António Horta Osório, banqueiro português com a melhor carreira internacional até ao momento, está desde agosto como vice-presidente não executivo do banco francês CCF – Crédit Commercial de France, o antigo banco que é hoje uma filial do My Money Group e que é detido pelo fundo de private equity da Cerberus Capital Management, onde é consultor sénior.
Ao mesmo tempo, acumula com outro novo cargo na banca, o de membro do supervisory board do polaco Velobank, que adquiriu em julho o negócio de retalho do Citigroup na Polónia, e que também é detido pela Cerberus. Acumula ainda com os cargos de consultor sénior da Mediobanca e da gestoras de private equity Precision Capital, que, por sua vez tem também um banco, o Quintet Private Bank.
A sua experiência na banca é vasta. O ponto alto da sua carreira foi quando liderou o Lloyds Banking Group durante uma década, entre os anos de 2011 e 2021, sendo amplamente reconhecido por ter conduzido o banco britânico de volta à rentabilidade, depois de um dos períodos mais difíceis da história do banco inglês quando recebeu apoio financeiro do governo britânico durante a crise financeira global de 2008-2009. António Horta Osório foi ainda presidente não executivo do desaparecido Credit Suisse, tendo-se demitido do cargo antes do resgate suíço que culminou com a integração no UBS.
Em entrevista para a rubrica semanal "O Decisor da semana", António Horta Osório fala da sua carreira como banqueiro, diz que não quer voltar a a ser administrador executivo, mas admite disponibilidade para desafios que impliquem fazer o turnaround de empresas, uma vez que dar a volta a situações adversas sempre foi a sua especialidade.
Olha para a banca em Portugal, onde no passado teve um papel relevante como presidente do Santander de Negócios e do Santander Totta, como um dos melhores momentos dos últimos 30 anos.
António Horta Osório é um defensor da "imigração inteligente", como têm países como a Austrália, e que passa por receber os imigrantes com as qualificações que o país precisa. "É importante começar por definir políticas de imigração claras, transparentes e alinhadas com as necessidades reais dos mercados de trabalho", defende o gestor. O conselho surge numa altura em que a imigração toma conta do debate político do mundo ocidental.
Considera que a vice-presidência não executiva do banco francês CCF – Crédit Commercial de France representa o seu regresso à banca? Trata-se de um banco de dimensões modestas, face aos gigantes pelos quais já passou. Qual é o mandato para o banco francês?
A minha entrada na Administração do CCF, tal como a recente entrada na Administração do banco polaco Velo Bank, também detido pela Cerberus e que adquiriu as atividades de retalho do Citigroup na Polónia, acontece na sequência da minha colaboração como Advisor Senior da Cerberus, que se iniciou há mais de 3 anos. A Cerberus é uma das maiores empresas mundiais de Private Equity, e especializa-se no setor financeiro. Em ambos os bancos, a minha posição é não executiva, no CCF como vice-chairman e no Velobank como membro do supervisory board. E no caso do CCF eu já estava intimamente ligado ao banco desde a sua aquisição pela Cerberus ao HSBC, na qual participei ativamente, e já passava cerca de três dias por mês em Paris para assistir aos Conselhos de Administração e a outros comités do Banco desde a sua aquisição. A Cerberus tinha interesse desde o início em que eu integrasse o Conselho de Administração, o que eu decidi aceitar em Julho passado.
Falar de regresso à banca não é adequado, até porque também sou senior advisor do Mediobanca e da Precision Capital desde há alguns anos. Ou seja, a minha ligação à banca e ao setor financeiro manteve-se sempre, apenas evoluiu para um papel diferente do que tive durante as décadas anteriores, antes era CEO e agora sou Administrador não Executivo ou Advisor Senior.
Neste momento acumula cargos em três bancos (um francês, um polaco e um italiano) e ainda está na Precision Capital que tem também um banco, o Quintet Private Bank. Não há incompatibilidade em estar em bancos diferentes num mundo financeiro que é global?
São bancos que operam em mercados e segmentos distintos pelo que a questão não se põe; o CCF e o Velobank atuam no retalho em França e na Polónia respectivamente; o Quintet Bank é um Private bank que opera no Luxemburgo, Alemanha, Holanda, Bélgica e Reino Unido, enquanto a Mediobanca é um banco de investimentos Europeu.
"O Lloyds foi, sem dúvida, o maior desafio da minha carreira — pela escala do banco, pelo contexto extremamente exigente em que assumi funções e pela responsabilidade de devolver a instituição ao setor privado depois da intervenção do Estado e devolver o dinheiro aos contribuintes britânicos"
Foi o braço direito de Emílio e de Ana Botín durante quase 20 anos, até que aceitou o desafio de salvar o britânico Lloyds Bank da falência. Conseguiu que o banco britânico Lloyds, nacionalizado aquando da crise do subprime, voltasse a ser totalmente privado, tendo devolvido ao Estado inglês todo o dinheiro dos contribuintes injectado na crise. O Lloyds foi o maior desafio da sua carreira?
O Lloyds foi, sem dúvida, o maior desafio da minha carreira — pela escala do banco, pelo contexto extremamente exigente em que assumi funções e pela responsabilidade de devolver a instituição ao setor privado depois da intervenção do Estado e devolver o dinheiro aos contribuintes britânicos. Essa era aliás a minha prioridade, devolver aos contribuintes britânicos as 20 mil milhões de libras que tinham injetado no banco o mais rápido possível. Conseguimos isso em 2017, com lucro, o que foi e é um motivo de enorme orgulho para toda a equipa.
Olhando para trás qual foi o cargo que mais gostou de desempenhar e porquê?
Gostei muito de desempenhar todos os cargos executivos que tive e que resultaram de escolhas bem pensadas e feitas em conjunto com a minha mulher, dadas as implicações importantes que resultavam da maioria das posições obrigar a mudar de País ou ter alterações muito relevantes na nossa vida familiar.
Fazer o BSNP (Banco Santander de Negócios Portugal) de raiz aos 29 anos, em conjunto com um grupo de amigos excepcionalmente competentes nas suas áreas foi uma experiência extraordinária e que me deixou algo “fora de pé” várias vezes, mas me desenvolveu muito.
Ir começar as atividades de retalho do Santander no Brasil com 32 anos foi igualmente uma experiência muito rica num país que para nós portugueses tem muitas afinidades culturais a começar pela língua. Fui acompanhado de 8 portugueses e 6 espanhóis e ouvíamos constantemente a pergunta se éramos do banco de Santo André (uma cidade perto de São Paulo) quando dizíamos que éramos do Banco Santander!… E tivemos de passar pela crise Asiática de 1997, pelo default da Rússia em 1998 e a desvalorização do real contra o dólar de 1.2 para c. 5 reais por dólar em 1999, o que originou crises profundas na economia e mercados financeiros brasileiros em cada um desses três anos, mas me preparou muito bem para a grande crise financeira de 2008.
Hoje o Santander é o maior braço estrangeiro no Brasil e o Brasil é de longe o maior gerador de resultados para o Grupo Santander.
"Continuo a trabalhar em média 5 dias por semana, 10 horas por dia, mas com 15% do stress que tinha como executivo"
Gostava de voltar à banca como gestor executivo?
Eu digo sempre que na vida há um momento para tudo e que o importante é fazer as coisas no momento certo e depois olhar para trás e sentir-se realizado com o que foi alcançado.
Após uma década no Lloyds, um período incrivelmente intenso e profundamente gratificante, senti que o ciclo de recuperação e transformação estava plenamente concluído e por isso senti que passar a funções não executivas era um passo lógico e natural. Sempre disse que as pessoas não se devem perpetuar nos cargos, as empresas ganham em ter novas perspectivas e os Executivos ganham em ter novos desafios.
Agora que já passaram 4 anos desde que a tomei, posso dizer que foi claramente a decisão certa. E tenho gostado muito de trabalhar em setores e com empresas de que gosto, com pessoas que muito admiro e a fazer aquilo que me dá mais gosto, como Mentor, como Advisor Senior, como Presidente do Conselho de Administração, ou como Administrador Não Executivo, partilhando a minha experiência de gestão e liderança em setores que vão para além da banca, sobretudo na Saúde, o que me permite ter uma visão mais eclética do mundo e aproveitar a minha experiência passada para ajudar ao desenvolvimento de projetos de que gosto e onde posso acrescentar valor. E continuo a trabalhar em média 5 dias por semana, 10 horas por dia, mas com 15% do stress que tinha como executivo.
"O sistema bancário português está num dos melhores momentos de que me recordo nos últimos 30 anos"
Como banqueiro que sempre foi, como vê a compra do Novobanco pelo grupo francês BPCE?
A venda do Novobanco aos franceses do BPCE foi, na minha opinião, positiva para o banco, para o sistema financeiro e os seus clientes e para o país em geral.
É positivo, como o ministro das Finanças disse na altura, não ter demasiada concentração em termos da propriedade do setor bancário num só país, seja ele qual for, e nesse aspeto os franceses têm pouca presença na banca portuguesa. O BPCE é o segundo maior banco francês por capitais próprios e o 4º maior na Europa, tem uma cultura descentralizada e de grande proximidade aos clientes, o que me parece muito positivo para o Novobanco e para os seus clientes e elegeu Portugal como o seu 2º principal mercado na Europa o que mostra o interesse que o País está a despertar em termos de investimento direto estrangeiro.
Quais os desafios para o setor bancário? Acha que a consolidação do setor bancário ainda tem um caminho a percorrer, ou pelo contrário, já está num nível bastante elevado?
O sistema financeiro português está muito forte, os bancos estão bem capitalizados, com rácios de capital muito positivos, malparado muito baixo e bons rácios de liquidez. Além disso, têm boa qualidade de serviço e bons níveis de eficiência. Já tive oportunidade de dizer que, o sistema bancário português está num dos melhores momentos de que me recordo nos últimos 30 anos.
Dar a volta a situações adversas sempre foi a sua especialidade, continua à procura desses desafios nos investimentos que procura fazer?
É verdade que essa é a minha especialidade, sempre em conjunto com o que considero terem sido grandes equipas ou “núcleos duros “, pois sempre foi um trabalho de equipa. Caso apareçam novas oportunidades desse tipo, estarei sempre disponível para as analisar.
Na tentativa de recuperar o gigante Lloyds Banking, passou a dormir cada vez menos e a trabalhar cada vez mais, foi devorado pelo stress e sofreu um grave episódio de "burn-out". O que é certo é quando ninguém na City de Londres apostava no seu regresso, voltou e devolveu todo o dinheiro público usado no resgate da instituição financeira britânica. O que é mudou na sua vida a partir daí?
O episódio de exaustão no Lloyds foi um momento muito difícil, mas também um ponto de viragem importante na minha vida profissional e pessoal. Percebi que ninguém é imune ao stress prolongado, independentemente da experiência ou resiliência, e ganhei uma sensibilidade muito maior para as questões de saúde mental. Na altura, ninguém na City tinha deixado funções de liderança por motivos de saúde mental e regressado. Eu tive essa possibilidade e senti que deveria usar o meu exemplo para ajudar.
Comecei por fazê-lo dentro do próprio Lloyds, trabalhando para desmistificar completamente o tema. Lançámos um programa de prevenção de saúde mental que começou pela comissão executiva — com iniciativas de nutrição, melhoria do sono, mindfulness, exercício físico — e que depois foi estendido aos 70 mil colaboradores através de uma app dedicada. Fiz vários eventos internos, falei abertamente sobre o que me tinha acontecido e o tema deixou de ser tabu dentro do banco. Tenho muito orgulho em ter transformado um problema pessoal numa oportunidade para melhorar o bem-estar dos colaboradores e, de certa forma, contribuir também para mudar a percepção pública do tema no Reino Unido. Mais tarde, dei entrevistas, incluindo ao The Times, para mostrar que a saúde mental é como a saúde física: pode e deve ser tratada sem estigmas, e regressar é possível.
Em termos pessoais, já tinha hábitos de vida saudáveis e isso ajudou-me na recuperação. Mas mudei de forma significativa a gestão da minha agenda e a forma como equilibro prioridades. Hoje asseguro períodos de intervalo regulares entre reuniões, giro a minha agenda com quatro semanas de antecedência deixando sempre tempo livre nas semanas 3 e 4 para os assuntos importantes ou urgentes que possam surgir, dou especial atenção às horas de sono e não vivo permanentemente em “pico” de intensidade de trabalho.
Que conselhos deixa aos gestores para evitarem burn-out?
O conselho que deixo aos gestores é simples: não ignorem os sinais, não confundam resistência com invulnerabilidade e criem condições nas suas organizações para que as pessoas se sintam apoiadas. A saúde mental deve ser vista como parte integrante da liderança e deve ser encarada com a mesma naturalidade com que tratamos a saúde física.
"É importante começar por definir políticas de imigração claras, transparentes e alinhadas com as necessidades reais dos mercados de trabalho"
Tem defendido a imigração inteligente, ou seja, recebermos os imigrantes que precisamos e que temos condições de receber. Numa altura em que o tema está agenda política, mantém a sua opinião? Que conselhos deixa aos Governos da Europa?
A Europa e Portugal em particular enfrentam desafios demográficos profundos, têm falta de talento em várias áreas e precisam de trabalhadores qualificados e não qualificados. A questão não é “se” devemos acolher imigração, mas “como”.
A imigração (tal como evitar que os nossos jovens tenham de emigrar) é essencial para o crescimento económico, para a sustentabilidade demográfica e para o bom funcionamento de setores fundamentais das nossas economias. Sempre defendi uma imigração inteligente: receber as pessoas com as qualificações de que realmente precisamos e para as quais temos condições de integração cultural dignas e eficazes.
É importante começar por definir políticas de imigração claras, transparentes e alinhadas com as necessidades reais dos mercados de trabalho. Segundo, assegurar que existe capacidade de integração — desde o ensino da língua ao acesso à habitação, saúde e formação — porque a integração é o que transforma imigração em valor económico e social. E terceiro, comunicar com clareza à população: explicar por que razão a imigração é necessária, quais são os critérios e quais são os benefícios.
Acredito que se estas três dimensões funcionarem em conjunto, a imigração deixa de ser um tema que divide e passa a ser um fator de progresso.
Qual a citação em que se revê?
Vou dizer-lhe três, que se combinam: “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”; “Se não se tem objetivos com ambição, a única certeza é que não serão atingidos”; “Sorte é a combinação de preparação e oportunidade”.