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Ministro do Mar de Cabo Verde: "Recursos africanos têm de ser desenvolvidos em África"

"África é uma grande oportunidade para a Europa", disse Abraão Vicente em entrevista ao Jornal Económico. O ministro defendeu a importância da propriedade intelectual para África ter soberania: "sem propriedade intelectual não há economia".

"África pode ajudar" o mundo. Esta foi uma das mensagens chave do ministro do Mar de Cabo Verde em Lisboa. Abrãao Vicente considera que África é uma "grande oportunidade para a Europa" e a investigação oceânica pode ser crucial para criar novas patentes no continente.

O mundo digital, a par do desenvolvimento dos recursos, será crucial para "criar emprego, criar rendimentos e fazer prosperar o grande continente africano", afirmou no seu discurso na terça-feira.

Em Lisboa, o ministro, que também tem a tutela da Cultura e das Indústrias Criativas, anunciou que está a negociar um pacote de 240 milhões de euros financiados pelo Banco Europeu de Investimento (BEI) e 30 milhões pela Comissão Europeia para o alargamento, conversão e transformação do Porto Grande no Mindelo, e o seu terminal de cruzeiros num porto azul.

Abraão Vicente esteve presente na 6ª edição do EurAfrican Forum 2023, promovido pelo Conselho da Diáspora Portuguesa (CDP), com o tema de fundo: “Aliança UE-África: oportunidades de crescimento”, que decorreu em Carcavelos esta semana.

Licenciado em Sociologia, é pintor, escritor e fotógrafo autodidata, segundo o seu perfil oficial. Foi também apresentador de programas televisivos, e deputado pelo Movimento para a Democracia (MpD), de centro-direita.

Em entrevista ao Jornal Económico, o ministro, de 43 anos, revela as suas ambições para o país lusófono que devido a ser um país insular, uma nação-arquipélago com dez ilhas, está muito atento ao tema das alterações climáticas.

Qual a mensagem que veio transmitir em Lisboa?

África pode ajudar. Ao contrário do pressuposto de muitas conferências entre a Europa/China/EUA com África, penso que a África tem todas as condições para ajudar, por exemplo, a Europa a ultrapassar a crise demográfica, é um mercado de oportunidades; a crise energética, é um continente de recursos, só que para África ajudar terá de ter um suporte extra a nível institucional, consolidação institucional e ao nível de consolidação do sistema financeiro.

África não tem um problema, mas o mundo tem um problema se África não se organizar como um bloco de países para que os recursos africanos sejam desenvolvidos em África, partilhando o resultado com o resto do mundo.

Creio que as provas estão dadas: décadas após os movimentos independentistas, grande parte dos países africanos ainda não conseguiram alcançar patamares significativos de desenvolvimento.

Acrescentando a isso, África tem o desafio da transformação digital, da segurança digital, da segurança dos estados da digitalização, mas há obviamente uma grande oportunidade que a inteligência artificial de integrar os nossos sistemas de ensino, as nossas instituições financeiras, nas nossas instituições públicas sistemas de governança que rapidamente incorporem os procedimentos e os padrões internacionais.

O oceano é um dos principais recursos afetados pelas alterações climáticas...

Basicamente, venho dizer que África pode ajudar, mas ao mesmo tempo irei mostrar alguns casos da transição verde, do trabalho que estamos a fazer no centro oceanográfico do Mindelo para a pesquisa sob o impacto do oceano nas mudanças climáticas, um apelo às Nações Unidas e aos países para que, de facto, se consolide um oceano como um objeto de estudo, mas um apelo a políticas práticas de preservação.

É uma declaração muito clara: Cabo Verde pode ser o melhor aluno, Portugal pode ter as melhores práticas, mas se não forem práticas globais, de nada serve. O que acontece no Japão, Estados Unidos ou África do Sul, impacta os oceanos, onde quer que estivermos.

Estamos no momento em que está comprovado que o nível da temperatura dos oceanos subiu acima dos 2 graus, uma catástrofe mundial para os corais, espécies, algas, florestas marinhas.

Irei fazer um apelo à ação, para podermos colaborar, mas sempre dando a perspetiva de um novo líder africano.

O que pode ser feito na relação Europa-África?

A única forma de África ajudar é que a Europa reforce e amplie os níveis de financiamento de apoio institucional. Claramente há aqui alguns aspetos fundamentais: primeiro, desconstruir a ideia de risco e de transparência. África tem sido penalizada por um conjunto de práticas do passado sendo considerada uma região de alto risco. Isto desconstrói-se construindo instituições fortes que não são geridas diretamente por governos. Segundo, fazendo com que o comércio intra-continental seja de facto feito com algum nível securitário, mas que os governos africanos tenham alguma soberania sobre essa segurança. Da mesma forma, irei falar da importância da propriedade intelectual para que haja essa soberania, sem propriedade intelectual não há economia.

A investigação oceânica pode ser alvo da criação de novas patentes, e da nova propriedade intelectual. É um mundo muito complexo que ultrapassa a ideia de amigos ou de relações de afeto.

Enquanto africano e enquanto governante de um país africano, e enquanto um dos líderes da coligação dos pequenos estados insulares em desenvolvimento, vejo imensas oportunidades, mas vejo sobretudo a África como uma grande oportunidade para a Europa.

Muito mais do que o apoio que vemos nos textos de enquadramento desses eventos é fundamental perceber que África pode ajudar.

Como é que Portugal tem ajudado Cabo Verde?

Portugal tem ajudado, é o principal parceiro de desenvolvimento que Cabo Verde tem tido nos últimos anos. E acaba de dar um passo absolutamente extraordinário, a reconversão de parte da nossa dívida vai para um fundo climático, portanto, são países alinhados numa cooperação com ganhos para os dois. Portugal é um caso muito aparte, caso especial dentro da própria UE e é por isso que claramente aceitei este convite.

Como pequeno Estado insular e como um país obviamente que tem ambições muito grandes quanto a transição energética.

Falou de boas práticas, de governança. Cabo Verde é uma das democracias mais estáveis de África...

Do mundo, não só de África...

Que lições podem dar?

Não queremos dar lições, porque a prática mostra que cada país tem o seu contexto histórico, tem a sua dinâmica e percurso histórico. Cabo Verde apenas quer fazer parte do grupo de países que estão dispostos a criar cooperações que sejam win-win para todas as áreas. Como pequeno estado africano temos todo o interesse num dos maiores mercados de comércio do mundo que foi criado pela União Africana que seja benéfica para o nosso país. Nós só precisamos de escala e para isso creio que a transição digital e o mundo digital abre grandes oportunidades para Cabo Verde.