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Lisboa Mistura 2023: escutar o que se diz e a música que se faz

O Lisboa Mistura celebra a comunidade urbana e a diversidade que integra o ADN da cidade de Lisboa, e convoca o público para, nos dias 9 e 10 de setembro, participar e fruir dos mundos que vão encontrar-se nos jardins do Museu de Lisboa-Palácio Pimenta. Apareça!

À 18ª edição, o Lisboa Mistura chega à idade maior. É mesmo assim, ou a inquietação, a vontade de questionar e de contribuir para a construção de uma cidade que promove o encontro de pessoas e comunidades, através de espetáculos e encontros artísticos, mantém o mesmo fulgor de sempre?

Partimos da ideia de "cultura como ativação da cidadania na construção urbana" para perguntar a Carlos Martins, organizador e programador do festival, se hoje em dia temos cidadãos mais ativos, participativos e uma sociedade mais inclusiva. E quisemos ainda saber qual tem sido o contributo do festival para esta construção.

"Há maior consciência de cidadania mas há, paradoxalmente, uma menos conseguida prática de cidadania. Ou seja, há uma consciência colectiva da necessidade de novas harmonizações da vida em conjunto, mas há menos espaços, menos vagar para ser melhor cidadão devido à privação cultural e financeira de que sofrem as comunidades e indivíduos", explica, antes de se lançar numa reflexão sobre o conceito de "inclusão", muitas extirpado da sua essência pelo uso excessivo da palavra e esvaziar do seu significado.

"O ensino não resolve, como se vê, todos os problemas havendo muitas pessoa com formação universitária que são incultos. E embora a palavra inclusão esteja carregada de exclusão, só por si, podemos usá-la para adjectivar uma vida escrava de trabalho que não dá acesso a ordenados decentes, não dá acesso à cultura e não dá acesso a tempo livre de obrigações burocráticas ou outras".

Como se pode praticar a cidadania se não houver tempo? A resposta chega em forma de pergunta: "Se temos que andar a correr para alimentar os filhos, cuidar de quem não tem cuidados básicos assegurados, atrás de um transporte quase sempre atrasado, para pagar os juros de uma casa, para pagar as contribuições sociais que não trazem quase nenhumas regalias colectivas e dão pensões milionárias a alguns, entre tantas outras coisas que nos obrigam a focarmos em nós em lugar de pensar colectivamente para ter mais força e maior impacto?", questiona o programador.

Como tudo começou

A Sons da Lusofonia, a associação sem fins lucrativos por detrás do Mistura, iniciou há 30 anos um projeto de visibilização de comunidades lusófonas a viver em Lisboa. Por outras palavras, ajudou a criar "um conceito de lisboetas de várias geoculturalidades", frisa Carlos Martins, acrescentando que, acima de tudo, o Lisboa Mistura tem servido, "também, para mostrar aos lisboetas outros lisboetas e outros mundos”, como aquele que a nova superstar da Costa do Marfim, Dobet Gnahoré, traz ao palco principal do festival, na noite de 9 de setembro.

Vencedora de um Grammy em 2010, Gnahoré é conhecida pelos seus movimentos de dança de fazer cair o queixo, pela sua poderosa presença em palco e estilo vocal rico em emoções. Gravado em África durante a pandemia, o álbum “Couleur” celebra o talento local, os direitos das mulheres, a criatividade e a positividade, apesar dos tempos difíceis. Ao sexto álbum, a artista rompe com os temas acústicos e introspetivos e mergulha, sem rede, no Afropop do seu país natal.

https://youtu.be/JmtCtlDVbTA?si=xyNlFgB8Rf4PwtJ8

O Lisboa Mistura junta pessoas e comunidades; culturas populares e eruditas; pensadores e criadores de arte e cidadania no mesmo espaço, os jardins do Museu de Lisboa-Palácio Pimenta, ao Campo Grande, em Lisboa, e está aberto a todos. E como a cultura musical urbana constitui uma ponte para as dimensões sociais e políticas que integram o cosmopolitismo, o Projecto D´Improviso - Orquestra de Percussão e Sopros, desenvolvido em cinco bairros de Lisboa, vai mostrar ao público que afluir ao Pátio das Tílias, pelas 19h30 de dia 9 de setembro, como pode a improvisação contribuir para influenciar a criatividade social.

Outro momento que promete questionar o mundo em que vivemos chega-nos por uma das vozes mais interessantes do panorama mundial, o inglês Soweto Kinch, que vai subir ao palco 1, no mesmo dia, pelas 21h00, para apresentar uma rara e excelente combinação entre Hip-Hop e Jazz com o seu Soweto Kinch Power Trio.

https://vimeo.com/36113764

Destaque ainda para o projeto português Criatura, um eclético bando de músicos, artistas e gente que se dedica a ecoar a memória popular do território que habita e que daí revisita a tradição, também às 21h00 no palco 1, no dia 10 de setembro.

De regresso à conversa com Carlos Martins, pedimos um olhar sobre o futuro da cidade. "Questionamos ao longo dos anos, social e politicamente através da criação artística, as pessoas e as diversas governanças sobre o caminho a seguir, que é longo, e os passos a dar para a construção e activação das cidadania juntando outras entidades ao processo para eu tenhamos mais pessoas do nosso lado. Nem sempre os projectos que surgem na cidade têm mais algum interesse do que a sua auto sustentação mas continuamos a tentar consolidadas redes, formais e/ou informais, que queiram participar noutros processos de criar sociedade e de libertar as pessoas do jugo capitalista violento que se instalou na vida humana".

Só se "Mistura" quem quer, mas o programador do festival deixa um repto. "Temos de criar condições, espaço e tempo para os que anseiam por mais conexões e melhores condições para se exprimirem criativamente nos planos pessoais, coletivos, artísticos e espirituais", convicto de que o festival vai continuar a atrair público diverso, interessado e aberto à interação. A entrada nos concertos, debates e atividades paralelas é gratuita. Venha daí!