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"IVA a 23% nas refeições congelados é desonesto para o consumidor e para a indústria"

As refeições pré-feitas e produtos transformados (congelados, para simplificar) pagam a taxa de IVA máxima, tal como a indústria alimentar. Por considerar que o momento de inflação já pressiona demasiado os bolsos das famílias portuguesas, a CIP já pediu reunião com o primeiro-ministro (que negou) e Finanças para discutir a transição para os 6%, deixando de penalizar os portugueses.

Quem nunca comprou uma refeição congelada por ser mais barata e prática que atire a primeira pedra. Quem precisa deste tipo de refeições para equilibrar o orçamento familiar que atire a segunda.

Por estas refeições constituírem estas duas importantes vertentes, a Confederação Empresarial Portuguesa (CIP) pede a redução para a taxa IVA mínima de 6%, sendo que atualmente se encontra na mais elevada, de 23%. Está nos 23% desde 2010, quando o governo PS de José Sócrates subiu o imposto para a taxa máxima, numa medida que se dizia ser "provisória". Ainda hoje está em vigor.

Para abordar este tema, o Jornal Económico falou com Manuel Tarré, presidente do conselho de administração da Gelpeixe, da Associação da Indústria pelo Frio e Comércio de Produtos Alimentares (Alif) e da Associação Nacional de Comerciantes e Industriais de Produtos Alimentares (ANCIPA), além de também ser diretor da CIP.

A discussão do IVA a 6% faz parte do Pacto Social da CIP a apresentar para o Orçamento do Estado para 2024. Faz sentido ser agora?
Há muitas associações setoriais alimentares a manifestar desagrado junto do Governo e a requerer uma revisão do IVA nos produtos transformados em Portugal. Quando fazemos uma comparação entre Portugal e outros países da União Europeia, vemos que estamos a pagar três vezes mais do que os outros. Como posso entender isto de uma forma sensata?
Entendo que o Governo, os vários governos de diferentes cores políticas, nunca deram a devida importância a este assunto. Este tema ganha mais importância quando o primeiro-ministro ganha as eleições e passa o IVA da restauração de 23% para 13%, que era uma das suas bandeiras.

Portugal diferencia-se dos restantes países europeus quando se aborda o IVA alimentar?
Está completamente desfasado. Enquanto Portugal cobra 23%, os outros países cobram entre 5% e 10%. Neste momento, o Governo tem arrecadado mais impostos e mais receitas fiscais do que o habitual, esta é uma forma justa de repor, perante os menos favorecidos, o poder de compra.
Neste caso, baixa a inflação e dá acesso a que as pessoas tenham a comida mais barata. Isto é, de facto, algo muito importante a trazer para a mesa das negociações. Esta medida provoca uma travagem da inflação e a justiça social.
Qual é a lógica de pessoas sensatas que não têm muito dinheiro? Não vão à restauração. Compram uma pizza, um pastel de bacalhau, arroz de pato. Isto está tudo taxado a 23% [nos supermercados e indústria], mas se for à restauração, estes mesmos alimentos estão taxados a 13%.

Qual é a diferença?
Terá de perguntar aos políticos deste país. Foi preciso a CIP abraçar este assunto para ver o tipo de desonestidade perante o povo e consumidor português.
A indústria agroalimentar é a indústria que mais emprega em Portugal. Temos cerca de 119 mil trabalhadores diretos e meio milhão de trabalhadores indiretos.
Não é justo nem sensato que se penalize as alimentações que são produzidas nas fábricas de Portugal, a 23%, tratando esses bens como produtos de luxo.

Os 23% é tanto para a indústria como para o consumidor?
Exato. É desonesto para os dois lados. Eu entendo que quando se compre uma gravata ou um casaco, por se demorar a estragar ou se usar até deixarmos de gostar, se pague o IVA mais elevado, mas neste caso as pessoas precisam de comer.
Na altura, José Sócrates subiu o IVA para 23% e foi claro que seria uma medida provisória. Mas este provisório já atravessou vários governos. Portanto, isto carece de justiça.

Em 2010.
Entendemos que o Governo tem de apagar fogos em várias frentes, mas este assunto nunca foi visto com o impacto que tem nos portugueses. Mas agora está a ser visto com o verdadeiro impacto.
Não é correto que um indivíduo compre um pastel de bacalhau, que é o exemplo mais caricato, ou compre um pão congelado e pague 23%. Depois vai a um restaurante comer um bife e paga 13%.

Qual a importância deste debate?
Nós estamos a apoiar a indústria portuguesa, que é um dos pontos mais importantes deste debate. Estamos dispostos a assinar diversos compromissos com entidades algo sensato e dizer que 17% de diferença vão diretamente para o bolso do consumidor e não ficam nas indústrias ou comércio.Por exemplo, um produto que hoje custa dez euros, passa a custar 8,30 euros. Um de cinco euros passa para 4,15 euros.
Não são os 0% que temos no pacote em funcionamento e que está em linha com o que alguns países europeus fizeram para baixar as taxas de alguns produtos. Aqui, estamos a falar de produtos transformados que vão ao encontro das pessoas da terceira idade que vivem sozinho e compram bacalhau à brás para fazer em casa...

Ou de estudantes que pagam por um quarto.
Exato. Isto são coisas alimentares básicas.
Parece-me que estamos no momento de pedirmos ao governo que analise este caso com a honestidade que ele merece, e que de uma forma sensata reduza o IVA no nível em que devia estar. O Estado não está a fazer o seu papel social como deveria ser para manter esta situação.

Esta seria uma medida que faria o Estado perder 110 milhões, segundo os vossos estudos com a Deloitte e Nielsen.
Não perde porque passa a haver mais consumo. Com o IVA a 6% haverá mais consumo. Desde que haja esse compromisso, e certamente que indústria era a primeira a dar esse passo, aceitando em manter as margens de lucro.

Aqui não aumentam as margens?
As margens são para manter. O que aumenta é o consumo.

Acha que o Governo está disposto a negociar?
Espero que o Governo desta vez nos oiça de uma forma como não ouviu até agora. Todas as entidades com quem falei estão em linha connosco, que é uma medida perfeitamente sensata. É preciso ser sensata e depois colocar se na prática. Nestas situações, era bom os decisores sentarem-se no lugar dos outros. Se nós tivermos a decidir com dinheiro que não é nosso e realmente tomamos decisões mais leves, enquanto que se o dinheiro for nosso, existe uma aproximação mais cuidadosa.
Espero que os decisores tratem este caso como se o dinheiro fosse deles. Não faz sentido continuar a penalizar os portugueses com o IVA a 23% em qualquer produto alimentar, como se ele fosse um produto de luxo. Não pode. 

E esta redução para 6%. O que significa também para a vossa indústria?
Traduz-se imediatamente num aumento de vendas. Baixa o preço e aumenta a procura. Não estamos a ganhar nada sem ser isso. Este é um problema de justiça social mas também do aumento das nossas vendas por baixa de preço. A um preço mais baixo, vendemos mais. Temos quase toda a indústria nacional bem dimensionada, está modernizada e tem capacidade de responder mais a mais exigências e mais pedidos.

E a vossa proposta é que seja transversal a todos os produtos transformados?
Vamos ver a situação de um português com pouco dinheiro: vai a uma pastelaria, pede um sumo e um pastel de bacalhau e esta é a sua refeição. E tudo isto é 23%? Dizem que tem açúcar e sal e que deve ser penalizado. Aqui estou de acordo mas tem de ser para toda a Europa, não só Portugal.
Isso é outra taxa que se pode trazer, não é inserir no IVA da alimentação. Numa pastelaria, não é correto que os produtos sejam taxados a 23% quando nos demais países da Europa estão muito abaixo. Por exemplo um iogurte.

Seria uma refeição a meio da manhã.
As pessoas pagam 23% pelo iogurte. No outro dia falavam-me da tosta mista. Uma tosta mista tem o queijo a 6% e o fiambre a 23%. São ambos de origem animal mas pagam IVA diferentes.
Isto não é possível ser verdade. Isto é um disparate completo que cria mais injustiça fiscal, que também provém da Autoridade Tributária, que não tem a agilidade do mercado e dos empresários.
Há produtos mais difíceis de avaliar.  Mas há que ter sensatez e sairmos deste formato que está mal há muito tempo. Por ser uma tradição, porque já atravessa vários governos, não quer dizer que não se tenha de alterar. 

Por exemplo, o vinho paga 13% de IVA.
Essa é uma observação muito pertinente, mas o vinho, por razões de defesa vinícola, passou para 13% e tem, do nosso lado, toda a aceitação. Mas se o vinho tem a nossa aceitação, um pastel de bacalhau não pode ter 23% ou uma pizza, uma salsicha enlatada. Tem de ter tudo 6%.
Acho este apoio perfeitamente sensato mas o vinho é um complemento da refeição. Os bens essenciais à refeição não podem ter um nível superior ou um complemento, têm que ser taxados ao IVA mais baixo.