Há cinco anos que o futebol profissional tem vindo a densificar o impacto que provoca no PIB em Portugal e na sétima edição do Anuário do Futebol Profissional em Portugal, referente à época 2022/23, verificou-se uma contribuição recorde de 667 milhões de euros, mais 50 milhões em relação à época anterior e o equivalente a 0,26% da atual riqueza nacional.
Em entrevista ao JE, Miguel Farinha, Country Managing Partner da EY Portugal, Angola e Moçambique, identificou quatro forças de mudança do futebol em Portugal, os desafios que se colocam para os próximos anos e a forma como o "desporto-rei" tem que se afirmar como sector com impacto direto na economia nacional, não só na criação de emprego como nas receitas fiscais (a indústria gerou 228 milhões de euros em impostos, mais 6% do que na temporada anterior)
É a confirmação de que a indústria do futebol em Portugal recuperou por completo do período negro da pandemia?
Sem dúvida! Neste momento, o contributo do futebol profissional para o PIB já está bastante superior àquele que era a época pré-pandemia. Tivemos obviamente o decréscimo da época 2019/20 e a partir daí tem estado em crescimento constante. E se formos ver a cinco anos, ou seja, começando no ano pré-pandemia para hoje, apresentamos um crescimento médio da casa de 5% ao ano, o que é excelente. Nesse período, passamos da casa dos 500 milhões para os 667 milhões de impacto no PIB. Esses números são paradigmáticos do peso cada vez maior que o futebol consegue ter na economia portuguesa e como estamos a falar de uma indústria de sucesso em Portugal. E não há muitas iguais.
E não estamos apenas a falar das receitas das vendas de jogadores, passa também por uma forma mais profissional de angariar receitas. A ideia de negócio e de sustentabilidade financeira está cada vez mais vincada no futebol profissional em Portugal?
Acho que é exatamente esse o ponto. Uma das grandes novidades ou constatações do anuário deste ano é que esse crescimento é cada vez mais consistente à conta de todos os clubes. Naturalmente, a receita das transferências dos jogadores é claramente a rubrica mais significativa do futebol em Portugal e há uma receita constante na ordem dos 300 milhões de euros por ano. Se no início achava-se que 100 milhões de euros de receita de venda era algo raro, hoje em dia temos seguramente um jogador que sair por esse valor ou algo aproximado disso. Transformámos essa receita numa receita recorrente. Em relação às receitas de merchandising, de bilheteira, dos espaços comerciais dos estádios, há uma consciência cada maior de todos os clubes e não só dos tradicionais para conseguir obter mais receitas através de fontes diferenciadas e que estão cada vez mais a consolidar-se no futebol em Portugal. Para além dessas fontes de angariação de receita de que falámos, temos a receita das televisões (que está muito estável há muitos anos à espera do processo de internacionalização) e das competições europeias (que está muito concentrada nos três ou quatro principais clubes). No futebol português como um todo, essa receita das competições europeias mantém-se muito estável na casa dos 200 milhões de euros por ano, o que é um número bastante significativo.
A ideia de que o futebol e os impostos andam dissociados está cada vez mais esbatida? Os clubes da Liga voltaram a reforçar esse contributo de acordo o último anuário.
Há cada vez mais um aumento do número de impostos coletados até porque há um investimento cada vez maior em jogadores, em salários e consequentemente, o Estado recolhe mais IRS e Segurança Social desse custo acrescido que existe na economia. A Liga e os clubes em Portugal até se podem queixar um pouco dos custos de contexto que não lhes são favoráveis. Em comparação com outras Ligas europeias, Portugal é das que mais paga IRS: se comparar um jogador que jogue cá ou em Itália e ganhe um milhão de euros por ano, o italiano leva mais 100 mil euros para casa do que o português porque a carga fiscal é mais baixa em Itália.
Isto quando precisávamos desse fator de atração de talento em Portugal.
Exatamente. Mas não é só no IRS porque o mesmo se passa com o IVA. O IVA no futebol continua a ser de 23%, uma taxa muito superior à que se pratica nas sete principais ligas da Europa (essas têm o imposto na ordem dos 19%, 20% sendo que nos Países Baixos a taxa é de 9%). Se formos comparar com outras indústrias de espetáculo (porque o futebol é de facto um espetáculo), como o cinema ou o teatro, essas pagam IVA a 6% e o futebol paga 23%. Não faz sentido. Não se percebe porque é que o futebol paga mais do que os outros quando até tem um impacto maior na economia do que outras áreas.
Que prioridades é que o futebol português deve acautelar nos próximos anos?
Quando fizemos o último plano estratégico de 2023-2027, que é aquele que a Liga Portugal está agora a implementar, identificamos aqui quatro forças de mudança em que importante que o futebol português se adapte às mesmas. Uma delas passa por cada vez mais os clubes terem estruturas capazes e profissionais capazes de responder aos desafios: cada vez temos mais fundos e investidores internacionais no futebol que exigem um profissionalismo cada vez maior; há o tema do formato das competições que está a ser alterado, algo que vamos ver já a partir na próxima época com a Liga dos Campeões e um novo Mundial de Clubes: isso vai trazer desafios acrescidos aos quais é importante estar atento; há uma terceira força de mudança que passa pelos adeptos e pela forma como estes consomem o produto futebol, em que o futebol deve adaptar-se a este novo adepto. O último ponto é mais macro mas está relacionado com as preocupações mais sociais que o futebol tem que adotar: falamos muito do ESG e das preocupações de sustentabilidade. O futebol tem que se adaptar a essas mudanças.