A indústria do futebol vive por estes dias uma crise sem precedentes, devido à suspensão das competições, uma medida excecional tomada por causa da pandemia da Covid-19. A interrupção abrupta das competições vai condicionar as receitas dos clubes, o que já levou alguns dos maiores emblemas do mundo, como o FC Barcelona e o Bayern de Munique, a implementar uma redução significativa na massa salarial dos seus planteis. Cenário idêntico estará a ser estudado pelos emblemas portugueses, tendo havido já um clube a abordar os seus jogadores, revelou o presidente do Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol (SJPF), Joaquim Evangelista, ao Jornal Económico.
Para o presidente da SJPF, que não identificou o clube em causa, a abordagem não terá sido a mais adequada, pelo que não surtiu efeito. Contudo, suscitou uma questão que Joaquim Evangelista clarificou: “Os jogadores são esclarecidos e sabem o que querem. Qual é o problema de negociar diretamente com o clube? É que a maioria dos clubes não tem capacidade negocial”.
Ou seja, o dirigente do Sindicato dos Jogadores entende que qualquer discussão sobre uma eventual redução salarial, dado o atual contexto, deve ser feita entre todos os clubes e em articulação com os organismos dirigentes, como a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional (que controla os campeonatos da primeira e segunda ligas).
“Os jogadores estão disponíveis para fazer sacrifícios, desde que justificados e partilhados por todos”, acrescentou, indicando que a discussão sobre os salários deve ser sempre “ponderada, responsável e acertada”, considerando as diferenças salariais e os escalões desportivos, porque a maioria não tem salários elevados.
“Agora, é diferente falar a uma só voz do que em grupo”, frisou. Para que a abordagem aos atletas seja frutífera, Joaquim Evangelista defende que os clubes devem dar, antes de mais, um sinal de boa fé. Como? “Os clubes deveriam cumprir com o vencimento de março, dando um sinal de confiança aos jogadores, para depois obterem deles disponibilidade para os meses mais problemáticos [abril, maio e junho]”, respondeu.
Contudo, salientou que há clubes “que não querem pagar o mês de março e sem justificação”, lembrando o caso do Desportivo de Aves, que anunciou não ter condições para pagar os salários de março devido à crise suscitada pela pandemia da Covid-19. Mas os atletas também não auferiram, ainda, os salários de janeiro e fevereiro.
“É uma ação de má gestão e de oportunismo de um clube que não tem condições para estar numa competição profissional”, sublinhou o dirigente sindical.
Para encontrar uma solução face à crise que se instalou no mundo do futebol profissional, em Portugal, foi criado um grupo de crise pela FPF. Paralelamente, foi criado um grupo de trabalho conjunto do SJPF e da Liga. São dois grupos cujo objetivo é coordenar políticas para o futebol nacional.
Quanto à questão salarial, existem três fundos de emergência a que os jogadores poderão vir a recorrer. “A FPF criou um para as competições não profissionais, para fazer face a estas situações mais urgentes, e a Liga criou um fundo de emergência para o futebol profissional. Paralelamente, existe um fundo de garantia salarial criado pelo sindicato, Liga e FPF”, contou Joaquim Evangelista.
Mas o dirigente vai mais longe e acredita que a FIFA e a UEFA - e em Portugal, a FPF - “têm a obrigação de, se o futebol necessitar, exigir regras aos clubes, nomeadamente garantindo os postos de trabalho e apoiando, evitando o colapso da indústria do futebol”.
Reduções salariais? “Hipótese mais do que provável”
Contactado pelo JE, o diretor do Instituto Português de Administração de Marketing (IPAM) e especialista em marketing desportivo, Daniel Sá, afirmou que uma eventual redução salarial nos vencimentos dos futebolistas, em Portugal, “é uma hipótese mais do que provável”.
Porquê? “Os clubes à data de hoje mantêm os custos que tinham e ficaram esvaziados praticamente de um dia para o outro de quase todas as receitas que tinham. Ora, não há nenhuma empresa que consiga funcionar nesse sistema”, respondeu.
Para este académico, apenas falta saber de que forma a hipótese de rever os salários dos atletas vai avançar. E nesse ponto, também defende que uma negociação não deve ocorrer diretamente entre um clube e um jogador. “Seria melhor que fosse a própria Liga a comandar de alguma forma este processo, com algumas regras, porque senão os desequilíbrios serão ainda maiores”.