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Jakub Kalenský: "Combate à desinformação? Portugal está a agir e isso é muito positivo"

O JE falou com um dos maiores especialistas mundiais no combate à desinformação em Florença (Itália) no evento "Estado da União". Avalia de forma positiva a forma como Portugal está a agir mas admite que há uma grande diferença de velocidade e de orçamento que deixa os europeus vulneráveis às ameaças do Kremlin.

Antes de se especializar no combate à desinformação, o checo Jakub Kalenský foi jornalista. Desde 2015, e ao serviço da task force East StratCom que pertence ao Serviço Europeu para a Ação Externa, foi responsável na consciencialização a propósito da desinformação e operações híbridas provenientes do Kremlin. Fez parte da task force que monitorizou as eleições ucranianas a partir de 2018 e testemunhou no Parlamento Europeu e no Congresso norte-americano no sentido de expor a ameaça russa e dar a conhecer a forma de a combater.

Em entrevista ao JE, este especialista que atualmente desempenha funções no Hybrid Influence COI, alerta para o facto das autoridades europeias não estarem a agir rápido o suficiente para combater a desinformação e de a Comissão Europeia estar a gastar milhões para fazer face a uma "máquina" russa com biliões de orçamento todos os anos.

Bruxelas tem armas suficientes para combater a desinformação proveniente de Moscovo?

Creio que temos em Bruxelas um conjunto sólido de boas iniciativas ao nível do combate à desinformação com a equipa que integrei anteriormente, a task force East StratCom que pertence ao Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE). Parece-me que nesse aspeto estamos na direção certa. O que me preocupa mais é se estamos a avançar de forma rápida o suficiente. Parece-me que os russos estão a tornar-se significativamente mais agressivos no domínio do roubo de informação e estão a gastar muito mais dinheiro. Estamos a falar de biliões de dólares todos os anos. Quando comparamos com o orçamento da minha antiga equipa, que eram 12 milhões de euros... eles gastam biliões e nós investimos milhões.

É uma diferença brutal.

E não sabemos ao certo quanto é que estão a gastar, isso também é algo problemático. O orçamento conhecido para os media estatais da Rússia (pseudo media porque nada tem a ver com aquilo que o JE faz, por exemplo) é de 1,5 mil milhões de dólares. E esta é apenas uma fração daquilo que estão a fazer. A verba destinada para os serviços militares e de segurança, e todas as embaixadas a nível mundial estão envolvidas nisto, são dezenas de milhões, assim como a documentação que é remetida para os partidos que estão a amplificar essa mensagem. Os serviços secretos ucranianos expuseram a campanha Maidan-3 que aconteceu no Telegram e que visava desestabilizar a população ucraniana através de desinformação: só essa campanha custou 1,5 mil milhões de dólares. Fazendo a contabilização, estamos nos quatro a cinco mil milhões de dólares. E essa é apenas uma fração.

Sendo assim, como devemos agir?

Creio que devemos continuar a fazer o trabalho que temos feito mas de forma muito mais potenciada. Onde temos equipas de cinco pessoas temos que ter cinquenta. E não podemos manter esse trabalho ao nível das instituições, temos que exigir que seja dado mais apoio à sociedade civil, aos media que têm uma missão tão importante e que andam numa luta tremenda por melhores recursos. Mais uma vez: estamos na direção certa mas temos que acelerar porque os russos estão a crescer muito rapidamente.

Os Governos europeus estão a fazer o seu papel ou deveriam ser mais ativos na defesa de temas como a imigração, por exemplo?

Temos que mobilizar todas as instituições. Se digo que a Comissão Europeia tem que dar o passo em frente, assim como a sociedade civil e os media, esse esforço inclui naturalmente os Governos dos países. O facto de termos problemas reais nas nossas sociedades potencia o discurso dos maus protagonistas sobre essas questões e amplificam potenciais problemas. Temas como a imigração, os direitos LGBT, o Covid há uns tempos... há sempre qualquer coisa para acontecer. Sempre que há um tópico destes, isso atrai muito a atenção mediática e os desestabilizadores também vão amplificar porque eles competem pela mesma atenção do público. Dá-se o mesmo conteúdo mas com um sabor diferente. Portanto, temos que fazer um melhor trabalho. Vamos sempre ouvir alguém dizer: somos culpados por demonstrar esta fraqueza e não sei se estou totalmente convencido com este argumento. Queremos ter essas fraquezas porque queremos ter um debate aberto, mas para isso, temos que ter a certeza que ninguém de fora está a interferir e a fazer com que os problemas pareçam piores do que são.

Depois temos a questão da polarização.

Sim, percebemos que em países em que a sociedade está menos polarizada, como os países nórdicos, existe uma maior capacidade de evitar a desinformação. Veja-se o que está a acontecer nos EUA, em que todas as questões são polarizadas ao ponto das pessoas odiarem-se umas às outras.

Num ano de eleições, existe a perspectiva de que a extrema-direita possa começar a ganhar eleições. É de esperar que enquanto Governo façam algo para combater a desinformação?

Está absolutamente correto nessa análise. Temos alguns países em que os partidos mais extremados e populistas estão a ganhar terreno a cada ato eleitoral. Estes são os países que precisam de um maior apoio ao nível da sociedade civil: se o Governo não vai fazer nada para combater o fenómeno, ninguém vai ter essa iniciativa a nível nacional. Naturalmente que a sociedade civil vai ter que ter o apoio dos media nesse aspeto. Portanto, este problema tem que ser atacado a partir da raiz. Seria melhor ter um Governo cooperante mas isso pode simplesmente não acontecer. Daí que seja importante apoiar a pluralidade para confrontar os regimes autocráticos que tendem a destruir os media livres. Apoiar os media ajuda-nos a proteger a democracia.

Que papel cabe a países como Portugal nesta questão?

Existem rankings de literacia mediática que por norma são liderados por países nórdicos. Apesar do meu conhecimento da situação portuguesa ser muito superficial, alguns dos debates que tive com colegas portugueses permitiu-me perceber que existe a implementação de alguns programas de literacia de media. Talvez faltem ser enquadrados no sistema educativo mas parece-me que há algo que está a ser feito e isso é muito positivo. Por vezes, existem caminhos diferentes para chegar ao mesmo objetivo e não temos que esperar décadas para ver resultados de programas de literacia mediática. Não aconteceu da noite para o dia na Suécia ou na Finlândia. Veja-se a forma como os países do báltico ou a Ucrânia lidam com a desinformação russa.

 

* O jornalista viajou até Florença (Itália) a convite da Microsoft