A crescente frustração entre os membros do Likud, o partido primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu, face ao impasse em que o país está ao cabo de mais de três meses de guerra e principalmente o enorme mal-estar que está a resultar internacionalmente como resposta às ações de guerra pode levar à substituição do ‘velho’ líder.
O principal político da oposição, o ex-primeiro-ministro Yair Lapid, disse esta terça-feira que o seu partido, o Yesh Atid, está pronto para votar a favor da substituição de Netanyahu por Yuli Edelstein (também do Likud), ou por Benny Gantz ou Gadi Eisenkot, ambos do partido Azul e Branco – que é da oposição mas está presente no gabinete de crise criado por Netanyahu depois de 7 de outubro.
"Nos últimos dias, cresceram os temores de uma rebelião contra Netanyahu no partido Likud e de um movimento conjunto com a oposição para o derrubar, refere alguma imprensa israelita. As críticas ao partido e à coligação vindas de membros do Likud aumentaram nos últimos dias. Lapid disse que Netanyahu "não está qualificado para liderar o país".
É neste quadro que cresceram os apelos para a realização de novas eleições em Israel – que, segundo alguns analistas, já são inevitáveis. Não em tempo de guerra (em princípio), mas logo a seguir ao fim deste momento crítico de confronto em Gaza. O medo de todos é que Netanyahu prolongue indefinidamente esse momento crítico para se manter no poder.
Sondagens de opinião realizadas pela media israelitas nos últimos dias sugerem que, se houvesse eleições antecipadas, Netanyahu seria incapaz de formar um governo, enquanto Gantz é considerado o provável vencedor.
Mesmo assim, e segundo os jornais israelitas, a frente das negociações está muito ativa. Uma delas decorre no Qatar, onde várias delegações tentam fazer regressar o cessar-fogo, desta vez mais demorado que o anterior (de seis dias) – a base é a mesma: cessar-fogo em troca de reféns.
Outra das frentes acontece na Jordânia. O presidente egípcio, Abdel Fattah el-Sissi, disse que fornecer mais ajuda aos palestinos em Gaza requer uma "postura decisiva" da comunidade internacional para pressionar por um cessar-fogo. De acordo com um comunicado da presidência egípcia, Sissi reuniu com o rei Abdullah da Jordânia e com o presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, na cidade jordaniana de Aqaba, no Mar Vermelho, onde os três líderes rejeitam o que disseram ser quaisquer esforços ou propostas destinadas a "liquidar a causa palestiniana".
Em comunicado conjunto, Sissi e Abdullah, os dois líderes enfatizam que a comunidade internacional deve aumentar a pressão sobre o governo de Netanyahu no sentido de acabar com a "agressão" de Israel contra Gaza e proteger os civis. As três entidades disseram ainda que rejeitam quaisquer planos israelita para separar Gaza da Cisjordânia, acrescentando que as duas entidades são a base de um futuro Estado palestiniano.
A referida pressão internacional está neste momento concentrada dos Países Baixos, onde decorrer a partir desta quinta-feira o processo contra Israel levantado pela África do Sul junto do Tribunal Internacional de Justiça. É a primeira vez na história que o Estado hebraico se senta no banco dos réus no tribunal de Haia, acusado de genocídio.
Para a imprensa israelita, embora a ideia de que Israel está a cometer genocídio na guerra em Gaza (assassinando intencionalmente civis palestinianos), possa parecer estranha para alguns, as alegações são extremamente sérias e uma decisão contra Israel pode ter um impacto severo no seu estatuto internacional. África do Sul apresenta em tribunal os números dos mortos (e a sua relação de grandeza com os mortos israelitas de 7 de outubro), mas também as inúmeras declarações inflamadas feitas por ministros do governo de Israel sobre os palestinianos em Gaza.
Comentários problemáticos, racistas ou ainda piores proferidos pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, pelo ministro da Defesa, Yoav Gallant, pelo ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, e pelo ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben Gvir, todos membros do gabinete de segurança que toma decisões políticas sobre o processo da guerra, fazem parte da acusação.
Para os especialistas, embora uma decisão final provavelmente leve anos, a África do Sul solicitou ao tribunal que emita ordens provisórias contra Israel que podem variar entre exigir um cessar-fogo total e imediato – a que Israel e os EUA se opõem firmemente – a ordens mais moderadas, como insistir na possibilidade de aumentar a ajuda humanitária. Mas se a decisão final pode demorar, uma decisão provisória contra Israel teria um impacto considerável.
O pedido da África do Sul (que tem 84 páginas)ao tribunal alega que Israel violou vários artigos da Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio - da qual Israel é signatário – incluindo cometer genocídio, incitação ao genocídio, tentativa de genocídio e falha em punir o incitamento ao genocídio. O facto de cerca de 70% das vítimas de Gaza serem mulheres e crianças é um detalhe não-despiciendo.
O documento apresentado pela África do Sul também detalha o acesso reduzido dos habitantes de Gaza a alimentos, água e tratamento médico como resultado da guerra e das políticas israelitas em relação à entrada do que quer que seja na Faixa de Gaza.
Segundo as mesmas fontes, o principal representante legal de Israel no tribunal de Haia, o advogado britânico Malcom Shaw, argumentará que as baixas civis são o resultado não intencional do objetivo de guerra de destruir o Hamas e do facto de o grupo radical se ter entrincheirado entre a população civil.
Os procedimentos iniciais que ocorrerão esta quinta e sexta-feira tratarão do pedido da África do Sul para que o tribunal ordene medidas provisórias e imediatas contra Israel com base nas acusações de genocídio. Para isso, o tribunal não terá de decidir que Israel é culpado, mas tão-somente que há considerações plausíveis nesse sentido.