A Associação Nacional de Empresas de Bebidas Espirituosas (ANEBE) foi apanhada de surpresa com o aumento do imposto sobre o álcool, as bebidas alcoólicas e as bebidas adicionadas de açúcar ou outros edulcorantes (IABA), inserido na proposta do Orçamento do Estado para 2024 (OE2024), em 10%.
A proposta do OE indica a previsão de encaixar mais 39,6 milhões de euros com o aumento do IABA. O relatório do Orçamento refere que o crescimento da receita é explicado pela "combinação entre o crescimento do consumo privado e da procura interna no próximo ano e a atualização das taxas de imposto propostas".
Em entrevista ao Jornal Económico, Bruno Calvão, membro da direção da ANEBE e country manager da Pernod Ricard, abordou aquele que a associação considera ser um "aumento sem precedentes" e que terá um grande impacto na carteira dos portugueses devido ao aumento que se vai sentir nos preços.
A proposta do OE2024 é aumentar o IABA em 10%. Como vêem isto?
Foi um tema que nos apanhou de surpresa. Tivemos a notícia da proposta do OE com um aumento de quase 10% do imposto sobre o álcool. Apanhou-nos a nós, como indústria, e à própria associação que nos representa, de surpresa com esta proposta de aumento de 9,9%.
Sem precedentes. Na última década nunca tivemos um aumento desta natura. Apanhou-nos de surpresa naquilo que foram as conversas que a associação tem tido com o Governo nos últimos anos. Se remontarmos ao ano passado, tivemos um aumento de 4%.
O Governo prevê encaixar quase 40 milhões com este aumento de 10%.
O ano passado, em conjunto com a EY, fizemos um modelo de previsão sobre o impacto do aumento do imposto nas receitas do Estado e se o Estado não tivesse aumentado o IABA em 4%. Face ao que está a acontecer neste momento, o Estado está a perder cerca de cinco milhões de euros em receitas em sede de IABA para este sector.
A diferença face ao modelo de previsão é um gap ainda maior. Caso não tivesse tomado a decisão de aumentar no ano passado, a diferença cifrava-se em algo como 30 milhões de euros, sobre aquilo que o Estado poderia arrecadar caso não tivesse aumentado o imposto.
A nossa preocupação é: se isto já se está a refletir com este último aumento, imaginemos com mais 10%. Efetivamente, o que temos vindo a dizer enquanto indústria é que o aumento do imposto não significa um aumento de receitas, pelo contrário.
Porque existe uma queda no consumo?
Exatamente. E é isso que tem vindo a acontecer.
Deixou-nos chocados esta proposta de aumento de 10% e deixa-nos preocupados sobre o que pode eventualmente acontecer durante este ano de 2024. Todos temos a noção que vai ser um ano complicado em termos de retração económica e, juntando a isso um aumento do imposto desta natureza, nunca visto nos últimos anos, revela uma preocupação agravada da indústria e cadeia de valor porque não são só as multinacionais.
São as multinacionais e as destilarias mais pequenas que vão sofrer com isto e toda a sua cadeia de valor. E, em última instância, o consumidor. Porque o consumidor paga, no final, este agravamento do imposto. Esta foi uma situação que nos apanhou desprevenidos.
Não estava nas conversas entre a associação e o Governo?
Temos sempre apelado que se faça o que se fez no passado recente, que foi a aplicação de uma cláusula stand-still, ou seja, que não aumente. Conseguimos isso durante dois anos, depois o ano passado aumentou 4% e agora 10%.
Não nos deixa tranquilos em nada porque se a situação já pode ser difícil para o sector, por causa da retração ao consumo e por causa da situação económica das famílias que, de forma genérica, vai ter impacto no consumo, esta medida pode piorar a situação das empresas no sector e toda a cadeia de valor, a restauração inclusive.
Se este aumento for para a frente, terá certamente um impacto negativo e não antevemos um impacto positivo na arrecadação de receita fiscal para o Estado, como já foi provado que não terá e não teve.
Vão pedir outra reunião?
Já estamos obviamente em marcha mas não estávamos à espera de uma proposta com este nível de aumento.
Estavam à espera que estivesse no seguimento do ano passado?
Com a crise inflacionária, que se tem vindo a assistir em todas as indústrias, o Estado já aumenta as suas receitas porque o preço para o consumidor está mais alto e o IVA incide sobre preços mais altos, ainda para mais aplicar uma taxa desta natureza e com o impacto do IVA por cima...
23%?
23%. É uma medida que já veio provar que não é benéfica para as ambições de arrecadação fiscal do Estado. Portanto, não vai servir nenhum dos propósitos, nem para o Estado nem para o sector.
No fundo, com o aumento dos preços, as vendas vão cair e o Estado não vai receber essas receitas...
O impacto do imposto traduz-se imediatamente num preço superior ao consumidor, sem qualquer tipo de intervenção dos players da indústria. Isto faz com que os produtos fiquem cada vez mais caros ao consumidor e com todos os sintomas de retração económica e análises que foram feitas no passado em momentos de aumento de imposto, houve uma diminuição de consumo na indústria de bebidas espirituosas que nunca foi favorável ao encaixe de receitas para o Estado.