A alteração à fórmula de cálculo do apoio extraordinário às rendas deverá ser votada no Parlamento esta quinta-feira. Sobre o despacho que mudou as regras do subsídio o presidente do PSD diz em declarações ao Jornal Económico que corresponde a uma “brutal e ilegal cativação de financiamento de muitos milhares de portugueses”.
Luís Montenegro renova ainda o apelo público ao Presidente da República para que vete essa intenção do Governo, cujas instruções ao fisco levaram já a reduzir o universo de beneficiários e dos montantes deste apoio até 200 euros que foi criado para mitigar o impacto da subida de preços e da habitação no rendimento das famílias.
“O PSD está contra este ’golpe de secretaria’ em que o Governo quer restringir a aplicação do subsídio de renda. O despacho que visa alterar o alcance da lei, restringindo o seu âmbito de aplicação, corresponde a uma brutal e ilegal cativação de financiamento de muitos milhares de portugueses”, afirmou o líder social-democrata ao Jornal Económico, realçando que “mais uma vez o Governo quis vender ‘gato por lebre’ e não só pretende defraudar e desapoiar milhares de portugueses como reincide enquanto entidade não confiável”.
O presidente do PSD frisa ainda que “é inadmissível mudar os requisitos da lei por despacho, como fez o Ministério das Finanças”, acrescentando que “se o Governo tomar alguma iniciativa legislativa para regularizar a sua vontade, já apelamos ao Senhor Presidente da República para a vetar”.
A medida está incluída no pacote Mais Habitação que poderá ver nesta quinta-feira votado no Parlamento um conjunto de propostas de alteração, incluindo uma norma de alteração proposta pelo PS para o acesso ao apoio à renda. Até a meio da tarde desta terça-feira, 27 de junho, Montenegro garante, porém, que não tinha dada entrada na Assembleia da República nenhuma proposta de alteração nesse sentido.
“Até ao momento, ainda não foi conhecida qualquer iniciativa do Governo ou do PS. Aliás, o prazo de apresentação de propostas já acabou”. E atira: “Esperemos que o PS não ceda à tentação de resolver um atropelo das regras com um novo atropelo das regras”.
Em causa está, segundo as Finanças já sinalizaram, a clarificação do seu entendimento através de uma proposta de alteração do decreto-lei que fixou inicialmente as regras do apoio às rendas com base no rendimento coletável. Mas, através de um despacho interno, foram dadas instruções ao fisco para que os cálculos deste apoio fossem feitos com base no rendimento bruto, que passa a incluir rendimentos com tributação autónoma e deixa de fora os abatimentos legais à coleta. Ou seja, ao incluir mais rendimentos na base de cálculo, o rendimento médio mensal apurado de cada inquilino – que resulta da divisão do rendimento total por 14 meses - aumenta e diminui a taxa de esforço.
Em resultado muitas famílias acabaram por ficar excluídas deste apoio, acabando muitas outras por receber um montante inferior ao que estavam à espera. Tudo para o Executivo evitar um rombo de mil milhões de euros nos cofres do Estado, pois o custo estimado inicialmente com a medida era de 240 milhões de euros.
Os partidos da oposição já defenderam que estão contra a fixação da interpretação das Finanças de que a elegibilidade para o apoio deve ser calculada com base no rendimento bruto e não na matéria coletável, conforme o previsto no diploma inicial.
Apoio envolto em dúvidas e polémicas
As mais de 185 mil famílias portuguesas que têm direito ao apoio extraordinário à renda já começaram a recebê-lo, mas esta medida continua envolta em dúvidas e polémica. Em causa está um subsídio anunciado no âmbito do programa Mais Habitação e que foi fixado no decreto-lei publicado a 22 de março: destina-se aos arrendatários com taxas de esforço superiores a 35%, com rendimentos até ao limite máximo do sexto escalão do IRS (rendimentos coletáveis anuais até 38.632 euros) e com contratos celebrados até 15 de março de 2023, registados na Autoridade Tributária e Aduaneira (AT). Este apoio à renda tem um prazo de cinco anos com um valor que flutua entre 20 e 200 euros e é atribuído oficiosamente (não é preciso preencher qualquer formulário de requerimento), sendo pago pela Segurança Social.
Mas apesar de no decreto-lei publicado em março ter estabelecido que seria o rendimento coletável das famílias a servir de base de cálculo deste subsídio, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Nuno Félix, acabou por no emitir um despacho interno, datado de 31 de maio, dando indicações ao Fisco que os cálculos deveriam ser feitos com base no rendimento bruto.
Perante alertas da ilegalidade da medida, dado que um despacho não pode alterar um decreto-lei, os partidos da oposição pediram na semana passada que o ministro das Finanças e a ministra da Habitação prestassem esclarecimentos com urgência.
Fiscalistas e Deco criticam despacho
Fiscalistas como Luís Leon, da ILYA, e Jaime Esteves, da J+Legal, defendem que um despacho não pode alterar um decreto-lei. Logo, se o despacho vem dar uma orientação diferente do que a que consta da legislação em vigor é “grosseiramente ilegal”, sublinhou ao Jornal Económico Luís Leon. Perante este cenário, tanto a Deco Proteste como associações dos criticaram o despacho, conhecido na semana passada. Os inquilinos estão a aguardar a votação do PS no Parlamento à norma “ilegal” de alteração ao apoio extraordinário às rendas para avançar com protestos que podem passar por ações em tribunal, recorrer ao Presidente da República, ao Tribunal Constitucional ou ainda, por via dos partidos, avançar com queixa junto da Provedoria de Justiça.
Luís Leon diz que não tem dúvidas de que os cidadãos que recorram ao tribunal verão reconhecido o direito de ver o subsídio ajustado, já que, defende, o decreto-lei que foi aprovado em março não deixa margem para dúvidas: a base de cálculo deve ser o rendimento coletável e não o rendimento bruto. Mas a via da justiça para conseguir uma indemnização pelos danos causados pode ser mais onerosa para os particulares do que o valor a que teriam direito a recebe.
Provedora já recebeu cerca de 100 pedidos sobre apoio às rendas
As famílias portuguesas começaram a receber o apoio às rendas anunciado numa altura de crise no mercado da habitação, mas as dúvidas em torno desse subsídio persistem. Daí que a Provedora de Justiça já tenha recebido cerca de 100 pedidos em torno de questões e dúvidas relacionadas com o apoio às rendas. Na maioria das situações, Maria Lúcia Amaral procedeu ao reencaminhamento para os serviços da Autoridade Tributária (AT) e do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), conforme os casos.
Uma das dúvidas que têm sido levantadas diz respeito à informação bancária dos beneficiários: por não terem o IBAN atualizado, cerca de 20 mil pessoas não receberam ainda o apoio a que teriam direito. Outro ponto polémico que está a levar a pedidos de esclarecimentos junto da Provedora prende-se com a fórmula de cálculo do apoio que apesar de no decreto-lei publicado em março ter estabelecido que seria o rendimento coletável das famílias a servir de base de cálculo deste subsídio, o Governo emitiu um despacho interno que indica que o Fisco deve ser o que é, na prática, o rendimento bruto.
A Provedora de Justiça garantiu já ao JE que está a apreciar a questão do rendimento relevante.
A ministra da Habitação, Marina Gonçalves, recusou recentemente que o despacho que clarifica a forma de apuramento do apoio à renda seja um recuo face ao desenho inicial da medida, sublinhando que o universo abrangido até supera as previsões.
O Governo previa que a medida chegasse a 150 mil famílias e tivesse um custo anual da ordem dos 200 milhões de euros. As previsões foram ultrapassadas, tendo chegado a mais de 185 mil famílias. São 240 milhões de euros de despesa prevista com o subsídio, que, em média, é de 100 euros por mês, mas que para 32 mil famílias chega aos 200 euros.
O valor pago em maio e junho, com valores retroativos a janeiro, foi já pago tendo em conta as instruções do despacho do secretário de Estado.