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Gentiloni afasta cenário de estagflação apesar de leva negativa de indicadores no verão

A atividade está em quebra e as pressões nos custos parecem ressurgir, algo que o corte de produção acordado entre russos e sauditas deve agravar, pelo que os receios de estagflação voltam em força. Comissário para a Economia considera demasiado cedo falar em tal, mas admite "abrandamento".

Com a economia a marcar passo e a inflação a teimar em não descer, os medos de estagflação voltaram à zona euro. Os dados desanimadores de agosto quanto aos preços criam receios quanto a uma possível segunda vaga da inflação, uma hipótese agravada pelo corte da Arábia Saudita e Rússia na produção de petróleo, enquanto o crescimento preocupa quando se olha para os inquéritos de atividade e confiança, mas a Comissão Europeia afasta o cenário: Bruxelas antecipa um crescimento anémico, embora suficiente para que o comissário para a Economia considere as preocupações extemporâneas.

As previsões atualizadas da Comissão para a economia do bloco europeu este ano mostram novo corte, desta feita para 0,8%, depois de um otimismo de pouca duração com a revisão em alta na primavera até 1,1%. Apesar de muito abaixo dos 3,5% do ano anterior, é um resultado que afastaria o cenário de estagflação que tem voltado a pairar sobre a moeda única.

Após a divulgação desta segunda-feira, Paolo Gentiloni, comissário responsável pela pasta da Economia, argumentou à Bloomberg que ainda é demasiado cedo para falar em estagflação.

“O que é claro é, em primeiro lugar, que evitámos a recessão, algo que não era óbvio há uns sete ou oito meses; […] mas, de facto, o crescimento está a abrandar. A previsão é de 0,8%. A nossa estimativa é que tenhamos uma recuperação já no próximo ano, por isso é que não lhe chamaria já estagflação – é um momento de abrandamento”, contrapôs o comissário italiano. Para 2024, Bruxelas também cortou a previsão de crescimento, apontando agora a 1,3% depois dos 1,6% do documento de primavera.

O mercado é que parece não concordar. Vários bancos de investimento cortaram já as suas previsões de crescimento para a zona euro este ano, com o Goldman Sachs e o Citigroup à cabeça, apontando ambos a um avanço de 0,4%, metade da previsão de Bruxelas. Já a Pantheon Macro projeta uma recessão na segunda metade do ano, o que dificilmente resultaria em algo melhor do que crescimento zero no final do ano.

Ainda antes da atualização das previsões macro da Comissão, o antigo governador do Banco de Portugal (BdP), Vítor Constâncio, também admitiu a possibilidade de a moeda única entrar numa situação de estagnação económica com inflação elevada, defendendo uma pausa no aperto monetário em curso.

“Creio que a área do euro está muito perto de uma recessão que, apesar de não ser muito marcada, criará uma situação de estagflação, a situação mais difícil com que a política macroeconómica pode ser confrontada”, afirmou à Lusa durante o fim-de-semana.

Panorama preocupante

A economia estagnou em termos práticos no segundo trimestre, escapando à variação nula com 0,1% de crescimento, mas com um abrandamento claro da componente externa, castigada pela recuperação menos fulgurosa do que antecipado na China. Por outro lado, os inquéritos de atividade e confiança e indicadores sectoriais davam claros sinais de quebra, deixando antever um segundo semestre complicado.

Os índices de gestores de compras (PMI) de agosto bateram mínimos de largos meses, com o indicador composto (ou seja, referente à economia como um todo) a cair para 46,7, ou seja, para terreno de contração (valores abaixo de 50 indicam uma quebra da atividade, enquanto acima de 50 mostram uma expansão). A indústria até melhorou marginalmente, mas insuficiente para sair de valores de profunda recessão, ao passo que os serviços caíram para terreno negativo pela primeira vez este ano.

Também os inquéritos de confiança pintam uma imagem preocupante e transversal a todos os sectores: consumidores, indústria e construção revelaram perspetivas profundamente negativas nos inquéritos de agosto da Comissão Europeia. Os serviços foram o contraste, embora com apenas 3,9 num índice entre -100 e 100, além de estarem em queda há cinco meses.

A produção industrial recua em termos homólogos há quatro meses, caindo 1,2% em junho, enquanto o retalho também já cai em cadeia, recuando 0,2% em julho, o que acresce aos dez meses consecutivos de quedas homólogas. Com os juros em níveis nunca vistos, o crescimento do crédito vai caindo há mais de um ano, batendo mínimos de novembro de 2015.

Do lado da inflação, o indicador homólogo de preços manteve o valor em agosto do mês anterior, 5,3%, o que também distava pouco da leitura de junho, 5,5%. A desinflação na moeda única vai perdendo gás, pressionada por nova subida dos preços dos combustíveis – uma realidade que se deve prolongar com a decisão da Arábia Saudita e Rússia de prolongarem os cortes de produção até ao final deste ano.

Apesar de reconhecer nas projeções macro atualizadas que a inflação tem riscos plausíveis de subida e descida, a Comissão continua a apontar para a tendência implícita de queda em todas as categorias de produtos, exceto os energéticos. A reunião do Banco Central Europeu (BCE) da próxima quinta-feira irá trazer novidades quanto a este capítulo e, embora o mercado se incline mais para uma pausa da subida de juros, parece haver mais falcões do que pombas no seio da decisão.

Isso mesmo reconheceu Vítor Constâncio, ainda que pedindo uma pausa. Sublinhando que não crê “ser necessária nova subida”, o antigo vice-presidente do BCE confessa ter a sensação que “a probabilidade de vir a acontecer é superior a 50%”.