Skip to main content

Marta Garcia-Haro. "Pelo terceiro ano consecutivo não há progressos nos ODS a nível mundial"

A gestora sénior do Programa de Redes da SDSN da ONU, diz ao JE que a este ritmo, o mundo não alcançará os 17 ODS até 2030. Atualmente, apenas 18% dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estão no bom caminho. No que respeita ao Objetivo 2 - Fome, adianta: "em 2023, apenas a China e o Paraguai estão a fazer progressos".

Quando em 2015 foi anunciada pelas Nações Unidas, o mundo recebeu-a com esperança. A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, que tem no desenvolvimento económico, social e ambiental à escala global a sua trave mestra, assenta em 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e 169 metas a implementar por todos os países. A avaliação dos progressos na implementação da Agenda está a cargo de cada país envolvendo os governos, a sociedade civil, as empresas e outros atores do desenvolvimento. No seu todo, como se estão a comportar os países? Como estão a avançar ou a descarrilar? Pouco antes do arranque da COP28 no Dubai, Emirados Árabes Unidos, onde decorre, neste momento, Marta Garcia-Haro, gestora sénior do Programa de Redes da SDSN- Sustainable Development Solutions Network, rede internacional patrocinada pelas Nações Unidas para promover o desenvolvimento sustentável, esteve em Portugal e partilhou com o Jornal Económico as suas inquietações, mas também o seu pragmatismo. Mostrou-nos o estado da arte.

Numa escala de 1 a 5, como avalia, neste momento, a evolução dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável?
De acordo com o último Relatório de Desenvolvimento Sustentável, publicado anualmente pela SDSN, pelo terceiro ano consecutivo confirmamos que não há progressos nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável a nível mundial. Portanto, após vários anos de tendência positiva, estamos estagnados em muitos ODS e, em alguns vemos regressão, pelo que nesta escala estaríamos no intervalo mais baixo. No relatório de 2023 oferecemos pela primeira vez uma visão da situação global como um todo, calculada utilizando uma média ponderada da população para todos os Estados-Membros das Nações Unidas. Infelizmente, esta análise oferece-nos uma perspetiva preocupante.
As metas relacionadas com a fome, alimentos sustentáveis e resultados de saúde estão particularmente atrasadas, tal como as relacionadas com a biodiversidade terrestre e marinha, a poluição urbana, a habitação, instituições fortes e a paz.
Embora, em média, o mundo tenha feito alguns progressos no reforço do acesso a infraestruturas essenciais, especialmente aquelas abrangidas pelo ODS 6 (Água Potável e Saneamento), ODS 7 (Energia Limpa e Acessível) e ODS 9 (Indústria, inovação e infraestruturas), há variações significativas de país para país, e a média global de progresso continua a ser demasiado lenta para alcançar a Agenda em 2030.

Em que fase nos encontramos?
Estamos a meio caminho da Agenda 2030, apenas oito anos após a sua adoção em setembro de 2015. A Cimeira dos ODS foi realizada recentemente em Nova Iorque, com uma declaração final que representou um novo apoio político aos ODS e demonstrou que esta Agenda ainda está viva. Além disso, encontramo-nos num contexto muito complexo e extremamente polarizado que coloca grandes obstáculos a esta agenda transformadora. É por isso que agora, mais do que nunca, precisamos de uma aceleração das políticas de desenvolvimento sustentável e é fundamental remarmos todos na mesma direção para alcançarmos esta lista de tarefas que são os 17 ODS.

Dos 17 ODS onde vê maiores progressos? Quais os ODS onde vê menos progressos e está a ser mais difícil progredir?
O progresso varia consideravelmente entre regiões e grupos de rendimento. Coletivamente, os países europeus lideram o Índice ODS e estão no bom caminho para alcançar mais objetivos do que qualquer outra região. Mas mesmo os países com melhor desempenho no Índice dos ODS ainda enfrentam grandes desafios na consecução de vários Objetivos, especialmente aqueles relacionados com o clima, a biodiversidade, nutrição e sistemas alimentares sustentáveis. Gostaria também de salientar aqui que, embora seja verdade que a União Europeia lidera os ODS a nível global, isso tem um custo, uma vez que estamos a gerar grandes repercussões negativas, especialmente através do consumo insustentável.

Em concreto, o que nos consegue dizer sobre o Objetivo 2 - Erradicar a Fome?
A nível global ainda estamos muito longe de atingir este objetivo . De acordo com o nosso relatório, nenhum país alcançou este ODS e, além disso, em 2023, apenas a China e o Paraguai estão a fazer progressos. Regiões como a América do Norte ou o continente africano têm dificuldades especiais em conseguir isto, por razões inversas. Deve-se ter em conta que este ODS não visa apenas acabar com a fome e alcançar a segurança alimentar, mas também procura melhorar a nutrição e promover a agricultura sustentável.

Na sua perspetiva e sendo realista, até 2030 será possível atingir alguma das metas propostas pela ONU?
Já sabemos que, ao ritmo que estamos a seguir, o mundo não alcançará os 17 ODS até 2030. Pela primeira vez na edição deste ano, o Relatório de Desenvolvimento Sustentável inclui uma estimativa da percentagem de objetivos dos ODS que estão no caminho certo para ser cumpridos em 2030. De acordo com a nossa análise, apenas 18% dos objetivos estão no bom caminho.

O que pode ser feito pelas nações e pelos homens de boa vontade para acelerar a implementação dos ODS?
Na SDSN acreditamos que devemos redobrar os nossos esforços para continuar a apoiar a Agenda dos ODS. É um roteiro aprovado por todos os países que permeou governos, instituições e sociedade como nenhuma outra agenda global anterior. Os ODS são uma excelente bússola global para alcançar um mundo mais verde, mais próspero e sustentável. Precisamos que esse compromisso seja mantido. Além disso, sem paz é difícil falar de desenvolvimento sustentável, pelo que é também fundamental que existam condições para poder pensar nestes objetivos.

 

Quem é Marta Garcia-Haro

Marta Garcia-Haro é gestora Sénior do Programa de Redes da SDSN- Sustainable Development Solutions Network, uma rede internacional patrocinada pelas Nações Unidas para promover o desenvolvimento sustentável, na qual também assume o papel de ponto focal das redes SDSN das regiões do Mediterrâneo e do Mar Negro, desde 2022. Entre 2015 e 2021, foi gestora da SDSN Espanha e diretora da Organização Não Governamental de Ambiente REDS Española para el Desarrollo Sostenible, tendo sido responsável pela criação da rede no seu país e colaborado no desenvolvimento de projetos nacionais e globais, como o "Spanish Cities SDG Index", os relatórios sobre a aplicação dos ODS nas universidades e o Global Solutions Forum 2019, assim como as jornadas de "Sostenibilidad e instituciones culturales" (2017 a 2022).

Mestre em Políticas Culturais pela Universidade LUMSA (Itália), licenciada em Ciências Económicas e Administração de Empresas (Universidade de Valência) e História da Arte (Universidade de Valência), Marta Garcia-Haro tem lecionado na área de gestão cultural sustentável em mestrados e noutros fóruns. É  autora do livro "Hacia una cultura sostenible: Guía práctica para integrar la Agenda 2030 en el sector cultural " (2021),  e co-autora com Alfons Martinell Sempere, professor jubilado da Universidade de Girona. Integrou a Comissão do Comité Científico da ICSD-International Conference on Sustainable Development nas edições de 2019 e 2023.