O Innov.Club, uma colaboração entre a Beta-i e a sociedade de advogados Vieira de Almeida, que conta com o JE como parceiro, convidou John Krakauer, professor de Neurologia, Neurociência, Medina física e reabilitação na Johns Hopkins School of Medicine, para abordar a importância das novas tecnologias e os riscos que lhe estão inerentes.
Contratado pela Fundação Champalimaud no início do ano passado, o neurocientista, que viveu em Portugal dos 4 aos 11 anos, assumiu a missão de desenvolver terapias de reabilitação de danos cerebrais através da realidade virtual.
Afinal, como podem as novas tecnologias ajudar a máquina mais extraordinária do ser humano? Esta e outras questões tiveram resposta por parte do neurocientista no podcast "JE Entrevista".
O cérebro é um dos órgãos mais complexos que a ciência conhece. Como é que o podemos compreender melhor?
Terá de haver diversas tipologias de ciências em muitas espécies diferentes, incluindo computadores, humanos e animais. E depois temos de ser um pouco mais precisos no que diz respeito ao significado de "compreender". Penso que "compreender" é uma palavra utilizada de forma demasiado casual. Mas saberão qual é a sensação da resposta quando a ouvirem, certo? Deixem-me dar-vos um exemplo. Quando é que vamos compreender "Lisboa"? O que é que isso significa realmente? Posso fazer essa pergunta. Posso dizer-vos: "Compreendem Lisboa?". Mas depois posso perguntar como é que a resposta teria de soar para provar que compreendeste, Lisboa. Percebe o que estou a dizer? É uma pergunta mais fácil de fazer do que pensar em como seria a resposta.
O que é que ainda está por descobrir sobre o nosso cérebro?
Quase tudo. Não sabemos realmente como pensamos ou nos movemos ou como o cérebro nos leva a fazer isso. Também devo dizer que tentar encontrar formas de reparar o cérebro não é o mesmo que compreender o cérebro. Por outras palavras, quando Fleming descobriu a penicilina e a penicilina acabou por se tornar um antibiótico eficaz, era possível utilizá-la como antibiótico antes de se saber como funcionava. Por isso, por vezes, podemos consertar e tratar coisas antes de sabermos como é que o tratamento funciona. Há, portanto, diferenças entre a ciência aplicada à medicina e a ciência básica, que é compreender como algo funciona quando está saudável.
As novas tecnologias são uma ameaça ou uma oportunidade para o cérebro?
Depende da forma como são utilizadas. Toda a tecnologia que é poderosa é uma faca de dois gumes. Ela sempre andou de mãos dadas com a ciência. Conhecem Cajal, que ganhou o Prémio Nobel da medicina? Ramon y Cajal. No que diz respeito à doutrina dos neurónios, nunca teria sido capaz de fazer essa descoberta sem microscópios, certo? Aí está a tecnologia a funcionar. Portanto, é sempre necessário juntar as duas coisas. Mas a IA e outras formas de tecnologia também podem ser perigosas. Não queremos que alguém nos controle a mente, que nos leiam a mente, que alguém crie uma tecnologia que seja melhor do que a nossa mente. Por isso, vamos ter sempre de saber a diferença entre quando é para o bem e quando é para o mal.
Teremos ainda um longo caminho pela frente para descobrir tudo isso...
Sem dúvida. Mas a IA já é potencialmente muito perigosa. Não da forma como as pessoas pensam quando aplicada a filmes do género do Exterminador Implacável. Podem ser criados muitos dados falsos, imagens falsas e até pessoas falsas, e isso é perigoso.
A Inteligência Artificial pode moldar a capacidade de desenvolvimento do cérebro num futuro próximo?
Não me parece. Quer dizer, a IA pode causar maus comportamentos e maus hábitos, sem dúvida. Pode gerar textos e notícias falsas e isso pode influenciar-nos e levar-nos a votar de forma errada ou a fazer a coisa errada. Portanto, há um grande perigo do nosso comportamento ser alterado pela IA. Mas não creio que seja necessário pensar que a IA está fundamentalmente a alterar os nossos cérebros.
O que é que as novas tecnologias têm para oferecer em termos de compreensão do desenvolvimento de uma doença neurológica?
Há tecnologias para investigação, como a MRI (ressonância magnética), a MEG (magnetoencefalografia) e a EEG (eletroencefalografia) de alta densidade. E depois a tecnologia pode ser utilizada para tratar pessoas, robótica, estimulação cerebral. Estas são tecnologias muito interessantes para desenvolver tratamentos não farmacológicos.
Como podemos trabalhar o nosso cérebro para nos mantermos saudáveis?
Neste momento é mais ou menos a mesma coisa aborrecida de sempre: comer bem, dormir bem, fazer exercício, ter amigos e ser mentalmente desafiado e, sabe, não fumar nem beber demasiado. Estes são os hábitos diários mais sugeridos para aumentar as hipóteses de ter uma vida saudável e mais prolongada sem demência.
Quando falamos de práticas de bem-estar, é comum falarmos de exercício físico e nutrição. Porque é que o cérebro é tão negligenciado?
Negligenciado ao ponto de não abordarmos as questões relacionadas com o cérebro? Essa é uma questão interessante. Parece que o cérebro beneficia indiretamente de boa alimentação, sono e exercício, tal como qualquer outro órgão do corpo...os ossos, o coração. No que diz respeito ao cérebro, pode ser esse o caso. A necessidade de fazer coisas cognitivamente desafiantes, tal como fazemos exercício físico. Mas isso, pode dizer-se, é o que o desporto é. Ou seja, aprender uma nova habilidade. Por isso, penso que a forma de "não esquecer" o cérebro é, não só fazer exercício, mas também aprender uma nova língua, aprender a tocar um instrumento musical ou a desenhar. Portanto, coisas desse género também são provavelmente saudáveis. Mas o desporto e as competências não são a mesma coisa que o exercício. Por isso, creio que tem razão. Essas podem ser mais centrados no cérebro.
Práticas como as do Neuralink são uma ameaça ou um passo importante para descobrir o potencial do cérebro?
A Neuralink é uma empresa que está a fabricar eléctrodos extremamente bons para implantar no cérebro e a tecnologia mais recente era uma espécie de versão sem fios disto. Portanto, eles são realmente bons no lado da engenharia do problema. Os aspectos éticos e científicos não são tão claros. Quando fizeram o anúncio, há cerca de um mês, diziam que tinham recebido a aprovação da FDA e que já tinham implantado num doente. Mas ainda não nos disseram para quê, para que doença e qual vai ser o ensaio. Portanto, isso é um pouco problemático. Como digo, há coisas boas e más. A engenharia é boa. O projeto não sei, não nos disseram, e por vezes preocupa-me que a Neuralink esteja a preocupar-se muito mais com um dispositivo de consumo para pessoas saudáveis e que os doentes sejam apenas uma estação de passagem ao longo do caminho para o consumidor. Portanto, é uma mistura de coisas boas e más. Tem os seus prós e os seus contras.