Há quem diga que o ministro da Segurança de Israel, Ben-Gvir, sofre de uma perturbação profunda da personalidade, que o levaria a dizer coisas sem pensar nas consequências das suas palavras. E se isso não é significativo numa roda de amigos, vindo da parte de um ministro de um gabinete que tenta sobreviver aos tempos de guerra, pode parecer mais estranho. Desta vez, Ben Gvir – que no início do ano passado quase conseguiu ativar uma guerra entre Israel e a Jordânia (exatamente por causa da mesquita de Al-Aqsa) – decidiu considerar apropriado afirmar que veria como natural, saudável e exequível que Israel mandasse arrasar a mesquita e em seu lugar construísse uma sinagoga.
O plano – qualquer coisa entre o anedótico e o imbecil – fez despoletar uma torrente de críticas e colocou ainda mais pressão sobre o momento político que Israel atravessa. Esse parece ser, aliás, o propósito das suas palavras: extremar de tal ordem as relações entre Israel e o mundo islâmico que, em primeiro lugar, não haja qualquer hipótese de um cessar-fogo; e, em segundo, contribuir para uma espécie de solução final, que passaria pela expulsão dos palestinianos de Gaza (e já agora também da Cisjordânia) e pela tomada de posse do enclave por parte de Israel. Ben-Gvir usou financiamento do seu partido para colocar propaganda nos jornais israelitas contra o chefe do Shin Bet, a ‘secreta’ doméstica, Ronen Bar. Nos anúncios publicados em páginas inteiras no passado domingo, uma grande foto do diretor da agência de segurança era acompanhada pela legenda anexada “Ronen Bar falhou em 7 de outubro e está a levar Israel para outro desastre. Dizemos ‘não’ a um acordo imprudente" – referindo-se às negociações para um cessar-fogo. Vale a pena recordar que Ronen Bar deu a conhecer uma espécie de carta aberta enviada ao primeiro-ministro e a outros membros do seu gabinete com a sua opinião sobre o perigo representado por Ben-Gvir, depois de o ministro ter mais uma vez subido ao Monte do Templo, no dia de jejum judaico de Tisha B'Av, e ter alterado o frágil estatuto internacional (gerido pela Jordânia) do lugar. Bar explicava, entre outras coisas, que é impossível assegurar um mínimo de ordem perante as ações do ministro – coisa que todo o gabinete sabe há muito.
“O ponto principal é que o ataque contra Bar é bom para Netanyahu. Qualquer um que manche a legitimidade dos chefes dos serviços de segurança e os culpe pelo 7 de outubro ajuda a distanciar Netanyahu da esfera de responsabilidade. Às vezes é o ministro da Cooperação Regional David Amsalem a fazê-lo, às vezes é a ministra dos Transportes Miri Regev, às vezes é o deputado Tali Gotliv e às vezes é Ben-Gvir. No que diz respeito ao primeiro-ministro, quanto mais, melhor”, escreve o analista Shalom Yerushalmi no jornal “The Times of Israel”. E continua: “o próprio Netanyahu não parece entender que Ben-Gvir está a atacar o chefe do Shin Bet, mas na realidade tem na mira o primeiro-ministro. Ben-Gvir explica à extrema direita quase diariamente como Netanyahu é fraco e está a constituir-se como a voz decisiva - no Monte do Templo, no policiamento, na estratégia relacionada com os reféns e na política israelita em geral”. No passado domingo, o gabinete aprovou por unanimidade a nomeação do candidato de Ben-Gvir a comissário de polícia, Daniel Levy. Pior era difícil.
Perante este cenário, as negociações no Cairo não podiam estar a correr bem. Segundo os jornais israelitas, não foi possível chegar-se a qualquer acordo nas negociações que recomeçaram no domingo, uma vez que tanto o Hamas como Israel não quiseram avançar para um quadro de compromisso apresentado pelos mediadores.
Falando em Halifax, no Canadá, o conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan, disse que Washington ainda está a trabalhar "febrilmente" no Cairo com os mediadores egípcios e qataris, bem como com os israelitas, para obter um cessar-fogo e um acordo para o regresso dos reféns. Mas, por muito bom que isso fosse para a política interna e para o Partido Democrata, nada indica que venha a ser possível.
Os principais pontos de discórdia são a presença de Israel no chamado Corredor Philadelphi, um estreito trecho de terra de 14,5 km de comprimento ao longo da fronteira sul de Gaza com o Egipto. Os mediadores apresentaram uma série de alternativas à presença de forças israelitas no Corredor Philadelphi, bem como no Corredor Netzarim, que corta o meio da Faixa de Gaza, mas nenhuma foi aceita pelas partes.