Alargar a duração máxima dos contratos a termo de dois para três anos, como propõe o Governo no anteprojeto para a reforma laboral, é uma medida que vai em sentido "contrário" ao objetivo de terminar com o "flagelo" do fosso existente entre as gerações mais velhas e as mais novas em matéria de direitos laborais, defende o economista António Nogueira Leite.
De um modo geral, o economista aplaude a "tentativa de adaptar o Código do Trabalho a uma economia que, para sobreviver e crescer, tem de ser mais flexível", num contexto em que, por um lado, há novas modalidades de trabalho, e por outro, é oportuno legislar no sentido de "acabar com o flagelo que prevalece em Portugal da grande diferença de direitos entre as gerações mais velhas e as mais novas".
Estender o limite dos contratos a prazo, na opinião do economista, "vai um bocadinho ao contrário daquilo que seria o objetivo". "Há aqui, do meu ponto de vista, alguma contradição", aponta ao JE Nogueira Leite.
O professor da Nova SBE recorda que Portugal tem "um número excessivo de pessoas de gerações mais novas com vínculos laborais precários" – o que, em larga medida, é o resultado de uma lei que é "demasiadamente garantista".
"O que fazia sentido era ter direitos tão extensos quanto possíveis e acabar numa situação que conferisse mais direitos às gerações mais novas, enquanto as gerações mais velhas teriam de se adaptar a um mundo que, em 2025, já não é o mesmo, nem sequer parecido ao da década de 80. O mundo mudou e as relações laborais mudaram imenso", afirma.
Notando que o país sempre "privilegiou o status quo face aos novos entrantes", o antigo governante considera que se "deveria fazer um esforço grande no sentido de não penalizar tanto as gerações mais novas, criando flexibilidade suficiente para que vínculos normais fossem atribuídos a pessoas com regulações normais com as empresas, em vez de [termos] uma situação, ainda que com limites, de regulações precárias".
"Devíamos chamar permanentes àquelas relações que são efetivamente permanentes, e temporárias àquelas que, pela sua natureza e pela vontade das partes, são temporárias. E não usar uma relação temporária que se vai perpetuando e mudando, sem nunca chegar a uma relação permanente, com todas as limitações que isso traz para o trabalhador", acrescenta.
Quanto aos critérios que justificam a celebração de um contrato a prazo, que, segundo a proposta do Governo, voltam a abranger aqueles que nunca tiveram uma relação contratual permanente (portanto, os jovens), o economista diz que comprovar se o trabalhador está apto para a função poderia ser resolvido com o período experimental.
"Não vejo isso como razão para ter um contrato a prazo anterior a um contrato sem termo", defende. Além disso, acrescenta, "esta nova legislação facilita a remoção dos postos de trabalho quando não há enquadramento entre aquilo que se espera e aquilo que acontece". Nesse contexto, "não faz sentido nenhum obrigar as pessoas que entram a ter um contrato temporário. Para isso, há períodos experimentais".
Quanto ao restante, Nogueira Leite considera positivas todas as medidas da reforma laboral que permitam "maior flexibilidade entre empregador e empregado" e que, no fundo, resultem "em melhoria para ambos". É o caso do banco de horas individual, medida revogada em 2019, mas que poderá regressar se a proposta do Governo for aprovada.
"Foi algo que funcionou e acho bem que se volte. Não deve ser o Estado a impor às partes que negoceiem situações que não sejam melhores para ambas. Um trabalhador pode preferir usar o banco de horas, em linha com aquilo que são as regras definidas na empresa onde está", assinala o economista.
A proposta do executivo prevê que o banco de horas individual possa ser instituído, por acordo entre o empregador e o trabalhador, prevendo que o período normal de trabalho possa ser aumentado até duas horas diárias, atingindo as 50 horas semanais, com um limite de 150 horas por ano e um período de referência que não pode exceder os quatro meses.
Quanto à facilitação dos despedimentos por justa causa, outra das propostas do anteprojeto, Nogueira Leite também analisa que a medida terá como efeito a redução dos despedimentos coletivos.
"O que acontece muitas vezes é que se deixa a situação degradar ao ponto de não se fazer mais nada a não ser avançar para um despedimento coletivo, seja porque se fechou a unidade, seja porque os serviços vão ser passados para outro departamento", afirma, não se opondo, por isso, à medida. E justifica: "Prefiro empresas saudáveis, que paguem o salário a tempo e horas, e permitam carreiras aos trabalhadores, do que ter empresas que estão sempre com más dificuldades na gestão", pondo em causa salários e carreiras.
Até agora, apenas as empresas com menos de dez trabalhadores (microempresas) podiam despedir por justa causa através de um regime simplificado que dispensa o patrão de fazer prova das imputações feitas contra o trabalhador. A ideia do Governo passa por estender essa simplificação às pequenas e médias empresas.
Não discordando da medida, Nogueira Leite também avisa que esta só é bem-vinda com "bom senso", valor que, segundo tem experienciado, escasseia tanto do lado dos patrões como do lado dos trabalhadores.
Relativamente ao teletrabalho, onde o Governo dá mais poder às empresas para não aceitarem a proposta do trabalhador, e ressalvando que varia de profissão para profissão e de empresa para empresa, Nogueira Leite concorda, entendendo que "não pode ser considerado um direito inalienável não pôr os pés na empresa".
"As empresas podem querer os trabalhadores presencialmente, não por presenteísmo, mas porque há problemas que se resolvem melhor quando as pessoas estão presentes", argumenta. Do mesmo modo, e numa lógica de flexibilidade e de acompanhamento da evolução da economia, "se for razoável que a pessoa passe parte do tempo em teletrabalho, não faz sentido que a empresa o obrigue a estar lá".
Outro aspeto que o economista vê como positivo no anteprojeto "Trabalho XXI" prende-se com o direito à greve e o direito dos cidadãos a usar os serviços públicos, que Luís Montenegro garantiu querer conciliar melhor.
No documento entregue aos parceiros sociais, o executivo quer integrar as creches e os lares nos serviços mínimos em caso de greve, assim como os setores do abastecimento alimentar e os serviços de segurança privada de bens ou equipamentos essenciais.
De acordo com a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Rosário Palma Ramalho, a ideia é "ser um bocadinho mais exigente quanto à definição dos serviços mínimos, mas sem riscar o direito à greve", tornando-o "apenas compatível com outros direitos fundamentais", nomeadamente o direito à saúde, ao trabalho ou "a circular".
Na visão de Nogueira Leite, que foi Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças (1999-2000), deve haver um "regime que permita que não sejam, como acontece na prática, as pessoas mais desfavorecidas a pagarem o ónus das lutas laborais em setores críticos". Considera, por isso, que "a ampliação dos serviços mínimos obrigatórios e o reforço dos procedimentos de arbitragem para tentar evitar greves permanentes" são os caminhos a seguir.
"Sabemos, por exemplo, que as greves nos setores dos transportes à volta de Lisboa são muito mais permanentes do que em qualquer outro setor (...) Tem a ver com a realidade política e sindical dessas empresas. O problema é que, muitas delas acabam por pôr ónus no cidadão que tem menos capacidades de encontrar alternativas quando o serviço não é prestado", sublinha, acentuando que a solução não passará por proibir greves, como alguns países fazem, "mas convinha que tudo isto ficasse regulamentado de forma a que os utentes de baixo rendimento não fossem tanto moeda de troca para a negociação entre as partes".