O primeiro-ministro interino do Líbano, Najib Mikati, concedeu uma entrevista à AFP esta segunda-feira, 30 de outubro, em que disse que está a trabalhar para garantir que o seu país não se envolverá no conflito Israel-Gaza. Isto apesar do aumento dos incidentes entre o Hezbollah, a formação político-militar mais influente do Líbano, e as forças de defesa de Israel.
Mikati disse temer uma escalada, com as escaramuças fronteiriças a alimentarem a evidência, pelo menos na ótica dos observadores ocidentais, de que o Hezbollah, apoiado pelo Irão (tal como o Hamas), possa abrir uma nova frente de guerra com Israel.
"Estou a cumprir o meu dever para evitar que o Líbano entre na guerra", disse Mikati. "O Líbano está no olho do furacão", acrescentou. "Por enquanto, o Hezbollah administrou a situação de forma racional, e as regras do jogo permaneceram restritas a certos limites", disse Mikati – para se referir diretamente ao facto de continuar a haver escaramuças entre o Líbano e Israel desde 7 de outubro, tal como acontecia antes dessa data.
"Mas, ao mesmo tempo, sinto que não posso tranquilizar os libaneses", admitiu. “Não tenho uma resposta clara" sobre se a guerra, acrescentando que os desenvolvimentos posteriores "dependem dos desenvolvimentos regionais". Mikati disse que qualquer escalada pode se estender para além do Líbano: "Não posso descartar uma escalada”, afirmou, apesar de recordar que “há uma corrida para chegar a um cessar-fogo antes que essa escalada se espalhe por toda a região". "Temo que... o caos possa engolir todo o Oriente Médio", disse ainda.
O Líbano enfrenta a possibilidade de uma guerra essencialmente sem liderança, já que as divisões políticas que surgiram na sequência das últimas eleições (em maio de 2022) deixaram o país sem presidente ao longo de um ano, ao mesmo tempo que Mikati chefia um gabinete interino com cerca de um ano e meio. O Hezbollah ganhou as eleições (como é tradicional), mas desta vez sem maioria absoluta – num quadro institucional que é, ele mesmo, um caso sério de absoluta confusão, com lugares ‘marcados’ para determinados grupos étnicos e uma geral falta de representatividade e de democraticidade nas leis eleitorais.
Segundo a imprensa internacional, Mikati tem uma relação não-conflituosa que o grupo radical apoiado pelo Irão e que controla a política interna libanesa há várias décadas.
Najib Mikati, considerado o homem mais rico do país, assumiu o lugar de primeiro-ministro em setembro de 2021, após uma intensa crise política que sucedeu a seguir à explosão no porto de Beirute (em agosto de 2020). O então presidente Michel Aoun (um cristão maronita) anunciou Najib Mikati (um muçulmano sunita) como primeiro-ministro, o terceiro a assumir o cargo desde 2020. A inscrição’ religiosa não é um acaso: há um acordo político Civil que obriga a distribuição dos principais cargos por linhas étnicas. Na altura em que assumiu o lugar, Mikati disse que estava pronto para cooperar “seja com que for, menos com Israel".
Apesar da sua condição interina, Najib Mikati está em conversações diretas com o Qatar e o grupo de diplomatas e altos funcionários que estão naquele país da Península Arábica para tentar estabelecer um cessar-fogo. “O Qatar está a desempenhar um papel importante de mediação", disse Mikati. "A mediação quase teve sucesso na sexta-feira passada, mas foi interrompida quando os israelitas começaram as operações terrestres em Gaza".
Depois das eleições parlamentares de maio do ano seguinte, o impasse político aumento, precisamente porque o Hezbollah não ganhou com maioria absoluta. Desde então que o país está mais ou menos ingovernável e mais ou menos na bancarrota – com o FMI e os doadores internacionais a insistirem que novas injeções de capital têm de ser precedidas de medidas claras anti-corrupção. Mas nada de substancial terá sido feito até agora.
A explosão de 2020 apanhou o país no lugar de sempre: em crise financeira e económica. Logo a seguir, o país conheceu uma retração de 20,3% do PIB (no final de 2020), a inflação chegou aos 200% e a libra libanesa desvalorizou cerca 90%. De acordo com as Nações Unidas, cerca de 78% da população libanesa vivia então em situação de pobreza.
Recorde-se que em 2006, Israel e o Hezbollah travaram um conflito sangrento que deixou mais de 1.200 mortos no Líbano, a maioria civis, e 160 em Israel, a maioria soldados. Segundo os especialistas, o Hezbollah tem um arsenal de armas maior do que o próprio exército do Líbano.
A violência transfronteiriça matou pelo menos 62 pessoas no Líbano, de acordo com números da AFP, a maioria combatentes do Hezbollah, mas também quatro civis, incluindo o jornalista da Reuters Issam Abdallah.
Os libaneses estão cansados de conflitos, disse Mikati. Não é para menos: o país esteve em guerra civil de 1975 a 1990, passou pela ocupação israelita de 1982 a 2000 e pela guerra de 2006 com Israel.