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Melhor oferta pela Azores Airlines cobre apenas 1,1% dos 453 milhões que o Estado injetou no grupo SATA

Contas feitas, os 5,258 milhões da melhor proposta – a do Atlantic Consortium – equivale a cerca de 1,1% dos 453 milhões de euros que os contribuintes portugueses injetaram no Grupo SATA.

Quando em junho de 2022, a Comissão Europeia aprovou a injeção de 453,5 milhões de euros do Estado no Grupo SATA, o contribuinte açoriano estava longe de perceber que montante poderia recuperar com a operação.

O pacote em causa visava permitir à companhia aérea “financiar o seu plano de reestruturação e restaurar a sua viabilidade a longo prazo”. A notificação do Governo à Comissão Europeia para conceder apoios no sentido de “suportar o plano de reestruturação da SATA no período de 2021 a 2025”, surgiu na sequência de uma “investigação aprofundada” por parte de Bruxelas, iniciada em agosto de 2020, às ajudas estatais à SATA. Como? Sob a forma de três aumentos de capital na companhia.

https://jornaleconomico.pt/noticias/interessados-na-privatizacao-da-azores-airlines-oferecem-7026-e-660-euros-por-acao/

Os 453 milhões de euros encerraram a investigação aprofundada, mas impôs condições. Para começar, o apoio dividiu-se em três componentes: um empréstimo direto do Estado no valor de 144,5 milhões de euros; a assunção de dívida de 173,8 milhões, ambas parcelas num total de 318,25 milhões convertíveis em capital. Componente número três: uma garantia estatal de 135 milhões para ajudar a SATA a obter financiamento junto da banca.

Mas, em troca, a SATA teria de mudar de vida, sob a forma de um plano de reestruturação, à semelhança do que a TAP tem em curso, mas em troca de uma ajuda estatal de 3,2 mil milhões de euros.

Tal como na TAP, o grupo SATA teria de adotar medidas de redução de custos, teria de alienar a sua posição de 51% na Azores Airlines e desinvestir na atividade de handling. Ao nível corporativo, a estrutura da SATA foi alterada, passando a contar com uma holding sob a qual iriam operar as subsidiárias SATA Air Açores, Azores Airlines e SATA Gestão de Aeródromos (SGA).

A holding SATA foi constituída, a divisão das subsidiárias foi feita e o processo de privatização da Azores Airlines, o ramo internacional da SATA, foi iniciado. Decidiu-se que seria alienado entre 51 e 85% da Azores Airlines, curiosamente o mesmo modelo que o Governo quer adotar para a privatização da TAP.

https://jornaleconomico.pt/noticias/bruxelas-da-luz-verde-a-ajuda-estatal-de-453-milhoes-para-a-sata-902738/

Nesta segunda-feira ficou-se a saber quanto é que as duas concorrentes à privatização da Azores – entre as cerca de 30 interessadas que nunca chegaram a apresentar propostas – estão dispostas a pagar pela companhia. O consórcio Atlantic Consortium – que reúne companhias pequenas como a Vesuvius Wings, White Airways, Old North Ventures, Consolidador e EuroAtlantic Airways – ofereceu, à segunda tentativa, 7,026 euros por 74,85% da Azores – ou seja, 5,258 milhões de euros por 748.500 ações.

O outro interessado que se apresentou “a jogo” foi o grupo português de viagens e turismo ‘Newtour’, liderado pelo empresário açoriano Tiago Raiano. De acordo com a site especializada Newsavia, “o grupo detém o master franchising das agências de viagens Bestravel e tem a maior participação (60% em conjunto com PCF Consultores) do maior grupo de gestão de agências de viagens independentes GEA Portugal, bem como os operadores turísticos Soltrópico, Turangra e EgoTravel, entre outras empresas. Apresenta-se conjuntamente com a MS Aviation, uma empresa austríaca de gestão de aviões privados que a Newtour e a empresa angolana Bestfly compraram em junho deste ano”.

A Newtour, também à segunda tentativa (o governo pediu a ambos os candidatos para melhorarem a sua proposta) apresentou uma proposta de 6,60 euros por 76% das ações. Ou seja, 4,605 milhões de euros pela Azores Airlines.

Contas feitas, os 5,258 milhões da melhor proposta – a do Atlantic Consortium – equivale a cerca de 1,1% dos 453 milhões de euros que os contribuintes portugueses injetaram no Grupo SATA. E o que representa a Azores no Grupo SATA? Bastante. A Azores Airlines foi a “estrela” (mas também a vilã) dos resultados consolidados do grupo em 2022.

Vamos por partes. Para começar, a Azores Airlines – que opera as rotas internacionais do grupo, ao contrário da Sata Air Açores, que faz as rotas pequenas – obteve as melhores receitas de sempre no ano passado: 211 milhões de euros (contra os 92 milhões da Sata Air Açores).

A Azores Airlines também obteve o seu primeiro EBITDA positivo em dez anos (5,4 milhões de euros). Já agora, a valorização que o Atlantic Consortium faz da Azores Airlines (100% do capital a valer 7,060 milhões de euros) correspondem a um múltiplo de EBITDA de pouco mais de 1,3. Muito abaixo do standard habitual das ofertas na aviação, entre os múltiplos de 2 e 3 do EBITDA.

Por outro lado, há dados da Azores que puxam as ofertas para baixo. Desde logo a dívida da companhia: 369 milhões de euros de dívida a 31 de dezembro de 2022. No cômputo geral, a Azores Airlines contribuiu com cerca de 34 milhões de euros de prejuízo para as contas do Grupo Sata.

Questionado pelo JE sobre o racional desta operação, o especialista em aviação Pedro Castro, da Skyexpert, diz que o Governo Regional nem deveria aceitar ofertas tão baixas.

"Se ficar por volta dos 7 milhões não é compatível com aquilo que foi investido. Não acho sequer que corresponda àquilo que o governo esperava. O maior bolo dos 453 milhoes de euros foi entregue à Azores Airlines, porque é aquela que tem o maior prejuízo e é a maior, a que tem mais custos, porque faz os voos internacionais, que não têm subsídio", sublinhou Pedro Castro.

Recorde-se que a A SATA Air Açores tem um subsídio de cinco anos de 140 milhões de euros, por ter sido declarado que aquelas rotas que opera são de interesse público.

"Grande parte daqueles 453 milhões de euros da última injeção foi absorvida, seguramente, pela Azores Airline. Que é aquela que se não tiver esse dinheiro, morre. E é aquela também que está mais exposta à concorrência. Exposta à Ryanair, à TAP, a United, à Ibéria. A todas elas. Tem as rotas mais longas que não são subsidiadas, portanto...", adianta o especialista.

A questão que se colocará a seguir nem sequer será financeira, mas sim uma luta entre os méritos técnicos de cada proposta. "Estamos ainda só na pura análise financeira. Nesse concurso vai haver uma análise financeira e vai haver uma análise do mérito do projeto que cada um [dos concorrentes] apresentou. E isso ainda não veio cá para fora", concluiu Pedro Castro. Mas isto para uma companhia que não tem espaço para crescer, devido à ausência de estrutura aeroportuária nos Açores para acomodar muitos mais voos.

A Azores Airlines transportou, também pela primeira vez na sua história, mais de um milhão de passageiros (1,083 milhões de passageiros). E com uma taxa de ocupação de 75%, uma vez que os assentos oferecidos ao longo de 2022 ascenderam a cerca 1,4 milhões. A Azores Airlines conta com oito aviões – incluindo Airbus A321-253neoLR, Airbus A321-253neo e Airbus A320-214. Mas não é dono de nenhum deles, contando com os aparelhos através de leasing.

"E eu se fosse ao Governo Regional eu deixava isto cair, não escolheria nenhuma, porque está muito aquém do que se investiu nesta companhia", concluiu o especialista da Skyexpert.