“Mude o empréstimo da casa sem pagar por isso”, “faça a transferência do ano” ou “venha ao Millennium e traga o seu crédito habitação consigo”. Os bancos estão a apostar em várias campanhas para captar clientes de outras instituições financeiras, numa altura em que os portugueses também estão mais predispostos a mudar e a procurar melhores condições, como acontece noutros serviços. A suspensão da comissão de amortização antecipada está a ajudar a combater a inércia das famílias com crédito à habitação, promovendo, afirma a Deco, uma maior mobilidade dos clientes bancários.
Enquanto nos serviços de energia os consumidores mudam facilmente de fornecedor, o mesmo não acontece nas telecomunicações, que obrigam sempre a um período de fidelização. Na banca, não existe este entrave, mas há um outro: os custos de se fazer uma transferência de crédito. Tanto a comissão de amortização antecipada do crédito antigo como as comissões associadas à contratação de um novo financiamento (abertura de processo, avaliação, entre outros).
“Existe alguma inércia das pessoas. Até gostariam de mudar mais vezes de banco, mas a verdade é que entendem que é difícil porque exige conhecerem muito bem o mercado, a terminologia, a informação prestada pelas instituições de crédito e nem sempre é fácil para o comum dos consumidores. E, sobretudo, porque há custos”, afirma Natália Nunes, coordenadora do gabinete de proteção financeira da Deco, ao Jornal Económico (JE).
Desde outubro de 2022 que os encargos deixaram de ser um obstáculo. O Governo de António Costa permitiu a suspensão temporária da comissão de amortização antecipada dos créditos à habitação a taxa variável, de 0,5% sobre o montante total em dívida, “para que não seja um entrave à renegociação do crédito ou à transferência de um banco para outro”, disse, à data, o então secretário de Estado do Tesouro, João Nuno Mendes. Isto num período marcado pela subida das taxas de juro, aumentando os encargos das famílias com a habitação, e inflação elevada.
“Esta medida veio trazer uma maior mobilidade dos clientes bancários”, afirma Natália Nunes, considerando que tem sido positiva para as famílias. O mais recente relatório anual sobre o acompanhamento da recomendação macroprudencial sobre novos créditos a consumidores do Banco de Portugal mostra isso mesmo. No documento, o regulador identifica a “existência em 2023 de um forte aumento do volume de transferências de crédito”, sem, no entanto, disponibilizar dados sobre estas operações.
Para a coordenadora do gabinete de proteção financeira da Deco, este apoio teve um duplo efeito. “Vimos muitas famílias a fazerem amortizações, ainda que fossem parciais, a mobilizar as suas poupanças para fazer amortização e, com isso, diminuir as prestações. Sentiram-se motivadas a fazê-lo pelo facto de não serem penalizadas com esta comissão”, refere.
“Também teve outro efeito positivo porque foi menos um encargo que as famílias tiveram de suportar por transferirem o crédito para outro banco”, diz a responsável da associação para a defesa do consumidor, num processo que acaba por ser complexo e com custos elevados. Mas isto só aconteceu “porque começou a haver alguma concorrência” entre as instituições financeiras que tentam captar os clientes de outros bancos, suportando as comissões associadas à transferência do empréstimo.
Esta aposta é feita numa altura em que se tem observado uma quebra na concessão de novo financiamento para a compra de casa. Os novos contratos de empréstimos à habitação diminuíram 47 milhões de euros em fevereiro, para 1.137 milhões de euros, de acordo com dados do Banco de Portugal.
Comissão de amortização deve acabar de vez
Além de defender que a suspensão da comissão de amortização antecipada devia ser uma medida definitiva e não temporária para promover maior mobilidade dos clientes bancários, Natália Nunes diz que ainda há outras medidas que podem ser adotadas para agilizar as transferências bancárias que obrigam a novas avaliações de solvabilidade dos clientes e ao imóvel e novas escrituras públicas.
“Tudo o que for para agilizar o processo, salvaguardando sempre os interesses das partes, diria que era positivo. Deve haver situações em que créditos que são relativamente recentes, em que a avaliação foi feita há pouco tempo. Possivelmente poderia haver um período durante o qual aquela avaliação se mantivesse válida. Isto tem de ser visto com alguma ponderação, algum critério”, conclui.
O fim da comissão de amortização antecipada nos créditos à habitação inclui-se num conjunto de 45 medidas que a Deco apresentou aos partidos que considera que devem ser seguidas nesta legislatura. “Se estamos a incentivar os consumidores para que haja uma maior preocupação em termos de poupança, não podemos permitir que estejam a pagar por poderem fazer essa poupança”, disse Paulo Fonseca ao JE, em março. O coordenador do departamento jurídico e económico da Deco notou ainda que acaba por ser também um “desincentivo à mobilidade dos consumidores quando querem transferir o seu crédito à habitação para outro banco que oferece melhores condições e têm de pagar esta comissão”.