Crescem as dúvidas sobre se a Comissão Técnica Independente (CTI) para o novo aeroporto já tem, à partida, uma preferência por uma das localizações. Na semana passada foi noticiada a contratação de dois engenheiros – Vítor Pires Rocha e Vasco Oliveira Afonso – para elaborarem, respetivamente, um “plano diretor e análise de viabilidade da infraestrutura aeroportuária” e um estudo de “dimensionamento físico e financeiro das infraestruturas aeroportuárias a analisar”. Ambos são não só defensores da opção Alcochete, como signatários de uma petição especificamente contra o aproveitamento da base aérea do Montijo para conversão num aeroporto complementar ao Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa.
A escolha de Vítor Pires Rocha levou mesmo a uma carta de protesto da atual concessionária do aeroporto de Lisboa, a ANA, dirigida à coordenadora da CTI, Rosário Partidário, e ao ministro da tutela, João Galamba, a alegar que há um claro conflito de interesses, pelo que o convite nem deveria ter sido feito. A ANA, recorde-se, tem assinado com o Estado um memorando de entendimento para avançar com a opção Montijo, com obras a cargo da Mota Engil.
Mas estes não são os únicos defensores da opção Alcochete envolvidos nos trabalhos da CTI. São pelo menos seis as personalidades envolvidas, de alguma forma, nos trabalhos da CTI que, num ou noutro momento, manifestaram preferências por Alcochete ou elaboraram trabalhos específicos sobre essa opção para a instalação do novo aeroporto.
A começar pela própria coordenadora da CTI. Rosário Partidário participou no “Estudo para a Análise Técnica Comparada das Alternativas de Localização do Novo Aeroporto de Lisboa na Zona da Ota e na Zona do Campo de Tiro de Alcochete”, elaborado pelo LNEC em janeiro de 2008.
Rosário Partidário não foi a coordenadora do estudo, mas – enquanto professora associada do Departamento de Engenharia Civil e Arquitectura do Instituto Superior Técnico – contribuiu com a metodologia de avaliação estratégica e integração dos contributos sectoriais. E qual foi a principal conclusão do estudo?
“Em termos conclusivos, face aos resultados da análise comparada e sendo atribuída igual importância a cada um dos factores críticos analisados (para efeitos de decisão, uma ponderação diferente terá em consideração critérios de natureza política, os quais extravasam o âmbito do presente Estudo), a localização do NAL na zona do Campo de Tiro de Alcochete (CTA) é a que, do ponto de vista técnico e financeiro, se verificou ser, globalmente, mais favorável”, indica as conclusões da análise, coordenada por António Lemonde Macedo e Eduarda Neves.
Na altura presidia ao LNEC – Laboratório Nacional de Engenharia Civil o engenheiro Carlos Matias Ramos, outro assumido defensor da opção Alcochete.
Carlos Matias Ramos não tem, atualmente, funções decisórias em entidades públicas, nem faz parte oficialmente da Comissão Técnica Independente. Ainda assim, participou nos trabalhos coordenados por Rosário Partidário. A que título? O ex-presidente do LNEC integrou as “Mesas Temáticas” em que várias individualidades – representantes de entidades com interesses no sector, como o turismo ou as autarquias ou apenas convidados – debateram questões como as assessibilidades, modelos de desenvolvimento territorial ou a análise das vantagens/desvantagens de um modelo Dual (Aeroporto principal mais um complementar) ou de um Modelo Single (um único grande aeroporto).
Quanto à opção pelo Campo de Tiro de Alcochete, Carlos Matias Ramos não tem quaisquer dúvidas, tal como disse, em declarações ao Dinheiro Vivo em 2021: “A construção de uma infra-estrutura de raiz em Alcochete é uma solução muito mais favorável do que o Montijo”, já que esta última é uma opção “de remendo, sem qualquer futuro”.
É nestas Mesas Temáticas que surgem outras personalidades anteriormente ligadas à defesa da opção Alcochete. O mais polémico é o engenheiro Vítor Pires Rocha, o signatário anti-Montijo que motivou a carta de insatisfação da ANA.
Vítor Pires Rocha foi o relator de uma das Mesas Temáticas, a que analisou o modelo dual versus o modelo single. Nas conclusões dos trabalhos consta a visão de que Lisboa deveria ser servida por um único aeroporto hub (ou seja, mais uma vez a opção por Alcochete em detrimento do Montijo) com phase out do Humberto Delgado.
Noutra das Mesas Temáticas – no caso, a das Assessibilidades – o relator foi Filipe Moura, que em 2009 integrou a Comissão de Avaliação da APA relativa ao ramal de ligação ferroviária ao Aeroporto do Campo de Tiro de Alcochete, em representação do governo PS de José Sócrates.
A terminar, também integrou as Mesas Temáticas o professor, economista e antigo ministro Augusto Mateus, cujo gabinete de consultoria “Augusto Mateus & Associados” foi co-responsável pelo Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da opção Alcochete, em 2008. O EIA da opção Alcochete foi feito por um consórcio que englobava a Augusto Mateus & Associados, a DHV, especializada em Consultoria de Engenharia e a Bruno Soares Arquitectos.
Uma última palavra para o presidente da Comissão de Acompanhamento do Novo Aeroporto, Carlos Mineiro Aires. Na prática, esta comissão de acompanhamento tem como missão a fiscalização da comissão técnica independente (CTI).
Mineiro Aires, antigo bastonário da Ordem dos Engenheiros e também presidente do Conselho das Obras Públicas, não vai tão longo na defesa da opção Alcochete, mas não deixa de ter uma posição sobre o assunto.
Como disse em março de 2021 ao Dinheiro Vivo, a avaliação que optou por Alcochete foi “a única análise séria e fundamentada”. “O processo de escolha deste local e a própria AIA foram credíveis, transparentes e isentos, o que depois já não sucedeu”.
O Jornal Económico tentou ouvir novamente a coordenadora da CTI, Rosário Partidário, a propósito das personalidades com trabalho feito sobre Alcochete ou defensoras assumidas dessa opção, mas até ao momento não foi possível.
No entanto, quando o JE noticiou a contratação de Vitor Pires Rocha, Rosário Partidário assumiu que esse caso não era um problema.
Em resposta ao Jornal Económico, a presidente da CTI garantiu que "todos os contratos que assinamos têm um acordo de imparcialidade e uma declaração de conflito de interesses”. "Portanto, todas as pessoas que assinam têm esse compromisso", diz.
A responsável desvalorizou ainda, na altura, a opinião daquele especialista.
"Já viu bem a quantidade de pessoas que têm opinião firmada e publicada [sobre o assunto]? Ele pelo menos sabe do assunto. Está a fazer um trabalho técnico. Não faz parte da comissão. Faz parte da equipa contratada para fazer trabalhos técnicos. Não vai de certeza convencer-me a mim de que aquilo que ele acha é o melhor", salientou Partidário.
"Não me interessa a opinião dele, interessa-me a capacidade técnica dele”, disse ainda.
Questionada ainda se essa capacidade não poderá ser ferida por algum grau de enviesamento, Rosário Partidário foi categórica: "O estudo técnico não tem [margem para] enviesamento". Uma justificação que a responsável poderá estender aos outros elementos envolvidos nos trabalhos.