O novo ano parlamentar vai testar a resistência do Governo Regional da Madeira, presidido por Miguel Albuquerque. Isto porque o Chega ameaça dar entrada no parlamento a uma moção de censura, devido à gestão que o executivo regional fez do incêndio que deflagrou no arquipélago a 14 de agosto. Se o Chega tiver o apoio de PS e Juntos Pelo Povo (JPP), o Governo de Albuquerque cairá na Assembleia Legislativa. Contudo, PS e JPP não esclarecem se apoiariam a iniciativa do Chega.
O Chega, que é liderado na Madeira por Miguel Castro, defendeu a demissão do secretário da Saúde e Proteção Civil, Pedro Ramos, e do presidente do Instituto das Florestas e Conservação da Natureza (IFCN), Manuel Filipe, devido ao que considera ter sido uma "gestão ineficaz" do incêndio que começou a deflagrar na Região Autónoma da Madeira a 14 de agosto.
Se tal não vier a acontecer, a força partidária disse que ponderaria apresentar uma moção de censura na Assembleia Legislativa da Madeira. Contudo existe uma condição. A moção teria que ser votada favoravelmente pela oposição.
Pelas palavras do presidente do Governo Regional da Madeira, Miguel Albuquerque, está preenchida uma das condições para que o seu executivo enfrente uma moção de censura aquando da retoma dos trabalhos parlamentares, em setembro.
Isto porque, no passado fim-de-semana, Albuquerque, quando questionado pela comunicação social sobre se demitiria o secretário regional da Saúde e Proteção Civil, respondeu: "[Demitir] Pedro Ramos? Era o que faltava".
Chega precisa de apoio do PS e JPP
Mas para o Chega levar a sua avante ainda precisa de algumas peças no puzzle. As da oposição. Nesta altura não é claro se o Chega, avançando com a moção de censura, teria os apoios suficientes para a viabilizar, e com isso derrubar o Governo Regional.
Nesse particular, o Chega precisaria dos votos favoráveis de PS e JPP para que a moção de censura fosse aprovada pela Assembleia Legislativa da Madeira, o que provocaria a queda do Governo Regional.
Da parte do JPP, o apoio ao Chega não é evidente.
O secretário-geral do JPP, Élvio Sousa, diz ao Económico Madeira, relativamente à moção de censura, que a força partidária tem por hábito "não emitir juízos de valor" no calor dos acontecimentos, sublinhando que o partido está concentrado, nesta altura, em preparar a audição com caráter de urgência para ouvir no parlamento Miguel Albuquerque e o secretário regional da Saúde e Proteção Civil, Pedro Ramos.
Élvio Sousa considera também que as palavras do Chega "já não podem ser levadas a sério", tal como as de Miguel Albuquerque. "Bastou ver o que disseram antes das últimas eleições regionais, depois das eleições e até à data. Estiveram do lado do PSD e CDS-PP no Programa de Governo e Orçamento, apesar de terem dito o oposto", afirmou o secretário-geral do JPP.
Refira-se que o Chega mostrou claramente que não apoiaria um executivo liderado por Miguel Albuquerque, ao afirmar que com Albuquerque "não". Isto porque Albuquerque é arguido no processo judicial que provocou buscas, em vários pontos do país, Madeira incluída, a 24 de janeiro. Isto levou a que Albuquerque apresentasse a sua demissão, e provocou também a queda de Pedro Calado da presidência da Câmara Municipal do Funchal.
Depois disto, vieram eleições antecipadas, em maio, que deram vitória ao PSD sem maioria absoluta. Os sociais democratas governam a Região Autónoma com um governo minoritário, que conta com o apoio parlamentar do CDS-PP.
Apesar do "não" do Chega a Albuquerque, na votação do Programa de Governo três deputados a se absterem e uma deputada votou contra, sendo que no final o programa acabou por ser aprovado. No orçamento, o Chega absteve-se com os seus três deputados. Um deles não esteve presente na votação, devido a motivos de saúde.
Até à publicação deste artigo, o Económico Madeira acabou por não obter a posição do PS sobre a moção de censura que poderá ser apresentada pelo Chega, relativamente à gestão do incêndio que deflagrou na Região Autónoma.
Contudo, o presidente do PS Madeira, Paulo Cafôfo, já tinha salientado a importância da prevenção no combate aos incêndios, ao mesmo tempo que deixou reparos à gestão que foi feita pelo executivo regional para combater o fogo.
"A Madeira tem ao longo destes anos tido episódios de incêndio porque, em termos de ordenamento de território, minimização dos riscos, da defesa da floresta não tem sido feito o que devia ter sido feito", referiu o dirigente socialista.
Cafôfo acrescentou que "são necessários e úteis" mais meios aéreos, principalmente durante a época crítica, para os fogos florestais, ao contrário do que, "durante anos e anos, o governo PSD disse, que não eram viáveis".
O socialista considerou que a "responsabilidade primeira" é do Governo Regional, mas salientou que "seria essencial que, na questão da ajuda e meios em permanência, devia haver uma cooperação por parte" do Governo da República.
Cafôfo abordou também a atuação do Governo Regional na gestão do incêndio. "A nossa posição foi inicialmente crítica porque tínhamos um incêndio ativo e um Governo adormecido", e acrescentou que no seu devido tempo a força partidária irá, no seu "escrutínio e responsabilidade, fazer com que haja responsáveis do que não foi feito em termos de prevenção e ao que foi mal feito em termos de combate a incêndios".
A Iniciativa Liberal deixou também críticas à atuação do executivo madeirense na gestão do incêndio.
“A demissão de Pedro Ramos, é inevitável, quer do ponto vista ético, quer do ponto de vista da responsabilidade política. Consideramos fundamental que a atuação de todos os intervenientes seja objeto de uma investigação célere, independente e rigorosa, que permita apurar as responsabilidades do Governo Regional como um todo, e, sendo o caso, fundamentar a apresentação de uma moção de censura”, disse a força partidária.
Se o Governo de Albuquerque não enfrentar uma moção de censura, o executivo não se vai livrar do escrutínio do parlamento. Isto porque a Comissão Permanente de Saúde e Proteção Civil, presidida pela deputada do JPP, Lina Pereira, aprovou a audição de Albuquerque e de Pedro Ramos, relativamente à atuação no incêndio que deflagrou na Região Autónoma a 14 de agosto.
A audição dos dois governantes foi aprovada com os votos favoráveis de dois deputados do JPP, de dois deputados do PS, de um deputado do CDS-PP e de quatro abstenções dos deputados do PSD.
Incêndio afectou mais de quatro mil hectares
O incêndio começou a deflagrar na Madeira a 14 de agosto e acabou por ser controlado dez dias depois.
Até 19 de agosto, afetou uma área superior a sete mil hectares, tendo em conta os dados do Sistema Europeu de Informação sobre Incêndios Florestais (EFFIS). Nesse espaço de tempo, foi afetada quase tanta área como a registada entre janeiro e 15 de agosto no território continental (7.949 hectares). Em relação ao maior incêndio registado no Continente, numa área de 2.182 hectares, o da Região Autónoma já era três vezes superior.
O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), num relatório referente ao período compreendido entre 1 de janeiro e 15 de agosto, registava 3.485 incêndios, que resultaram numa área ardida de 7.949 hectares, sendo que 2.723 eram referentes a povoamentos, 3.788 a matos e 1.438 a agricultura.
Contudo, estes números de área afetada acabaram por ser corrigido em baixa.
O último dado conhecido, também do EFFIS, referente a 21 de agosto, foi de uma área afetada pelo incêndio superior a de 4.937,6 hectares.
O presidente do Serviço Regional de Proteção Civil (SRPC), António Nunes, questionado sobre o desfasamento de números relativamente à área fustigada pelo fogo, respondeu à Lusa, que a "confusão deriva de uma avaliação feita pelos limites externos da área ardida".
Com o número corrigido, em baixa, o incêndio da Madeira já tinha afetado, até 21 de agosto, mais do dobro da área do que o maior incêndio em território continental.