Depois de uma noite sensivelmente mais calma de sábado para domingo – foram presas ‘apenas’ 700 pessoas e não as 900 da noite anterior – e de as autoridades policiais terem feito regressar às ruas das cidades mais atingidas pela violência 45 mil polícias, o governo parece estar a apostar na possibilidade de uma descida de tensão.
Uma reunião no Palácio do Eliseu entre o presidente Emmanuel Macron, a primeira-ministra Élisabeth Borne e o ministro do Interior Gérald Darmanin – que está no centro do furacão – deu a entender que o governo quer responder com firmeza mas com proporção. Mantém todas as opções em aberto – com a possibilidade de decretar o estado de emergência a pairar sobre o país – mas a intenção, segundo os analistas, é promover o esvaziamento do conflito nas ruas.
Além disso, as autoridades têm evidenciado que uma parte da contestação já resvalou para a banalidade do crime: pilhagens, invasão de centros comerciais (pelo menos duas dezenas) e supermercados (mais de 200). Banditismo puro, que como tal deve ser tratado. Evidentemente que esta opção pretende ‘descarnar’ a violência do seu lado mais político, mas a oposição, cumprindo o seu papel, está a dificultar essa via. E não larga o governo – que diz estar cada vez mais distante da população e dos seus anseios.
Desgraçadamente para o governo e para o presidente, o conflito patrocinado pela morte de Nahel M. surgiu imediatamente a seguir à perturbação causada pelo aumento da idade da reforma e outras medidas na área social, que já tinham atirado a França para uma situação de forte conflitualidade social.
A intervenção desastrada da polícia era a última coisa que, do ponto de vista político, Macron precisava. Não só do ponto de vista interno, mas também externo: o país dá de si uma imagem de ser uma sociedade em profunda contradição, onde a modernidade se confunde com a perceção de que antigos traços de mediocridade continuam perenemente presentes. Perante o caso da morte de Nahel M. ninguém consegue esquecer que a França é o mesmo país do caso Dreyfus e do governo de Vichy – que não teve qualquer pejo em favorecer as políticas de perseguição étnica dos seus parceiros alemães: o regime de Hitler.
As repercussões externas – que levaram vários governos europeus e a ONU a comentar o sucedido – são uma dor de cabeça para Emmanuel Macron. O presidente não esconde que a a política externa é uma das suas áreas preferidas – e o estado de sítio que se instalou em algumas regiões do país é evidentemente uma humilhação política que Macron dispensaria. Até porque desta vez não tem uma saída airosa – como teve no anterior caso dos desentendimentos com a comunidade turca, há cerca de dois anos atrás – de que resultou inclusivamente um ‘desarranjo’ diplomático com Recep Erdogan.
Entretanto, o país está em estado de choque com o caso do autarca de de L'Hay-les-Roses. O facto de a quinta noite de tumultos (de sábado para domingo) ter sido mais tranquila que as anteriores, só evidencia a violência do ataque sofrido por Vincent Jeanbrun, prefeito (do partido Les Républicains) de L'Hay-les-Roses (Val-de-Marne). Por volta da 1h30 dessa madrugada, enquanto o autarca dormia na câmara municipal, a sua casa foi assaltada tendo sofrido uma tentativa de incêndio. Vários indivíduos forçaram o portão da casa com um veículo e o caso está a ser tratado pelo Ministério Público como uma tentativa de homicídio.
Segundo os jornais, muitos franceses terão finalmente percebido que o regime de violência que se vai instalando pode vir a correr muito mal e que todos têm de fazer qualquer coisa para ‘apagar’ um rastilho que pode fazer explodir muito mais que aquilo que era suposto.