O problema da crise habitacional não é um exclusivo de Portugal. No território europeu a situação poderá mesmo agravar-se com o aumento da imigração, mas principalmente pela questão dos preços, a falta de oferta e as questões fiscais. Estas preocupações são transmitidas por Filiep Loosveldt, managing director da Build Europe, a associação europeia sediada em Bruxelas, na Bélgica, que representa mais de 30 mil promotores e construtores imobiliários.
Em entrevista ao Jornal Económico (JE), à margem do congresso anual que decorreu na última semana em Lisboa, organizado pela Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII) e que contou com a presença de 30 líderes europeus, o responsável abordou o papel da Build Europe para a habitação, deixando um apelo para que promotores públicos e privados possam trabalhar em conjunto na resolução desse problema.
Como olha para o mercado imobiliário na Europa?
Neste momento, aquilo que estamos a discutir na Build Europe é o mercado residencial, porque os escritórios após a Covid-19 têm atravessado tempos difíceis devido ao teletrabalho. Então estamos focados no mercado residencial e naquilo que é a criação de novos bairros nas cidades, que será certamente um desafio no futuro.
O problema do mercado residencial na Europa é que há uma necessidade de casas porque a população na Europa não está a diminuir, até pelo contrário, está a crescer com a imigração. Todos querem vir para a Europa, como se fosse a ‘nova terra prometida’. O problema é que existe uma falha no lado da oferta por diferentes razões.
Que outros problemas tem o mercado residencial europeu?
Temos os problemas com os licenciamentos e todos os aspetos legais, mas também a densidade populacional que obriga a uma procura fora das zonas urbanas. Por outro lado, sabemos dos impostos que se pagam nas cidades ou em pequenas regiões ou municípios. É aquilo a que chamo de uma ‘lasanha fiscal’, pois todos querem uma fatia dessa camada de impostos.
Isso significa que os futuros habitantes da cidade vão ter de pagar todo o tipo de impostos, o que não é justo para eles. Então, o que queremos fazer é ajudar as pessoas a ter uma habitação acessível.
E neste momento, isso é bastante difícil, porque vemos um aumento dos custos dos materiais, ao mesmo tempo que precisamos de ser mais sustentáveis. O mercado está um pouco congelado em diferentes países porque nos mercados residenciais nada acontece.
No caso de Portugal, os preços das casas estão elevados e os salários não acompanham. Também é assim na Europa?
Sim, em quase em todas as grandes cidades da Europa. Temos vários regulamentos que fazem com que seja mais caro encontrar terrenos para construir habitação e a maioria das pessoas não consegue acompanhar esses preços, por serem muito altos e porque metade do dinheiro que têm vai para os impostos.
Por exemplo, o mundo inteiro quer combater o cancro, então construímos universidades, financiam-se estudos e medicamentos para ajudar as pessoas a combater esse problema, mas as cidades também têm cancros.
Por vezes encontramos uma boa localização, mas depois vemos o ambiente em redor e encontramos fábricas industriais desativadas ou abandonadas ou outro tipo de coisas sem qualquer utilidade. Isso são os ‘cancros das cidades’, e o grande desafio para a Europa é ser o médico das cidades. Temos de transformar esses ‘cancros’ em pulmões urbanos, mas, tal como na medicina, também no mercado residencial precisamos de profissionais para essa luta.
Que papel pode desempenhar a Build Europe?
Nós somos parte da solução, não do problema, porque acreditamos que podemos, com o conhecimento que temos, ser capazes. Se pudermos criar bairros bonitos e vibrantes, transformaremos esses cancros nos novos pulmões das cidades.
É claro que a política, os governos e as autoridades precisam de nos dar esse poder, os instrumentos para garantir que podemos fazer o nosso trabalho, tal como alguém precisa de um medicamento para combater o cancro, nós também precisamos desses instrumentos.
Temos o dever de dizer aos governos que é necessário, para os futuros habitantes das suas cidades terem habitação acessível, mudar os regulamentos, equilibrar os preços e baixar os impostos.
Em Portugal, o IVA na construção está nos 23%.
É enorme. Temos alguns bons exemplos na Europa onde temos taxas mais baixas. Para mim é importante que haja uma concorrência justa. Na Europa temos alguns sistemas mais ‘próximos’ ou ‘fechados’, porque quando falamos em particular de habitação social, em alguns países, isso tem um significado diferente.
Na verdade, a habitação social é, por outras palavras, uma habitação subsidiada para a classe média ou uma classe desfavorecida, mas, em alguns países, os promotores residenciais estão excluídos do mercado, porque têm de estar numa lista das autoridades públicas e apenas essas instituições podem atribuir habitação social.
Isto acaba por ser uma concorrência desleal porque, por exemplo, se em Portugal o seu grupo-alvo for metade da população, é claro que os promotores privados também querem trazer habitação acessível para todos. Mas se eles não tiverem os instrumentos e apenas as pessoas dessas listas os receberem, então isso é uma concorrência desleal.
Como dizia Mao Tse Tung, ‘não importa se o gato é preto ou branco, desde que apanhe o rato’. Neste caso, se queremos ajudar as pessoas a terem acesso a uma habitação não importa se é através de uma entidade pública ou privada.
Nós somos parte da solução, queremos ter os instrumentos para ajudar o mercado e trabalharmos juntos, privado e público no mesmo campo, com as mesmas regras para resolvermos o problema da habitação.