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Manuel Serrão suspeito de apresentar despesas fictícias em candidaturas a fundos europeus de 80 milhões de euros

Na mira da justiça está um alegado desvio de 40 milhões de euros através da apresentação de despesas fictícias em candidaturas para obtenção de mais de 80 milhões de euros em fundos europeus. Entre os alvos da mega operação de buscas da PJ ontem realizadas está o empresário Manuel Serrão por suspeitas dos crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais. Presidente do Compete 2020 também é suspeito, bem como outros funcionários com altos cargos públicos ligados aos fundos europeus, sabe o JE.

O empresário Manuel Serrão é um dos visados de uma operação da Polícia Judiciária (PJ) por suspeitas de crimes como fraude na obtenção de subsídios da União Europeia, fraude fiscal e branqueamento de capitais. A justiça investiga suspeitas de um esquema relacionado com a indústria têxtil que terá rendido aos visados, de forma ilícita, pelo menos, cerca de 40 milhões de euros com despesas fictícias e inflacionadas.

O Jornal Económico (JE) sabe que o pagamento de incentivos, realizado até ao momento e já identificado na investigação, corresponde a cerca de metade do total de candidaturas a fundos europeus que perfazem mais de 80 milhões de euros. E que entre os suspeitos estão ainda funcionários com altos cargos públicos na Função Pública ligados aos fundos europeus.

Entre esses funcionários está o presidente do Compete, que tem a maior fatia do envelope de fundos europeus para empresas e também é suspeito, bem como o jornalista Júlio Magalhães, ligado a empresas do responsável da Associação Seletiva Moda. Nos próximos dias poderão vir a ser constituídos mais de dez arguidos.

Manuel Serrão é, à semelhança de outros empresários que lhe são próximos, visado nas dezenas de buscas realizadas nesta terça-feira, 19 de março, por centenas de inspetores e magistrados do Ministério Público do DCIAP e juízes, levadas a cabo em residências, associações e empresas por 300 de inspetores e magistrados do Ministério Público do DCIAP e juízes. O Compete 2020, o IPAMEI, e a KPMG, que trabalhava para empresas de Serrão, estão entre as 47 buscas não domiciliárias que foram realizadas.

O nome de Manuel Serrão foi avançado pela CNN Portugal e o de Júlio Magalhães, que será sócio de Serrão em duas sociedades e também alvo de buscas, foi noticiado pelo “Observador”, tendo sido ambos confirmados pelo JE.

Manuel Serrão, que também é comentador televisivo, é o presidente da Associação Seletiva Moda, ligado à organização de salões, desfiles e exposições nas áreas da moda e do sector têxtil, sobretudo no norte do país. Esta associação tem o poder de aprovar, dentro dos quadros comunitários, projetos de empresas relacionados com grandes feiras que são financiados pela União Europeia para promoção nacional e internacional da Indústria têxtil e do vestuário.

A investigação visa programa operacional Compete 2020 que apoiam empresas e que tem como outro dos suspeitos Nuno Mangas, presidente deste programa de fundos europeus que, após a pandemia, injetou mais fundos para que as empresas pudessem enfrentar a situação económica provocada pela covid-19. Ao todo foram mais 1,8 mil milhões de euros até 2022 com fundos do programa Next Generation face à dotação da ordem dos 4,4 mil milhões de euros para o período entre 2014 e 2020 deste Programa Operacional Temático Competitividade e Internacionalização.

Nuno Mangas já foi presidente do IAPMEI, cargo que assumiu em 2018, durante o mandato de Pedro Siza Vieira no ministério da Economia, tendo saído no final de 2020, para a liderança do Compete.

Na operação realizada pela Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC) da PJ e do Ministério Público estão em causa suspeitas de um esquema relacionado com a indústria têxtil que terá rendido aos visados, de forma ilícita, cerca de 40 milhões de euros através de candidaturas a fundos com despesas fictícias e inflacionadas.

Serrão e o jornalista Júlio Magalhães – que alegadamente serviria para ajudar o empresário “a abrir portas” – são sócios em duas sociedades que são visadas nos autos e que foram alvos de buscas domiciliárias no Porto. A investigação suspeita que foram criadas uma série de empresas, algumas de atividade fictícia, para falsificar e inflacionar despesas de milhões de euros na realização de eventos.

A Operação Maestro, realizada no âmbito de um inquérito titulado pelo DCIAP e em investigação a cargo da Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ, com o apoio do Núcleo de Assessoria Técnica da Procuradoria-Geral da República, desenvolveu-se na área metropolitana de Lisboa, na área metropolitana do Porto, na região de Aveiro e da Guarda.

Esquemas organizados de fraude

Segundo a PJ, em causa estão alegados esquemas organizados de fraude que beneficiaram um conjunto de pessoas singulares e coletivas, “lesando os interesses financeiros da União Europeia e do Estado português, quer em sede de financiamento através do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), quer através da subtração aos impostos devidos”.

Na mira da Justiça estão crimes de fraude na obtenção de subsídio, fraude fiscal qualificada, branqueamento e abuso de poder e que lesaram os interesses financeiros da União Europeia e do Estado português.

Em comunicado, a PJ avançou que o modus operandi assenta na “criação de estruturas empresariais complexas, visando a montagem de justificações contratuais, referentes a prestações de serviços e fornecimentos de bens para captação fraudulenta de fundos comunitários no âmbito de, pelo menos, 14 operações aprovadas, na sua maioria, no quadro do Programa Operacional Competitividade e Internacionalização (POCI), executadas desde 2015”.

A PJ revela que, através dos 14 projetos cofinanciados pelo FEDER, executados entre 2015 e 2023, os suspeitos obtiveram, até ao momento, o pagamento de incentivos no valor global de, pelo menos, 38.938.631,46€. A investigação acredita que os factos que estão sob investigação poderão levar a um acréscimo muito significativo do valor total da alegada fraude com fundos europeus.

Na Operação Maestro participaram 250 inspetores, 32 peritos da Unidade de Perícia Tecnológica e Informática e 24 peritos da Unidade de Perícia Financeira e Contabilística.

Compete 2020 reage e garante “gestão rigorosa e transparente” dos fundos públicos

Os escritórios da sede do Compete, na zona da Expo, perto do Campus da Justiça, também foram alvo de buscas das equipas da PJ, havendo suspeitas do envolvimento de alguns funcionários e do crime de abuso de poder.

Em comunicado, a PJ diz mesmo que da investigação em curso resultaram ainda “fortes suspeitas do comprometimento de funcionários de organismos públicos, com violação dos respetivos deveres funcionais e de reserva, na agilização e conformação dos procedimentos relacionados com as candidaturas, pedidos de pagamento e a atividade de gestão de projetos cofinanciados”.

Em comunicado, citado pela agência de notícias Lusa, o Compete, liderado por Nuno Mangas, deu conta do seu “compromisso com a gestão rigorosa e transparente” dos fundos públicos. E confirmou que “está a colaborar com procedimentos em curso por parte da Polícia Judiciária”, realçando desconhecer “os contornos da investigação” e assegurando estar “totalmente disponível para prestar todas as informações e o apoio necessário para o bom andamento da investigação”.

O Compete 2030, que assumiu a herança do Compete 2020, tem o maior envelope dos 12 programas que integram o Portugal 2030, sendo o programa que mais diretamente distribui fundos de coesão para investimento em projetos de empresas: uma dotação de 3,9 mil milhões de euros, dos quais 3,5 mil milhões vêm do FEDER.