No mesmo dia em que ficou a saber-se que o Tribunal Penal Internacional (TPI) pediu a emissão de mandados de captura internacionais contra o primeiro-ministro e sobre o ministro da Defesa (Yoav Gallant) de Israel, o governo de Benjamin Netanyahu teve de combater três moções de desconfiança apresentadas no Knesset (o Parlamento). Um dia antes, um seu colega do governo, Benny Gantz – líder da oposição – dizia em entrevista largamente divulgada pelas televisões do mundo ocidental que acreditava que a vida política de Netanyahu estava a chegar ao fim. Única vantagem de Netanyahu: a sua morte política já foi anunciada diversas vezes e até hoje nunca foi confirmada.
Para esse fim apontam todas as sondagens realizadas em Israel: a possibilidade de, perante eleições, Benjamin Netanyahu continuar à frente de um governo são praticamente nulas. Do outro lado está exatamente Gantz, que lidera todas as sondagens – e tem por isso interesse político em acabar com o governo (ou gabinete de guerra) de que faz parte. As sua palavras durante o fim-de-semana não foram suficientes para descansar o líder do governo de que faz parte.
Recorde-se que o TPI também lançou mandados de captura sobre o Hamas: Yahya Sinwar, líder do grupo, Mohammed Al-Masri, comandante das Brigadas Al-Qassam, e Ismail Haniyeh, chefe do gabinete político, estão igualmente indiciados pelo tribunal com sede em Haia. Após investigação (em curso há meses) e recolhidos indícios suficientes, os procuradores do Tribunal consideraram os líderes de Israel responsáveis por diversos crimes de guerra e crimes contra a humanidade, nomeadamente no enclave de Gaza.
De nada valeu à dupla Netanyahu-Joe Biden vociferar contra o TPI. O primeiro voltou à retórica do antissemitismo para desconsiderar a decisão do tribunal e o gabinete do presidente dos Estados Unidos emitiu um comunicado em que anuncava a decisão como “vergonhosa e ilegal”. O Tribunal de Haia respondeu pedindo respeito pela “independência e imparcialidade” com que pauta as suas decisões.
Na frente caseira, as três moções de desconfiança ao governo foram apresentadas pelos partidos de oposição Yesh Atid, Trabalhista e Hadash-Ta'al, evidentemente derrotadas no plenário do Knesset, depois de não conseguirem a maioria necessária.
"Li a carta que os membros do Likud estão agora a assinar contra o decreto de Haia para apresentar um mandado de detenção contra o primeiro-ministro israelita. Nós assinamos. Será um documento da coligação e da oposição. Mas onde está a carta de todos os membros do Likud dizendo que não descansaremos até que todos os reféns voltem para casa? Onde está a carta de todos os membros do Likud que dizem que devolveremos os habitantes do norte de Israel até o dia primeiro de setembro?", pergunta o líder da oposição, Yair Lapid, antes da votação da moção do seu partido. "Com este governo, não vamos ganhar a guerra", declarou, chamando os governantes de "descuidados e pouco profissionais".
As declarações do ex-primeiro-ministro Lapid mostram um facto para que alguns analistas têm chamado a atenção: as reservas dos israelitas face a Netanyahu não acontecem por causa de qualquer exagero desproporcionado na aplicação da força militar contra os palestinianos, nem pela extensão dessa aplicação, nem mesmo por já terem morrido mais de 35 mil palestinianos. As reservas acontecem porque, como afirmou ao JE o embaixador Seixas da Costa, os israelitas estão convencidos que o primeiro-ministro não foi suficientemente incisivo na guerra contra o Hamas até ao ponto de conseguir trazer de volta os reféns. Para muitos israelitas, a pouca ousadia de Netanyahu ficou ainda mais evidente com a resposta que o país produziu ao ataque do Irão: foi demasiado brando, demasiado suave, demasiado impercetível para os iranianos, principalmente numa altura em que (depois do ataque de Teerão), os parceiros ocidentais ‘fechariam os olhos’ a qualquer ‘exagero’ israelita.
A ‘paz’ com Teerão
Ao mesmo tempo, a morte (desta vez não metafórica) do segundo maior inimigo de Benjamin Netanyahu, Ibrahim Raisi (o primeiro será com certeza Ali Kahmenei), lançou sobre Israel todas as dúvidas. Nenhum analista comummente aceite como sensato nem nenhum político minimamente sábio colocaram a hipótese de sabotagem ou atentado israelita por trás da morte de Raisi. Teria sido demasiado ousado – e nem as agências estatais iranianas falam de semelhante possibilidade.
Para já, em tempo de luto (cinco dias no Irão, três no Líbano, um no Paquistão, pelo menos), o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas iranianas, major-general Mohammad Bagheri, designou uma delegação de altos quadros para investigar o caso do acidente de helicóptero. A delegação é chefiada pelo brigadeiro Ali Abdollahi, foi enviada ao local do incidente e a investigação já começou. “Os resultados das investigações serão anunciados mais tarde, quando a missão for concluída”, refere a agência IRNA.
As dúvidas de Israel têm a ver com o futuro: irá o regime de Teerão abrir-se um pouco, respondendo aos anseios das camadas mais jovens da população? Ou, ao contrário, Israel continuará a ser a ‘cola’ que permite ao regime ter um inimigo suficientemente válido e identificável como tal para ‘segurar’ a hegemonia em torno dos aiatolas? Para os mais esclarecidos, as respostas são: não e sim. O mais provável é que não haja qualquer abertura do regime e Israel e o sionismo continuem a ser apresentados como ‘os’ inimigos a abater.
Entretanto, uma série de líderes europeus, com certeza radicados nas obrigações das alianças trans-atlânticas, disse que a decisão do TPI era um exagero “desnecessário”. "Esta ação não é útil em relação a alcançar uma pausa nos combates, retirar reféns ou receber ajuda humanitária", disse um porta-voz do governo britânico liderado por Rishi Sunak.
O primeiro-ministro checo, Petr Fiala, chama a decisão do procurador do TPI "terrível e completamente inaceitável". "Não devemos esquecer que foi o Hamas que atacou Israel em outubro e matou, feriu e sequestrou milhares de pessoas inocentes". "Foi este ataque terrorista completamente não provocado que levou à atual guerra em Gaza e ao sofrimento de civis em Gaza, Israel e Líbano", escreveu nas redes sociais.
Ainda sobre estes assuntos, e depois de a União Europeia ter enviado "sinceras condolências" pela morte Ebrahim Raisi, Geert Wilders, líder do novo partido no poder nos Países Baixos, escreveu na rede "Not In My Name!".
Refira-se ainda que Israel tem estado em contacto com o gabinete do procurador do TPI nas últimas semanas, apurou o jornal “The Times of Israel”. Autoridades israelitas esperavam receber representantes do TPI a partir desta terça-feira para uma visita preliminar para planejar uma visita oficial de Karim Khan, o procurador-chefe que emitiu os mandados.
Israel estava pronto para receber Khan para lhe mostrar como as decisões de guerra são tomadas, onde os especialistas de Direito encaixam no processo de tomada de decisão, como os ataques são aprovados nas IDF (as forças de defesa do país) e o que Israel está a fazer em torno da ajuda humanitária. Neste contexto, diz o jornal, a decisão do TPI apanhou o governo de Israel de surpresa, que agora acusa Khan de “correr atrás das manchetes".