Esta quarta-feira ficou conhecido que os líderes árabes estão a pressionar em favor da criação de um Estado palestiniano e levarão essa necessidade à reunião que vão manter no Bahrein esta quinta-feira para definir um plano de reconstrução pós-guerra em Gaza. Os árabes sabem que terão forte oposição quer de Israel quer dos Estados Unidos.
Mas o quinteto árabe dos Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Qatar, Jordânia e Egipto deixou claro que o seu apoio financeiro e político, que seria crucial para o futuro da destruída Faixa de Gaza, tem um custo. "Temos coordenado isso de perto com os palestinianos. A reconstrução precisa de ser realmente um caminho para um Estado palestiniano", disse o ministro das Relações Exteriores saudita, o príncipe Faisal bin Farhan, numa reunião do Fórum Económico Mundial em Riad no mês passado.
Não é a primeira vez que líderes árabes se reúnem para traçar um caminho para uma solução de dois Estados, única forma, acreditam, de desanuviar as tensões no Médio Oriente. A Liga Árabe, composta por 22 membros, reúne no Bahrein esta quinta-feira. Os países árabes estão "a pressionar os Estados Unidos para conseguirem duas coisas: estabelecer um Estado palestiniano e reconhecê-lo nas Nações Unidas", disse um diplomata árabe citado por vários jornais do Médio Oriente. “O que está atualmente a impedir esses esforços intensivos é a continuação da guerra e a rejeição intransigente de Netanyahu", disse o diplomata.
Os líderes árabes têm tentado trabalhar com o governo Biden para apoiar o chamado plano day after. No centro do plano está a reforma da Autoridade Palestiniana para abrir caminho a uma administração reunificada da Cisjordânia e da Faixa de Gaza. Recorde-se que a Autoridade quase não tem influência sobre Gaza desde que o Hamas tomou o controlo do território em 2007.
Evidentemente, Israel tem outros planos – que não passam pela existência de dois Estados, como deixou claro o embaixador israelita em Portugal, Dor Shapira, quando há algumas semanas foi entrevistado pelo JE.
Documentos do gabinete do primeiro-ministro publicados online mostram que o governo gizou um plano para revitalizar a economia de Gaza, reintegrando-a na economia regional por meio de grandes infraestruturas e investimentos económicos – uma zona de livre comércio Gaza-Arish-Sderot que, de acordo com os documentos, levaria a três fases de desenvolvimento.
Segundo a imprensa que deu a conhecer o plano, nomeadamente o “The Jerusalém Post”, a primeira etapa, intitulada Ajuda humanitária, está prevista para durar 12 meses. Israel criará áreas seguras livres do controlo do Hamas, começando no norte e espalhando-as lentamente para o sul. Uma coligação de países árabes (Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egipto, Bahrein, Jordânia e Marrocos) distribuirá e supervisionará a ajuda humanitária nas áreas seguras. Os palestinianos de Gaza administrarão as zonas seguras sob a supervisão dos Estados árabes.
A segunda fase ocorreria nos cinco a dez anos seguintes, com a transferência da responsabilidade de segurança para Israel, enquanto a coligação árabe criaria um organismo multilateral (uma Autoridade de Reabilitação de Gaza) para supervisionar os esforços de reconstrução e gerir as finanças do enclave. A terceira fase, denominada "autogoverno", manteria o direito de Israel agir contra "ameaças à segurança" – mas o poder seria lentamente transferido para um governo local de Gaza ou um governo palestiniano unificado (com a Cisjordânia). O passo final seria os palestinianos administrarem Gaza de forma totalmente independente e aderirem aos Acordos de Abraão – criado em 2018 por Donald Trump, na altura presidente (em fim de mantado) dos Estados Unidos.
Os acordos (assinados pelos Emirados, Bahrein, Sudão e Marrocos) compreendem a retoma das relações diplomáticas dos países muçulmanos que os assinarem com Israel. Resta saber se o plano é aceite pela Liga Árabe.
Entretanto, o historiador israelita Ilan Pape – um dos chamados novos historiadores que reexaminaram de forma crítica a história de Israel e do sionismo e é reconhecido como uma autoridade na matéria, nomeadamente pela autoria da obra ‘A Limpeza Étnica da Palestina’ – refere que o que aconteceu durante a Nakba em 1948 e o que está a ocorrer atualmente na Palestina é comparável em alguns aspetos, mas acrescentou que "em muitos outros aspetos" a atualidade é "ainda pior".
O dia do Nakba de 1948, 15 de maio, o dia a seguir à independência de Israel decretada pela ONU, levou ao êxodo de mais de 750 mil palestinianos enquanto começava a guerra israelo-árabe. Em declarações à “Al Jazeera”, Ilan Pappe apontou para o maior número de palestinianos mortos em ataques israelitas nos últimos sete meses. E disse que, em 1948, "os massacres foram usados para persuadir as pessoas a sair".
"O que vemos agora são massacres que fazem parte do impulso genocida, ou seja, matar pessoas para diminuir o número dos que vivem em Gaza", acrescentou Pappe, professor de história na Universidade de Exeter. "A limpeza étnica é um crime terrível contra a humanidade, mas o genocídio é ainda pior", continuou. "Acho que estamos a ver uma transição do uso da limpeza étnica como o principal método de tomar o máximo possível da Palestina, com o menor número possível de palestinianos – estamos a usar um método muito mais letal, o do genocídio."
Corroborando as palavras do investigador – cujas obras são, em Israel, muito controversas – esta quarta-feira foi um dos dias de maior morticínio desde que a guerra teve início, em 7 de outubro passado. Segundo relatos da imprensa, mais de cem palestinianos terão perdido a vida apenas num dia.
Entretanto, o ministro das Relações Exteriores da Turquia, Hakan Fidan, discutiu os últimos desenvolvimentos sobre o acordo de cessar-fogo em Gaza com o chefe do lado político do Hamas, Ismail Haniyeh, esta quarta-feira. Fidan destacou a importância de alcançar um cessar-fogo imediato em Gaza e a entrega de fornecimentos vitais de ajuda humanitária para a área bloqueada por Israel.
No mesmo dia, o ministro também conversou com o seu homólogo norte-americano, Antony Blinken. Os dois discutiram os últimos desenvolvimentos em Gaza e a situação na Ucrânia. Fidan disse a Blinken que os ataques de Israel a Gaza são inaceitáveis.