Desde que “as tropas do Ruanda” estão no norte de Moçambique, na região de Cabo Delgado – com o suporte da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) – “tive informação que há uma normalização na região”, disse ao JE o Embaixador Francisco Seixas da Costa para comentar o regresso dos franceses da TotalEnergy à exploração do gás natural naquela geografia.
“Essa normalização faria com que os investidores voltassem, pelo que a decisão dos franceses está em perfeita sintonia com essas informações. Falta ainda os italianos da Eni, os primeiros a chegar”. Suficientemente calmo para todos regressarem? “Dizem-me fontes portuguesas em Moçambique que a situação está estabilizada".
Com a insurgência islâmica a tomar posições no norte de Moçambique – vinda da Tanzânia – tornou-se impossível às petrolíferas instaladas na região continuarem os seus trabalhos. Em 2021, a TotalEnergies invocou ‘force majeure’ para suspender as operações e fez depender o regresso da garantia de condições para trabalhar – garantia essa que teria de ser suportada por um relatório independente sobre as condições de segurança das populações locais, segundo avança a agência Lusa.
Aparentemente, essas garantias estão asseguradas e o regresso da TotalEnergy é disso prova. Um analista da consultora Rystad Energy, que segue os acontecimentos em Moçambique, disse à Lusa que a petrolífera TotalEnergies só deverá regressar a Moçambique no início de 2024, airando o reinício da produção de gás para 2028.
“As coisas podem complicar-se, já que os contratos podem precisar de ser renegociados e os novos acordos podem incluir o impacto da inflação, também, o que pode levar a atrasar o levantamento da ‘force majeure’ para o próximo ano; assim, estimamos que o projeto só comece em 2028”, disse Pranav Joshi.
A renegociação não vai deixar de passar por um aumento dos custos – não só devido à necessidade de renegociar os contratos, mas também devido a significativa subida da inflação a nível global.
“A TotalEnergies parece estar a trabalhar nos bastidores para garantir um levantamento suave da ‘force majeure’ e estavam a apontar para o final do ano, tendo publicado recentemente um relatório assinado pelo perito em direitos humanos Jean-Christophe Rufin, que apresentava muitas recomendações, incluindo a constituição de um orçamento socioeconómico multianual de 200 milhões de dólares”, acrescentou o analista.
“Globalmente os custos do gás natural liquefeito aumentaram 25%; no entanto, baseado no âmbito e no modelo de execução, o valor varia de projeto para projeto, tipicamente entre 15% a 30%", explicou ainda à Lusa o analista Audun Martinsen.
Moçambique tem três projetos de desenvolvimento aprovados para exploração das reservas de gás natural da bacia do Rovuma, classificadas entre as maiores do mundo, ao largo da costa de Cabo Delgado. Dois desses projetos têm maior dimensão e preveem canalizar o gás do fundo do mar para terra, arrefecendo-o numa fábrica para o exportar por via marítima em estado líquido. Um é liderado pela TotalEnergies (consórcio da Área 1); outro é o investimento ainda sem anúncio à vista liderado pela ExxonMobil e Eni (consórcio da Área 4); um terceiro projeto concluído e de menor dimensão pertence também ao consórcio da Área 4 e consiste numa plataforma flutuante de captação e processamento de gás diretamente no mar, que arrancou em novembro de 2022.
A ofensiva das tropas governamentais com o apoio do Ruanda – que chegou a ter 2.500 soldados ali instalados – SADC permitiu aumentar a segurança, recuperando várias zonas onde havia presença dos insurgentes.
Mas nem tudo são boas notícias: apesar de o papel dos militares ruandeses ser reconhecido não só por Moçambique, como também a nível internacional, com destaque para os Estados Unidos e a União Europeia, vão-se multiplicando os apelos para que Maputo seja mais transparente no processo.
Em entrevista ao site DW África, Luís Nhachote, diretor executivo do Centro de Jornalismo Investigativo de Moçambique, disse que “do ponto de vista da ajuda, o apoio do Ruanda é bem visto. Mas o apoio é estratégico, porque abarca a questão de segurança, especificamente para o corredor onde vai se produzir o gás - basicamente pelos distritos de Mocímboa da Praia e Palma, é onde esta força está estacionada e a operar”.
É neste quadro que “a questão da transparência é fundamental por causa do interesse público”. A mistura entre interesse público e o interesse privado das grandes operadoras petrolíferas europeias ficou ao rubro quando, no final do ano passado, ficou a saber-se que a União Europeia iria apoiar as tropas ruandesas com 20 milhões de euros. Nhachote, tal como muitos outros, questiona o sentido que isso faz: “porque é que este dinheiro não é destinado para Moçambique?”.