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Israel aumenta influência no Sahel por via de Marrocos

Israel tem vindo a ter um papel crescentemente interventivo na região do Sahel graças à sua aliança com o regime marroquino promovida pela ex-administração Trump e mantida pela administração Biden.

A tentativa de Israel escapar ao bloqueio diplomático imposto pelos estados islamitas – patrocinada pelo antiga administração norte-americana liderada por Donald Trump e que tomou o novo de Acordos de Abraão, tendo sido bem acolhida pelo democrata Joe Biden – está a aumentar o poder de influência do Estado hebraico no Sahel, uma linha que percorre África de leste a oeste, logo abaixo dos países da África mediterrânica e que é muito rica em recursos naturais, nomeadamente combustíveis fósseis.

A denúncia é feita pela Associação de Amizade Portugal-Sahara Ocidental (AAPSO), que afirma que a aliança entre Israel e Marrocos (um dos países islâmicos que assinou os Acordos, juntamente com o Sudão, Bahrein e Emirados Árabes Unidos). “Esta aliança abrange um largo leque de áreas, desde a segurança às atividades económico-financeiras”, de que resulta a exploração “dos recursos naturais do Sahara Ocidental por empresas israelitas”.

Em junho a Frente Polisário – que exige a independência do Sahara Ocidental – denunciou a assinatura de um contrato, entre a empresa israelita NewMed Energy e as autoridades marroquinas, de ocupação “para a exploração e produção de gás natural” nas águas territoriais do Sahara Ocidental, frente à localidade de Bojador, violando as decisões dos tribunais da União Europeia (UE), nomeadamente a sentença de 29 de setembro de 2021 que confirmou os direitos de soberania do povo saharaui sobre as águas do Sahara Ocidental e os seus recursos naturais”, refere a AAPSO em comunicado. Além da NewMed Energy, também as empresas Ratio Petroleum, Selina Group e Halman-Aldubi Technologies, serão “agentes ativos no saque das riquezas do Sahara Ocidental”.

Como é costume nestas ‘trocas’ diplomáticas – assumidas pelo antigo ministro das Relações Exteriores de Israel Yair Lapid, que posteriormente seria primeiro-ministro antes do regresso de Benjamin Netanyahu – o sector da defesa também foi contemplado.

Desde pelo menos 2014 (apesar de Marrocos ter ‘aderido’ aos Acordos de Abraão apenas em 2021) que o exército marroquino tem comprado material de guerra, nomeadamente drones, a Israel. “Estas armas sofisticadas, entregues em 2020, são utilizadas nos bombardeamentos do exército marroquino contra o Exército de Libertação do Sahara Ocidental”, refere a AAPSO – que reporta vidências de que as compras de armamento por parte de Marrocos se intensificaram em 2021 e 2022: “Marrocos terá comprado um verdadeiro arsenal a Israel”, entre drones de vigilância, drones kamikaze e o sistema de interceção de mísseis e antiaéreos Barak MX.

“Não surpreende assim que as forças militares israelitas tenham participado, pela primeira vez, na African Lion, as maiores manobras militares no continente africano, cuja 19ª edição teve lugar na região de Tan Tan no sul de Marrocos, organizada pelos Estados Unidos através da NATO e para a qual foram convidados 18 países não-membros da aliança”.

Recorde-se que, a 17 de julho passado, o Estado de Israel reconheceu a soberania de Rabat sobre o Sahara Ocidental, o que, para a associação é “natural”: afinal, à luz do Direito Internacional, Israel é também um Estado na Palestina.

O ativista Mohammed Elbaikam afirmou, citado pelo documento divulgado pela AAPSO, que “Marrocos utiliza os mesmos instrumentos e métodos que Israel para reprimir os palestinianos, ocupando-lhes as suas terras e expulsando-os, roubando-lhes as suas riquezas e controlando-os”.

Esta relação tem contribuído para “envenenar ainda mais a unidade africana”, como, refere a associação, “ficou bem patente na 36ª Cimeira da União Africana (UA). Em causa estava a resolução, em julho de 2021, do presidente da Comissão da UA, o chadiano Moussa Faki Mahamat, que concedeu a Israel o estatuto de observador na organização pan-africana sem consultar os outros Estados, o que provocou um clima de tensão e mal-estar entre os Estados-membro, obrigando a adiar a decisão final para a cimeira seguinte, em 2022”.

Quando anunciou o reconhecimento da soberania de Marrocos sobre o Sahara Ocidental, Israel contou com uma improvável prudência das Nações Unidas – que assumiram há décadas que deveria ser organizado um referendo sobre a independência da região. “A nossa posição sobre a questão do Sahara Ocidental mantém-se inalterada” comentou Stephen Dujarric, o porta-voz do secretário-geral, citado pelo documento.

Do lado dos Estados Unidos, o equívoco substituiu a prudência: “o restabelecimento das relações entre Marrocos e Israel foi inequivocamente positivo para a região. E estamos ansiosos por trabalhar com estes parceiros próximos para expandir a paz", disse o porta-voz do Departamento de Estado, Matthew Miller, sobre os Acordos de Abraão. Mas Miller evitou comentar a decisão de Israel sobre o Sahara Ocidental e limitou-se a lembrar que os Estados Unidos reconhecem a soberania de Marrocos sobre o território desde 2020, quando Donald Trump ocupava a presidência.