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Francisco Miranda Rodrigues: "Medina que entregue dotação ao SNS. De outra forma, é insano e ingerível"

Em entrevista ao JE, o bastonário da Ordem dos Psicólogos não tem dúvidas em dizer que, no que diz respeito ao tema da saúde mental, "não falta sensibilidade" ao Governo mas o mesmo já não pode afirmar quanto ao investimento.

No dia em que se assinala o Dia Mundial da Saúde Mental, o Governo dá a conhecer as linhas mestras da proposta orçamental para 2024, com a Ordem dos Psicólogos muito atenta à forma como o Executivo deve promover o acesso dos psicólogos ao SNS: "Depois das juras, espero que venha o compromisso mais sério e consumado.

Em entrevista ao JE, o bastonário, Francisco Miranda Rodrigues não tem dúvidas em dizer que, no que diz respeito ao tema da saúde mental, "não falta sensibilidade" ao Governo mas o mesmo já não pode afirmar quanto ao investimento. "O ministro das Finanças que entregue uma dotação à Direção Executiva do SNS... e ponto. Tudo o resto é gerido por esta. De outra forma… é insano e ingerível", realça este responsável.

O Governo, de uma forma geral, é sensível relativamente às questões da saúde mental?

Não falta sensibilidade ao Governo quando às questões da saúde mental. Falta é investimento. Nas palavras há um consenso generalizado sobre a necessidade de fazer muito mais para promover a saúde mental dos cidadãos, mas parece que pouco saímos daqui. A sensibilidade mais recente está evidenciada nas palavras do ministro da Saúde, Manuel Pizarro, no passado mês de setembro. Disse ser necessário: mais psicólogos no SNS, reconhecer as especialidades que a Ordem concede para efeitos do SNS e a possibilidade de conceder estágios no SNS. Depois das juras espero que venha o compromisso mais sério e consumado ou ficamos com a ideia de que gostam muito de nós, mas para umas coisinhas aqui e ali. Já as pessoas que precisam dos nossos serviços continuam à espera da boda.

De que forma é que o OE do próximo ano deve acautelar a questão da saúde mental?

O ministro das Finanças, Fernando Medina, anunciou o fim da micro gestão feita pelo seu Ministério junto dos outros. Pode até ser que deixe de valer a pena o que sugeri já em 2018, quando propus acabar com os outros Ministérios e passar tudo a secretarias de estado sob a tutela das Finanças. O ministro das Finanças poderia funcionar mais livremente como um CEO do Governo. Embora a julgar pelos tiques de micro gestão dentro do seu Ministério isso pudesse continuar a ser má gestão, como continuam a ser exemplos os problemas de operacionalização da suposta autonomia que já teria sido dada a unidades de saúde. Agora, se acaba uma coisa a que se chama micro gestão através de cativações para se fazer através de outros instrumentos com outros nomes... Portanto, o ministro das Finanças que entregue uma dotação à Direção Executiva do SNS... e ponto. Tudo o resto é gerido por esta. De outra forma … é insano e ingerível. Só que, para isso, é preciso evitar uma hecatombe no SNS, caso não saia o estatuto da Direção Executiva. E já agora espero que alguém venha explicar detalhadamente, em qualquer circunstância, por que já vamos num ano. É uma vergonha. A saúde mental é parte da saúde, pelo que sem isto não há respostas funcionais adequadas de saúde mental nem de saúde em geral. E sim, está em curso uma reforma. Caso não estivesse não haveria os bloqueios no terreno ao que se está a tentar implementar no SNS. Alguns esfregam as mãos perante a possibilidade de tudo ficar em águas de bacalhau. Os pequenos poderes contra o interesse público.

Ao nível das escolas e das empresas, o que está por fazer no que diz respeito à saúde mental?

Nas escolas é preciso garantir orçamento para pagar aos psicólogos. Mais de metade é pago por fundos comunitários. O Orçamento de Estado tem de passar a contar com estas necessidades permanentes e a precariedade, que interrompe intervenções e não dignifica estes profissionais, deve terminar.

Quanto às empresas, tenho alguma “urticária” a tudo se resolver pela lei do orçamento, pelo que acho que o que se deve prever é as condições para que as instituições públicas, que dependem do orçamento, apliquem a lei no que diz respeito à prevenção de riscos psicossociais e que o Estado dê o exemplo quanto a esse cumprimento e às boas práticas para a promoção do bem-estar nas organizações, acabando com a crendice da gestão. Para as empresas, altere-se a legislação sobre segurança e saúde no trabalho e cumpra-se as recomendações da DGS, incluindo psicólogos nas equipas de saúde ocupacional, aliás como já assumido em termos de compromisso público pelo Secretário de Estado do Trabalho.

Os mais jovens têm cada vez mais problemas relacionados com habitação devido aos elevados preços das casas e aos baixos salários. Isto tem implicações também ao nível da sua saúde e bem-estar?

Sim. A falta de acesso a habitação é um fator que condiciona a autonomia. E a autonomia, enquanto tarefa desenvolvimentista do ser humano, é relevante para formação da identidade, regulação emocional, competências de tomada de decisão, relações interpessoais, sentido de responsabilidade e… saúde mental. Viver com independência dos pais, na sua própria casa, é um bom contributo para esta autonomização.

A Ordem dos Psicólogos tem a decorrer a campanha Ponto Final à Pobreza. Existe uma relação entre pobreza e saúde mental?

Existe. É uma relação circular viciosa. As pessoas em condição de pobreza têm maior probabilidade de sofrerem de problemas psicológicos e as pessoas que sofrem destes problemas são mais propícias a se manterem ou caírem em situações de pobreza. Uma das explicações é dada pelo conceito de escassez mental, que nos diz que o nosso espaço mental para tomarmos decisões como que “encolhe” quando estamos, mesmo que temporariamente, sobre privação material, levando-nos a um maior risco de tomarmos más decisões. Pode acontecer a qualquer um, mas os mais pobres estão mesmo em maior risco.