Sem consultoria externa, o município de Ferreira do Zêzere conseguiu angariar perto de 20 milhões de euros em fundos comunitários para uma série de investimentos estruturantes e, espera-se, com impacto real nas populações, como a nova escola básica e secundária, a construção de novos fogos habitacionais e recuperação de outros já existentes, ou a requalificação do centro de saúde. Numa autarquia com um orçamento anual em torno dos 16 milhões de euros, com baixa população e no interior, este financiamento reveste-se ainda de maior importância, contribuindo para a fixação de pessoas e melhoria da qualidade de vida. Ao JE, o presidente da Câmara Municipal de Ferreira do Zêzere, Bruno Gomes, confessa que foi um trabalho árduo, mas garante que não quer ficar por aqui.
Quais os aspetos-chave num processo de captação de fundos tão bem-sucedido, sobretudo sem consultoria externa?
Antes de termos vencido as eleições, sempre entendemos que havia um grande défice nas oportunidades de financiamento. Assim que tomamos posse alteramos o organograma, criamos um gabinete de planeamento e estratégia liderado por uma pessoa devidamente capacitada para todos os processos inerentes à captação de investimento. Esse gabinete tem uma articulação muito grande com as diversas divisões. Identificamos os projetos prioritários e focamo-nos muito neles, além de termos cumprido com prazos – algo que me tenho apercebido que facilmente esbarram, por força seja dos gabinetes de arquitetura, seja dos pareceres das entidades, seja até internamente. Conseguimos também ter uma proximidade muito importante às entidades do Estado, até para pressionar e fazer pontos de situação, para que nada falhe. Não tivemos assessoria externa porque não sentimos essa necessidade e permite-nos internamente ter uma velocidade diferente, assim os técnicos queiram. É uma proximidade diária, fazemos pontos de situação praticamente ao dia, e isso permite-nos ter melhores resultados.
Os fundos captados excedem mesmo um orçamento anual…
Nunca teríamos capacidade para fazer estes investimentos. Rondamos sempre um orçamento de 12, 13 milhões de euros, este ano de 16 milhões (com saldo de gerência passa para 19 milhões), mas só o contrato financeiro da obra da escola é de 13 milhões. Seria completamente impossível avançar com tanto investimento ao mesmo tempo. Vai trazer-nos uma exigência muito grande ao nível de serviços e um dos problemas das câmaras pequenas é a falta de capacitação técnica, de ir concretizando. Houve um caminho de muita exigência para estarmos à frente, mesmo não tendo as mesmas condições de um município grande. Fizemos a identificação das áreas prioritárias, criação de um gabinete com a exigência de coordenar, juntamente com os outros serviços, os diversos trâmites que as candidaturas exigem, muito foco e proximidade com as entidades da minha parte – é muito importante que o presidente esteja sempre presente nas reuniões, até técnicas, tem um peso diferente e é levado um pouco mais a sério – e esta relação de proximidade e entreajuda.
Sendo um município pequeno e no interior, que lições podem tirar outras autarquias semelhantes?
O meu conselho é ter muito foco, uma exigência grande com os técnicos envolvidos nesta temática e constantes pontos de situação, com reuniões de aferição para que consigamos ir aproveitando o tempo e ser mais céleres. A proximidade com as entidades também é muito importante, porque mais rapidamente nos chega a informação e é esta simbiose que nos tem permitido ter resultados. A escola foi um desafio muito grande, um dos dossiês mais importantes desde o início, e isso resultou em sermos das primeiras 14 escolas a ter aprovação da CCDRLVT. Estamos a comparar com municípios como Lisboa, Oeiras, Sintra, com orçamentos de mil milhões de euros, em Lisboa, ou 400 ou 500 milhões de euros em Sintra. É uma diferença muitíssimo grande. Sei que têm uma população muito maior, mas na comparação acho que estamos menos capacitados do que uma câmara grande. É preciso um reforço muito maior nestas câmaras. [O projeto da] escola foi ótimo, tivemos muitas vezes no fio da navalha, mas tudo correu bem. Os pareceres foram sendo aprovados, o projeto teve muita qualidade e esta relação de proximidade com as entidades permitiu-nos ir trabalhando afincadamente e ir dando conta que era um investimento muito importante para nós.
Algumas autarquias podem mesmo perder acesso aos fundos por não terem feito algum do trabalho a montante...
O Plano Diretor Municipal (PDM) está em revisão há muitos anos, é um processo muito difícil. Compreendo as autarquias. Foram muitas viagens a Lisboa por conta do PDM, não houve nenhuma reunião a que não tivesse ido – os próprios técnicos disseram isso, não estavam habituados a que o presidente viesse às reuniões, mas só assim é que conseguimos finalizar o PDM. É um trabalho muito importante. Percebo muitos presidentes de câmara que acabam por perder a paciência com as entidades. É um colete de forças onde todos querem ganhar o seu espaço e fazer com que aquilo em que acreditam e que defendem venha explanado no plano. Nós nunca poderíamos chegar a esse ponto. Com um orçamento de 10 ou 12 milhões e a maior parte desse valor comprometido – temos um conjunto de políticas que encarecem este orçamento – estar refém destes fundos comunitários era estagnar completamente. Esta câmara tinha uma capacidade de investimento muitíssimo baixa e, nesta altura, daria praticamente só para gerir o que temos. É prioritário continuarmos a conseguir fundos comunitários.
O Estado central pode ter um papel a tentar agilizar estes processos?
É fulcral que aconteça. Com muita frontalidade, as entidades têm um conjunto de responsabilidades que obrigariam a, para que fossem céleres, colocar mais recursos humanos. É impossível, com os recursos humanos que agora temos, sermos mais céleres. Da relação que tenho, entendo que temos técnicos de muita qualidade, mas que não têm capacidade temporal para conseguirem responder a tempo. A bola está muito mais do lado do Estado central do que das autarquias nesta questão dos PDM. Tem de ser tomada uma decisão, ou querem ser céleres e todos cumprimos com os timings, ou continuamos a perder milhões de euros.
O novo Executivo já sinalizou que quer continuar o processo de transferência de competências. Que avaliação faz do mesmo até agora?
Divido sempre a transferência de competências em duas partes: o envelope financeiro, que nunca é suficiente, até porque tivemos a necessidade de, de forma célere, assumir essas responsabilidades; e um autarca nunca ficará bem a fazer apenas o que o Estado faria, queremos ir mais além e temos mais exigência por parte da comunidade que nos leva a criar uma pressão boa para ir resolvendo estas questões. Sempre defendi a assunção dessas responsabilidades. Quero ter um poder de decisão maior e acho que esse caminho tem de continuar a ser feito. Por força da proximidade e conhecimento do território temos uma capacidade maior de marcar a diferença. Os envelopes financeiros têm de ser razoáveis e cá estaremos para assumir essas responsabilidades.
O CFP alertou recentemente para a perda de receita própria das autarquias e uma subsequente maior dependência do Estado central. Partilha destas preocupações?
Claro que sim. Num município da nossa dimensão e características é muito difícil aumentar receita. Não tenho condições para aumentar receita na habitação, nas licenças de habitação, podia olhar para o rio Zêzere como um ex-libris turístico e não tenho condições para aumentar taxas aos operadores. É muito difícil fixar pessoas ou conseguir, pelo menos, fazer com que se mantenham cá, e é muito difícil aumentar receita com este objetivo principal. O interior devia ter medidas compensatórias explícitas e concretas para poder competir com o litoral. E aqui batemos novamente no que já disse: é preciso um esforço muitíssimo grande para competir com os municípios do litoral a vários níveis. Se quero fixar empresas cá, não posso aumentar a taxa de derrama, não posso vender um terreno numa zona industrial a um preço exorbitante. Os municípios têm de ter outras fontes de financiamento, estejam ou não dependentes do Estado central. Temos de ter mais medidas compensatórias. Aqui, o plano de ordenamento da barragem de Castelo de Bode condiciona-nos muitíssimo a todos os níveis, mas que compensação temos? Temos um pouco de turismo, mas damos de beber a três ou quatro milhões de portugueses e precisamos de medidas para compensar este condicionamento nalgum investimento. Não basta dizer que queremos coesão territorial e depois dão-nos umas migalhas.
Como vê a garantia do Governo que irá criar mecanismos de compensação para a perda da receita do IMT?
A primeira coisa que pensei quando li essa notícia foi precisamente como será feita a compensação, até porque não falaram com os municípios. Estamos a falar de valores altos, no nosso caso, 800 mil euros a um milhão, são valores muito relevantes. Ainda não sei como seremos compensados, o Governo ainda não falou connosco. Estamos a aguardar com alguma expectativa, precisamos de continuar a ter esse valor.
Que outras prioridades terá para o resto do mandato?
Temos muito a acontecer. Gosto muito de escutar as pessoas e quero continuar a ser um presidente de Câmara muito presente, ter um concelho equilibrado a todos os níveis. Tenho um ex-libris como Dornes, onde não tinha uma casa-de-banho pública; só temos uma praia fluvial em 30 quilómetros de margem do Zêzere – o caminho é um pouco este, de melhorar o concelho e torná-lo competitivo. Para isso temos de fazer estes investimentos na educação, ação social e saúde, e olharmos também um pouco para o turismo, que tem um potencial muito grande. Falta-nos ainda poder aumentar a zona industrial, é um trabalho para o próximo ano e meio. Estamos no centro de Portugal, temos de aproveitar. Tenho sentido alguma procura de empresas, mas precisam de terrenos de maior dimensão e esta zona industrial não o tem permitido. É um processo difícil, vamos ter de alterar o plano de pormenor, trabalhar com as entidades e vão ser dois anos de muito trabalho para podermos dotar Ferreira do Zêzere de um espaço para fixar empresas de maior dimensão. E não podemos falhar.