Tem um papel um pouco mais estratégico, por um lado, e mais abrangente, por outro, porque falamos de empresas, em média, de menor dimensão do que a média dos países do centro e norte da Europa", analisou o responsável pelo CFO Program da Deloitte Portugal.
A transformação digital surge, neste contexto, como uma das afirmações da abrangência do cargo em Portugal. Enquanto "a prioridade número um dos CFOs na Europa é a redução de custo, em Portugal, é a transformação digital".
Para Nelson Fontainhas, o espetro de atuação dos CFOs em Portugal, que responde a preocupações diferentes, pode traduzir-se em ganhos para a empresa. "Há tendência para olhar para a dinâmica organizacional das empresas como aqueles que aceleram, os que travam, que é expansionista, que é defensivo. Termos pessoas que conseguem entrar nos dois mundos é extremamente benéfico. E até para ter alguma estabilidade naquilo que são as decisões da empresa", defendeu.
Mas o que distancia os CFOs portugueses vai mais além da abrangência de responsabilidades, como mostra o mais recente 'CFO Survey' da consultora, cuja 19.ª edição, recentemente publicada, aponta para um crescimento do otimismo dos CFOs em Portugal quanto às perspetivas de futuro das suas empresas. Segundo Nelson Fontainhas, o sentimento dos CFOs em Portugal "varia numa amplitude sempre maior".
"É muito óbvio em quase todos os surveys que há uma maior sensibilidade dos CFOs portugueses a oscilações. Ou estão extremamente otimistas ou pessimistas, ou eufóricos ou deprimidos; nunca estão mais ou menos", observa.
E como se explica este traço? "A minha primeira hipótese passou a ser: é uma questão cultural e uma questão de atitude perante a pergunta".
Questionado sobre o papel dos CFOs em contextos de crise, defendendo que a "incerteza é o novo normal", Nelson Fontainhas entende que o papel reforçado durante a pandemia é o caminho.
"Quando há um evento extremo, o CFO toma preponderância e traz a racionalidade. Teve um papel fundamental em épocas de crise. Ainda recuperando do que aconteceu com a Covid, mantém esse papel preponderante. Não deveria diminuir só porque um dia as coisas vão estar bem. Até porque, como temos visto, a incerteza é o novo normal. Cada vez que fazemos este survey, vemos que a incerteza é alta", analisou.
Para Nelson Fontainhas, a missão dos CFO "nota-se mais em alturas de crise, mas é tão ou mais relevante em alturas de estabilidade".
De acordo com o documento semestral da Deloitte, nos últimos cinco anos, o papel dos administradores financeiros tornou-se mais forte. Segundo quase dois terços dos CFOs em Portugal, as suas responsabilidades na empresas cresceram nas áreas da gestão de risco (62%), transformação digital (58%), ESG (54%) e governança de dados (50%), com quase três em cada quatro administradores financeiros em Portugal (70%) a dar nota de que viram a sua influência subir no conselho de administração.
Olhando para a melhoria das perspectivas do CFOs em Portugal face ao relatório do outono de 2023, Nelson Fontainhas justifica-a com a "recuperação económica, principalmente das economias europeias, no final do ano passado e no início deste ano, com um certo aliviar das tensões, com a inflação a reduzir um pouco, e sinais dos bancos centrais relativamente a algum alívio".
O partner da Deloitte aponta uma normalização da incerteza após eventos geopolíticos, nomeadamente desde a invasão da Ucrânia pela Rússia. "Embora haja um conjunto de riscos muito significativos, as empresas têm de avançar. No pós eventos relevantes, normalmente há algum normalizar da incerteza passado algum tempo naquilo que é a perspetiva dos CFO", explicou, juntando sempre à equação a recuperação económica de algumas economias na Europa e o aliviar da tensão, inflação e taxa de juro.
Quanto às empresas em Portugal, baseando-se no acompanhamento que tem feito do sentimento dos CFOs portugueses, Nelson Fontainhas nota que, hoje, as mesmas "estão razoavelmente mais bem preparadas do que estavam no passado para lidar com esta incerteza e terem confiança nos seus planos de negócio", nomeadamente "do ponto de vista dos seus balanços, que foram limpando depois da crise financeira".
"O perfil empresarial e dos respetivos balanços entre o que tínhamos nessa altura e temos agora é bastante diferente. Vê-se, também, pela resistência" após a Covid-19 e perante as incertezas geopolíticas. E o talento tem a sua quota-parte. "Acho que estão mais bem preparadas do ponto de vista dos seus recursos, mais apetrechadas de talento para gerir tudo", continuou.
Otimismo cresce entre os CFOs em Portugal
Os administradores financeiros das empresas em Portugal mostram-se mais otimistas quanto às perspetivas financeiras do que no final do ano passado, mantendo-se cautelosos, de acordo com a mais recente edição do 'CFO Survey' semestral da Deloitte.
De acordo com o documentos, 45% dos CFOs inquiridos estão "mais otimistas", enquanto 16% reconhece o contrário.
Numa clara recuperação do sentimento dos CFOs em Portugal, o saldo líquido da confiança das empresas cresceu para 29%. Na edição anterior, o relatório tinha reportado um saldo líquido negativo de 9%.
Segundo a Deloitte, os números da recente edição apontam para um sentimento mais positivo dos CFOs, que permanecem, contudo, "cautelosos, vigilantes, resilientes e proativos diante de um cenário de incerteza".
A edição da primavera deste ano do 'CFO Survey' baseou-se em dados recolhidos entre março e abril através de um inquérito online. O universo de inqueridos abrange 1.333 CFO de vários sectores e de 13 países da Europa - Portugal, Áustria, Dinamarca, Alemanha, Islândia, Irlanda, Itália, Países Baixos, Noruega, Espanha, Suécia, Suíça e Reino Unido.