A HyChem também está no negócio do sal e pretende tornar o setor novamente competitivo, a nível nacional e internacional, e aproveitar as minas de sal-gema para armazenamento de gases.
Ao Jornal Económico, o CEO da HyChem aborda, também, o negócio que deu origem ao grupo, de microalgas, que está em desenvolvimento. Considera que Portugal tem condições ímpares para a economia azul, mas que não pode criar-lhe obstáculos.
A HyChem produz clorato de sódio, essencial para o setor de pasta e papel, também para a produção de hidrogénio.
Este ano adquiriram a Renoeste, que tem minas de sal, para juntar aos vossos ativos. Que objetivos é que têm para o negócio do sal?
Em 2016, Portugal produzia cerca de 400 mil toneladas de sal industrial, consumia 200 mil e exportava 200 mil. Hoje, importa todo o sal industrial que consome. O que nós pretendemos é inverter este ciclo, voltar a produzir sal industrial que sirva o mercado nacional e volte a servir o mercado de exportação.
Todas as grandes indústrias necessitam – ou quase todas as grandes indústrias de base química necessitam de sal no seu processo, a indústria têxtil, por exemplo, a indústria do papel, a indústria química em geral. Estamos todos dependentes de importação e de cadeias logísticas bastante longas e precisamos de inverter este processo.
E, depois, podemos voltar a fazer aquilo que foi feito na transição do século passado para este, que foi utilizar as cavernas resultantes da extração de sal para o armazenamento de vetores energéticos, neste caso, na Renoeste ou nas cavidades desenvolvidas no Carriço onde está hoje armazenada a reserva estratégica de gás natural, as reservas que pertencem à REN, e o nosso objetivo é depois da extração de sal utilizar as cavidades assim geradas para armazenamento de vetores energéticos.
Conseguimos ser competitivos neste mercado?
Absolutamente. Foi demonstrado isso com o com o projeto do Carriço. Hoje em dia, existem projetos à escala europeia, no Norte da Europa, por exemplo, de utilização de cavernas em alto mar para o armazenamento de CO2. É muito mais barato fazê-lo nas cavidades em território nacional e têm uma capacidade para armazenar uma parte muito significativa das emissões industriais, das emissões de dióxido de carbono geradas pelas indústrias portuguesas, e podemos fazê-lo de forma competitiva, até porque dominamos a tecnologia. Essas cavernas do Carriço foram desenvolvidas com apoio exterior, mas desenvolvidas pela engenharia nacional e, portanto, é uma pena que esse know-how se vá perdendo.
Todos os vossos negócios dependem de investigação e desenvolvimento. É possível desenvolverem este tipo de processos em Portugal? Vocês são um exemplo, mas ouvimos muitos empreendedores queixarem-se do acesso a capital, da falta de apoio ou enquadramento e que é muito mais fácil desenvolver lá fora, principalmente no mundo anglo-saxónico.
Eu penso que é uma questão de atitude perante os desafios e as dificuldades. Todas as dificuldades que referiu são reais, no entanto, a forma como lidamos com elas, ou ficamos parados a chorar sobre as dificuldades ou tentamos avançar mesmo assim. É o que temos feito; é, realmente, a essência do nosso ADN.
Metade, sensivelmente, dos nossos recursos humanos e financeiros são investidos em atividades de inovação; investigação e desenvolvimento, mas numa perspetiva de inovação, aplicações industriais para o conhecimento desenvolvido. Fazemo-lo numa lógica de cooperação e de parceria com as universidades, com os centros de investigação e com outras empresas portuguesas e de toda a Europa, e, diria, de todo o mundo. Nós, hoje em dia, temos parcerias ativas com uma rede de mais de 900 entidades de 51 países diferentes. Obviamente que investimos muito na preparação de candidaturas em projetos competitivos, temos uma estrutura interna para isso, e investimos muito em relacionamento com outros parceiros. Temos muito orgulho na nossa relação com as universidades portuguesas, temos um programa de acolhimento de programas de doutoramento em ambiente industrial com as principais universidades portuguesas no âmbito de um programa pioneiro muito interessante, chamado Engic, um programa de doutoramento em ambiente industrial promovido pela Associação Portuguesa da Indústria Química, Petroquímica e Refinação, com o apoio da FCT. Nesse âmbito temos neste momento em curso nove doutoramentos em ambiente industrial; o nosso track record de acolhimento dos doutorandos depois em contratos de trabalho é de mais de 90%. Mais de 10% dos nossos quadros são doutorados e entendemos que sem inovação e sem aposta no conhecimento não vamos lá. Obviamente que contamos com os apoios públicos, quer do Governo português quer diretamente da Comissão Europeia; apoio nas linhas de financiamento à inovação, [porque] sem isso não ultrapassaremos o gap de desenvolvimento.
Os apoios que existem são suficientes?
Os apoios nunca são suficientes. Nós orgulhamo-nos de que aquilo que comunicamos já não está em fase inicial de desenvolvimento, já está na fase de aplicação em escala. Agora, Portugal tem tradicionalmente – e a Europa, quando comparada com os ambientes anglo-saxónicos – uma escassez de acesso a capital para este tipo de projetos inovadores, e precisamos de ultrapassar, precisamos de encontrar soluções que permitam às empresas pequenas tornarem-se médias e às médias tornarem-se grandes, sem que isso seja feito num regime colonialista, em que os verdadeiramente grandes acabam por ficar com o conhecimento e com o controlo das tecnologias. Isso é um desafio, mas que nós tentamos fazer todos os dias.
Tudo começou com a A4F, uma empresa de biotecnologia, que está no negócio das microalgas. Como é que está a correr o projeto? Há mais players no mercado, está a desenvolver-se?
As microalgas são um mundo fascinante; são plantas aquáticas que fazem a fotossíntese e que são responsáveis por mais de 50% da produção de oxigénio à escala global. Nós inicámos este projeto em 2008, desenvolvendo tecnologia para ajudar as indústrias a resolver os seus problemas de descarbonização utilizando o dióxido de carbono para a produção de biomassa para diferentes aplicações. Fizemos em Portugal e fora de Portugal projetos com várias indústrias e foi assim que chegámos à Solvay Portugal e à HyChem.
Hoje em dia, em Portugal existem vários players nesta área com relevância à escala internacional e começam a surgir as aplicações e as grandes empresas de grandes setores, que vão desde a cosmética aos ingredientes alimentares, às rações, aos fertilizantes, aos bioplásticos, porque esse é outro desafio que precisamos te enfrentar. Portanto, estamos bastante confiantes no nosso processo e em não parar por aqui.
Já se internacionalizaram, já têm já têm presença noutros países. Como é que essa parte do processo está a correr?
É desafiante, mas nós, como em tudo, procuramos fazê-lo na base da colaboração e da cooperação; não vamos sozinhos à aventura, procuramos associar-nos com os nossos parceiros, com quem começámos por emparceirar no próprio desenvolvimento das tecnologias. É um processo desafiante, até porque a internacionalização implica recursos de capital, que, mais uma vez, são escassos.
Disse-nos que Portugal tem condições ímpares para desenvolver este setor. Que condições são?
Indiscutivelmente, Portugal, relativamente ao setor das microalgas e da biotecnologia azul, isto é, da biotecnologia que envolve o oceano, tem condições climatéricas, tem condições de know-how nas universidades, que são uma vantagem comparativa e que nós precisamos de potenciar. Mas sem um ambiente regulatório adequado não iremos longe.
Voltando ao início da nossa conversa, a propósito da energia e dos fatores competitivos, a Solvay, que tinha uma atividade industrial enorme em Portugal, saiu de Portugal porque as condições regulatórias e o custo da energia para a indústria não eram competitivos.
Nós não podemos falhar esta ocasião em que, devido ao acesso às energias renováveis podemos ter energia, um custo da energia, um custo de base de energia competitivo. Não podemos perder essa vantagem com instrumentos regulatórios que nos façam perder a vantagem competitiva e tornar caro por via administrativa aquilo que, primeira vez, podemos ter [a um custo] acessível. É um desafio para o qual nós gostávamos também de contribuir, mas que todos somos poucos para conseguir vencer esse desafio.