Se há coisa que os mercados e a economia em geral não gostam é de incerteza. Se desfecho da noite eleitoral de domingo em Espanha deixou muita gente surpreendida – sobretudo com a ausência de uma vitória da direita e com a, ainda grande, possibilidade de ser o PSOE de Pedro Sánchez a formar governo – também deixou os analistas com razões para temer pela economia espanhola. Sendo o maior parceiro comercial de Portugal, qualquer espirro no país vizinho não pode deixar de representar um risco de constipação para nós.
Mas vamos por partes.
À politica o que é da política
A noite de legislativas em Espanha deixou os eleitores sem um vencedor claro. O PP de Alberto Nuñez Feijóo foi o mais votado e elegeu 136 deputados, contra os 122 do PSOE. Mas a queda do partido de extrema-direita VOX (que elegeu 33 deputados, menos 19 do que nas eleições anteriores) deixou a direita a precisar de coligações com mais do que dois outros partidos. Porquê? Porque a maioria absoluta nas eleições gerais em Espanha alcança-se com 176 deputados – e PP e VOX juntos somam apenas 169.
Ao longo desta segunda-feira, Alberto Feijóo já disse que iniciou contactos com as forças políticas que lhe dariam os 7 deputados que são precisos: a Coligação Canária (1), o Partido Nacionalista Basco (PNV, 5) e a UPN (1).
Um dos grandes problemas desta “Aliança Frankenstein”, como em Espanha se chama à portuguesa “geringonça” é que os bascos do PNV têm sido aliados dos socialistas que, aliás, também contam com eles para ainda sonharem com uma maioria.
Como? O PSOE conta juntar os seus 122 deputados aos 31 do Sumar (com quem tem governado), aos 7 da Esquerra Republicana Catalana, aos seis eleitos pelo Bildu (formação do ex-ETA Arnaldo Otegi), aos cinco do PNV e ao deputado único eleito pelo BNG. Ainda assim só soma 172 deputados, faltando-lhe ainda mais quatro, que poderiam vir do Junts per Catalunya (a divisão catalã de várias vias do Podemos). Qualquer um dos dois principais partidos move-se em caminhos muito apertados que indicam duas coisas: as sondagens que davam uma clara vitória ao PP e maioria absoluta com o VOX estavam manifestamente exageradas; e o PSOE de Pedro Sánchez resiste ao domingo eleitoral com mais do que uma ínfima hipótese de governar. Feijóo também já disse que está disposto a governar com o PSOE, cedendo em quatro ou cinco matérias chave, mas Sánchez deverá tentar até à última repetir uma geringonça espanhola.
O que se segue poderá ser penoso. A começar, os deputados têm até 16 de agosto para entregarem as suas credenciais como eleitos no Congresso dos Deputados. Só às 10H00 da manhã de 17 de agosto – um mês mais do que parado em Espanha devido ao calor extremo – se forma o novo Congresso dos Deputados. É nesse mesmo dia que se elege a mesa e o presidente da câmara. É este quem tem a tarefa de ir ao Palácio da Zarzuela, a residência oficial do Rei Felipe VI para informar o chefe de Estado da composição da Câmara.
E depois Felipe VI tem de convocar os partidos para audiências, o que só deverá acontecer a partir da segunda-feira seguinte, 21 de agosto. Tal como acontece em Portugal com o Presidente da República, o Rei em Espanha convida um dos líderes dos partidos a submeter-se a votação, no Congresso, para Presidente do Governo.
Mas, recorde-se, o rei não tem data fixa para chamar os partidos, pode ouvi-los as vezes que quiser e até quando quiser. Não há prazo determinado para que estas audiências terminem.
Ao mesmo tempo, os partidos formam os seus grupos parlamentares e designam os porta-vozes (o equivalente aos líderes de bancada em Portugal). Num dos 15 dias seguintes à constituição do novo Congresso, marca-se a sessão de abertura de legislatura e depois o Debate de Investidura, ou seja a sessão em que o partido convidado a formar governo apresenta o seu programa e se submete à votação dos deputados. É para esta primeira sessão que o candidato precisa de 176 deputados a votar “sim”.
Também pode ser eleito numa segunda votação, pelo menos 48 horas depois, mas na segunda apenas precisa de mais votos “sim” do que “não”.
Numa segunda votação, os 172 votos do PSOE com o Sumar, PNV, Bildu, ERC e BNG poderiam suplantar os 171 de PP, VOX e Coligação Canária e UPN.
Mas há um “catch”. Se nenhum candidato (de um lado ou outro) for eleito na Sessão de Investidura (primeira e segunda votações) começa a contar um prazo de dois meses para eleger um governo. Ou seja, se a investidura for em inicio de Setembro, os partidos têm até meados novembro para conseguir eleger alguém (em votações com pelo menos 48 horas de intervalo). Findo o prazo, dissolvem-se as Cortes (Congresso dos Deputados e Senado) e vamos para eleições outra vez, passados 47 dias. Ou seja, novas legislativas em Espanha por alturas do Natal.
E à Economia o que é da Economia
Todo este cenário assusta os mercados e os analistas, que já estão a ver o país vizinho parado a discutir assentos e contagem de espingardas em vez de fazerem o que é preciso em várias frentes.
De acordo com uma análise do banco ING, a cargo do economista Wouter Thierie, o potencial bloqueio “lança sombras sobre as perspectivas económicas, minando a reforma fiscal e outras reformas económicas necessárias”.
“A continuada incerteza política e a perspetiva de novas eleições introduzem um elemento de instabilidade à economia espanhola. Esta situação pode minar as perspectivas de crescimento de longo prazo devido a atrasos na implementação de reformas económicas essenciais. Mais ainda, arrisca-se a minar os esforços de melhoria das Finanças públicas espanholas através de medidas fiscais necessárias”, escreve Wouter Thierie numa nota publicada na segunda-feira.
Mas o economista do ING vê outros riscos, sérios. Esta incerteza pode prejudicar a União Europeia, uma vez que Espanha detém atualmente a presidência europeia (rotativa).
“Na agenda dos próximos meses estão várias reformas importantes. Por exemplo, as reformas ao Pacto de Estabilidade e Crescimento têm que ser aprovadas antes do final do ano. Caso contrário, o velho sistema volta a estar em vigor o que forçará os Estados-membros a adotar medidas de austeridade mais severas”.
Há outros riscos com impacto para Portugal e os seus aliados naturais, nomeadamente o Brasil. Um dos pontos de honra assumidos pela presidência espanhola foi o de finalizar o acordo com o Mercosul. Também este fica em risco de se atrasar se o impasse político em Espanha se prolongar. “Um governo de gestão em Espanha continuaria, concerteza, a conduzir a presidência europeia, mas a perspetiva de novas eleições poderiam fazer perigar a sua eficácia”, salienta Wouter Thierie.
No curto prazo, espera-se que a economia espanhola nos próximos meses à boleia do abrandamento da economia mundial e das subidas das taxas de juro no BCE.
A recuperação do sector do turismo em Espanha tem sido o principal factor de crescimento, mas este impacto positivo vai diminuir no final deste ano e em 2024.