A indústria automóvel portuguesa está "preocupada" com a chegada de carros elétricos chineses a preços muito competitivos à Europa. O cluster Mobinov – que junta produtores, com fabricantes de componentes - pede medidas à Comissão Europeia, mas sabe que a tarefa não vai ser fácil.
"O cluster vê com preocupação esta matéria. É um dos riscos que assolam o sector. A Europa no seu todo vai ter que lidar com este tema", disse ao JE o presidente do conselho de administração da Mobinov.
Jorge Rosa destaca que este tema envolve duas questões. Primeiro, "a entrada dos chineses vai afetar sobretudo a área comercial, o grande impacto será muito por aí". Depois, o impacto poderá fazer sentir-se na área industrial: "se os carros continuarem a ser produzidos na China o impacto direto na indústria europeia não é muito grande, mas se começarem a ganhar quota de mercado, afetará o volume de vendas dos produtos europeus. É um risco que identificamos".
E o que é que poderá ser feito para travar este avanço? Jorge Rosa considera que a ação da Comissão Europeia é crucial, através da "proteção" da indústria e a "imposição de barreiras" como tarifas alfandegárias. "É a única forma de nos protegermos" numa "luta desigual", afirmou. Para começar, os carros elétricos chineses têm uma vantagem competitiva face aos produzidos na Europa: os seus preços são mais baixos com a ajuda da mão-de-obra ser mais barata.
Mas a imposição de tarifas é uma "moeda com duas faces", avisa, pois a China poderá responder na mesma moeda, complicando a vida aos produtores europeus que queiram vender no Império do Meio.
"É um tema extremamente sensível", resume, não acreditando que a Comissão Europeia venha a tomar medidas no curto prazo nesta matéria.
Sobre os avisos feitos por Carlos Tavares, CEO da Stellantis, sobre este tema, o responsável da Mobinov acredita que são importantes. "Pode ajudar, porque tem muito peso".
No ano de 2023 foram produzidos mais de 318 mil veículos em Portugal, no que foi o segundo melhor ano de sempre, apenas superado por 2019, segundo os dados da Associação Automóvel de Portugal (ACAP).
A Autoeuropa liderou a produção com 220 mil unidades (69% do total), com a Stellantis Mangualde a ocupar a segunda posição (26%). A maioria dos veículos produzidos no país (98%) destinam-se à exportação, com a Alemanha (19%), França (14%), Itália (13%) e Espanha (10%) entre os principais destinos.
Para este ano, Jorge Rosa espera que o país volte novamente a ultrapassar a marca das 300 mil unidades produzidas, o que permite manter o país na liga dos campeões europeus do sector.
"Para este ano cerca de 300 mil unidades. Somos o 10º maior produtor europeu", afirmou, apontando que o país entre é um "pequeníssimo produtor" na Europa.
"Estamos obviamente longe do centro da Europa onde estão grande parte dos fabricantes, mas estamos muito perto de Espanha, o segundo fabricante europeu de automóveis, há aqui alguns aspetos que são importantes", defendeu.
Além da ofensiva chinesa, Jorge Rosa identifica vários desafios para o sector automóvel: "o sector está a assistir a um conjunto de transformações drásticas muito profundas: a transição energética, digital, e todas as outras que tem sido muito discutidas e de que forma o sector se preparou ou está preparado para as enfrentar essas são as grandes questões que se levantam, pensamos e que há riscos mas também há oportunidades. as empresas estão a preparar se para estas alterações apoiadas por fundos comunitários, PRR, PT 2030 que aí vem, as empresas estão atentas, mas há um conjunto de desafios muito grandes, Portugal e a fileira automóvel terá de ser capaz de responder a tudo isto".
Entre os desafios, aponta que no fabrico de componentes vão haver "alterações": "há empresas que vão continuar a manter o mesmo tipo de componentes, os veículos vão solicitar o mesmo tipo de componentes, os fornecedores atuais estão habilitados a manter os fornecimentos, há outros que vão ter de se adaptar, porque as tecnologias são outras, este é um dos grandes desafios".
"A afirmação do sector passa muito pela afirmação da marca Portugal junto das casas mãe, onde estão as centrais de compra, que tem um peso fundamental no desenvolvimento e na colocação de encomendas. A diplomacia económica tem aqui um papel fundamental no futuro do nosso país", salientou.
"A capacidade existe, talento existe, temos que encontrar forma de o reter e de reciclar, mas o desafio passa pela capacidade de nos adaptarmos e de nos aproximarmos das OEM [fabricantes de automóveis] desde muito cedo no desenvolvimento dos veículos", segundo Jorge Rosa.
Várias fábricas automóveis em Portugal já anunciaram a produção de automóveis híbridos e/ou elétricos: a Fuso no Tramagal, a Stellantis em Mangualde, a Autoeuropa em Palmela, ou a Salvador Caetano, o que são boas notícias para a indústria nacional, considera.
"As empresas estão a ser capazes de encontrar um caminho novo para esta nova realidade. As marcas OEM estão a anunciar a produção de modelos elétricos ou híbridos e atrás das OEMs, os fornecedores de componentes seguirão o mesmo caminho”, afirmou Jorge Rosa.
O cluster da indústria automóvel nacional conta com um volume de negócios anual superior a 20 mil milhões de euros, segundo o estudo da Mobinov, apresentando no final de 2023: Caracterização do Cluster da Indústria Automóvel em Portugal.
Por ano, o cluster contribui com cerca de 2,5% para o PIB nacional, com mais de 5.700 milhões de euros de riqueza anual criada (VAB).
Do total, 99% do volume de negócio deste cluster é exportado, o que corresponde a 23% do total de exportações de bens transacionáveis nacionais, segundo o estudo.
Ao mesmo tempo, o cluster emprega mais de 85 mil trabalhadores, 11% do emprego da indústria transformadora, com a "remuneração média dos trabalhadores do cluster a ser superior à média nacional e da restante indústria transformadora, o que demonstra a aposta na captação e retenção de talento crítico, essencial para potenciar o desenvolvimento e crescimento do mesmo. A remuneração total do cluster sofreu aumentos significativos nos anos posteriores à pandemia, com um crescimento médio anual, entre 2020 e 2022, de quase 7%", segundo a Mobinov.
Recorde-se que Carlos Tavares da Stellantis disse recentemente que a luta pelo mercado global de carros elétricos, com marcas como a norte-americana Tesla e a chinesa BYD, a cortarem agressivamente nas margens para descerem os preços e conquistarem quota de mercado, vai acabar num "banho de sangue", com o CEO da Stellantis a prever a consolidação do sector como resultado.
O gestor português considera que este mercado está totalmente "darwiniano", isto é, somente os mais fortes irão sobreviver, esperando ser um desses.
"O meu trabalho é manter os olhos abertos. O meu trabalho é perceber como é que a indústria vai sobreviver esta transição. O meu trabalho é garantir que a minha empresa vai ser um dos vencedores. Se formos, de certeza que vai haver oportunidades", afirmou, citado pela "Bloomberg".