Skip to main content

integrar para reformar: 2026, o ano decisivo para os cuidados de saúde em Portugal

Portugal universalizou, em 2024, o modelo das Unidades Locais de Saúde (ULS), integrando hospitais públicos, centros de saúde e unidades de cuidados continuados sob uma única gestão. O objetivo era claro: melhorar o serviço de saúde ao cidadão ao eliminar barreiras entre níveis de cuidados, reduzir duplicações e melhorar o acesso, orientando o Serviço Nacional de Saúde (SNS) para uma gestão integrada da saúde da população.

Um ano depois, o Barómetro da Integração de Cuidados da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares revela uma perceção moderadamente positiva, com uma média de 3,29 numa escala de 1 a 5, acima dos 3,02 registados na edição anterior. Apesar dos avanços, o grau de integração percecionado ainda está longe do potencial do modelo ULS.
O contexto é exigente, mas cria uma oportunidade: se, por um lado, a execução do PRR enfrenta atrasos críticos, sobretudo nos cuidados primários e continuados; a reforma do Estado e do SNS está em curso e é prioridade deste Governo com: a revisão da Lei de Bases da Saúde, relançamento das parcerias público-privadas, a intenção de reinventar a SPMS e o seu papel fulcral na aceleração da transformação digital e a aplicação da Inteligência Artificial na saúde. Adicionalmente, a diretiva europeia do European Health Data Space (EHDS) impõe obrigações até ao fim de 2027, um forte incentivo a esta reforma.
O Barómetro dá-nos uma perspetiva da perceção dos profissionais de saúde e avalia seis dimensões desta integração: Clínica, Informação, Normativa, Administrativa, Financeira e Sistémica. Destacam-se avanços na dimensão normativa, com forte alinhamento regulatório, mas persistem fragilidades financeiras, marcadas por falta de visibilidade na gestão de recursos. As ULS criadas após 2024 aproximam-se das mais antigas, e as de menor nível de perceção das de maior nível, mas estas mostram sinais de estagnação, sugerindo que a reorganização estrutural não basta para alcançar o nível desejado.
A nível regional, Norte e Alentejo têm perceções mais favoráveis do que Algarve e Lisboa e Vale do Tejo. Os Administradores hospitalares avaliam melhor as dimensões administrativa e financeira, enquanto os médicos são mais exigentes.
A urgência de agir agora decorre do fim do PRR em 2026, da reforma do enquadramento legal da saúde e do relançamento das PPP. O risco é que investimentos sejam usados apenas para infraestrutura, sem agenda clara de integração clínica, tecnológica, sistémica, informacional e financeira.
A integração de cuidados depende cada vez mais de dados, algoritmos e plataformas comuns. A SPMS assume um papel central como infraestrutura digital do SNS, promovendo IA e teleconsulta, mas terá de se coordenar e alinhar com a Agência para a Reforma Tecnológica do Estado (ARTE) e com o CTO do Estado para garantir otimização de recursos e uma arquitetura do Estado que garanta interoperabilidade.
Para subir o índice de integração há ações concretas que podem ser aplicadas em cada dimensão: desenhar percursos clínicos integrados envolvendo todos os profissionais de saúde; consolidar o registo clínico eletrónico único e preparar o SNS para o uso primário e secundário dos dados de acordo com o EHDS; simplificar processos administrativos apoiados em IA; dar transparência à gestão financeira e, sobretudo, implementar um modelo de custeio transversal ao SNS e uma contabilidade analítica que permita um planeamento e controlo interno que será crítico para o novo modelo de financiamento por capitação; definir uma arquitetura clara de governação que permita transformar objetivos estratégicos em ações e resultados concretos através de incentivos bem definidos. Mas, sobretudo, ter um apoio central dedicado à gestão da mudança nas ULS, que potencie a adoção de e de uma integração a nível nacional.
A chave para o sucesso está na gestão da mudança: envolver profissionais e utentes na conceção dos percursos; identificar, medir e comunicar ganhos concretos; investir em lideranças intermédias e alinhar incentivos e reconhecimento com carreiras profissionais.
Em suma, 2026 é uma janela de oportunidade para Portugal consolidar a integração de cuidados, passando da reforma estrutural à gestão integrada da saúde da população. O futuro do SNS depende da capacidade de planear, medir e gerir uma mudança complexa e que não vai esperar; de articular uma governação central forte; de uma capacitação e empoderamento local; e uma SPMS reinventada como plataforma digital e de IA alinhada com o CTO do Estado.