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França arrasta a Europa para subida dos juros da dívida

A profunda crise política que se arrasta em França desde junho de 2024 e que não tem fim claro à vista é responsável pelo aumento generalizado dos juros das economias da União europeia. Entretanto, o país foi abalado pelo tsunami Edouard.

A abertura dos mercados da dívida esta terça-feira lançou nuvens densas sobre vários países da União Europeia, ‘’à boleia’ do que estava claro que iria suceder com a França – uma das duas maiores e mais importantes economias do bloco. Os juros das obrigações a 10 anos de França estacionaram nos 3,592%, contra 3,567% do dia anterior – no que foram acompanhados pela Alemanha, considerada a dívida mais segura da Europa, que subiam para 2,727%, contra 2,718% na segunda-feira.

Portugal não ficou imune: os juros a 10 anos avançavam para 3,129%, contra 3,111% na segunda-feira, com os juros a cinco anos a subirem dos 2,421% para 2,432%, e os juros a dois anos avançaram para 2,008%, contra 1,997%.

Nem mesmo uma economia ‘blindada’ como a da Irlanda consegui resistir à tendência e se os juros a dois e a cinco anos desciam, registavam o movimento contrário a 10 anos, estando nos 2,98% - quando há duas semanas estavam nos 2,15%. Os yelds a 10 anos de Itália estavam esta terça-feira nos 3,602%, que comparam com os 3,557% de há quatro dias.

O diferencial entre as yields (spread) com a Alemanha atingiu os 0,87, um pico desde 2012, exacerbado pela descida da notação soberana pela Fitch e pela persistente instabilidade política. Pela primeira vez, a dívida francesa a 10 anos chegou a negociar com um prémio superior à de Itália esta segunda-feira, movimento que entretanto foi revertido. A esmagadora maioria dos juros das dívidas soberanas europeias estava esta terça-feira a crescer – com a exceção da Polónia e da República Checa.

Mas nem tudo foram más notícias para a França: as consequências foram imediatas para os mercados de capitais, com o CAC 40, o principal índice francês do mercado de capitais, a cair quase 2% durante a sessão desta segunda-feira, com os bancos franceses a liderarem as perdas, nas conseguindo recuperar no dia seguinte. De facto, esta terça-feira, o índice abriu a descer, mas, depois de ter atingido um mínimo de 7.935,29 pontos, iniciou uma rota de crescimento até aos 8.004,79 pontos. Desgraçadamente, não a conseguiu manter e o índice acabaria por fechar nos 7.791,78 pontos, a cair face aos 7.974,91 pontos da abertura.

O pedido de demissão de Sébastien Lecornu ao cargo de primeiro-ministro de França, aceite por Emmanuel Macron, “sinaliza uma profunda disfunção na vida política francesa.  Esta saída repentina, num momento em que o país procura uma orientação orçamental e social clara, mergulha a França numa instabilidade política sem precedentes desde o início do segundo mandato de Emmanuel Macron”.  A leitura da realidade política francesa, inscrita no mais recente ‘research’ de Antoine Andreani, diretor de Research da XTB França, indica que “o presidente francês enfrenta agora um dilema: nomear urgentemente um novo primeiro-ministro, dissolver uma Assembleia Nacional já fragmentada ou assumir, pelo menos simbolicamente, a responsabilidade pelo impasse atual”.

“O executivo parece paralisado, enquanto a opinião pública assiste, cansada, a um espetáculo político que se tornou quase rotineiro na sua crise permanente”. Para o analista, França encontra-se numa posição delicada: défices orçamentais elevados, instabilidade política e crescente desconfiança dos investidores criam uma combinação tóxica. Em setembro de 2025, a dívida pública atingiu 3,345 biliões de euros, ou 114% do PIB, a mais elevada da zona euro. Os défices continuam preocupantes: 5,8% do PIB em 2024 e 5,4% projetados para 2025. As yields da dívida publica têm subido desde 2024: a taxa de referência a 10 anos está agora em 3,60%, uma barreira crítica que não deve ser ultrapassada por receio de um ataque à dívida francesa. O diferencial entre as yields (spread) com a Alemanha atingiu os 0,87, um pico desde 2012, exacerbado pela descida da notação soberana pela Fitch e pela persistente instabilidade política.

“Todos os governos que tentaram reduzir o défice foram derrubados, aumentando os receios de que, em 2026-2027, o custo da dívida pública possa exceder o orçamento nacional para a educação (66 mil milhões de euros contra 64 mil milhões de euros). Hoje, está em jogo a própria credibilidade do Estado e a confiança na democracia. A dívida francesa ameaça transformar um choque político numa tempestade sistémica. França deve agora provar que ainda pode manter-se de pé”, conclui Antoine Andreani.

Com um défice orçamental de 5,8% em finais de 2024, os analistas consideram que o atual momento irá com certeza pressionar ainda mais este indicador – tanto mais que a causa imediata da crise é, neste momento, o facto de as forças políticas não conseguirem encontrar uma plataforma de entendimento para assegurarem um Orçamento do Estado.

 

O tsunami Edouard

O dia político francês ficou marcado por declarações de Edouard Philippe – o primeiro primeiro-ministro da era Emmanuel Macron – que aconselhou o atual presidente a antecipar as eleições presidenciais. Mas não de imediato. O ex-primeiro-ministro considera que o presidente francês deve nomear um primeiro-ministro cuja principal função será "aprovar um orçamento" e, em seguida, anunciar "eleições presidenciais antecipadas". "Parece-me que ele se honraria se nomeasse um primeiro-ministro com a função de executar os assuntos correntes, elaborar um orçamento e fazê-lo aprovar", defendeu o presidente do partido de centro-direita Horizons. Assim que o Orçamento do Estado for aprovado, "ele anunciaria que vai organizar eleições presidenciais antecipadas. Ou seja, ele sai imediatamente após a aprovação do Orçamento".

“Não se pode obrigar o presidente da República a partir", disse ainda Édouard Phillipe. "Uma demissão imediata e brutal teria um impacto terrível, impediria uma eleição presidencial que decorresse em boas condições", afirmou – sabendo que uma parte dos deputados está a tentar acionar um impeachment presidencial. Segundo Édouard Philippe, a "saída da crise" política em que França se encontra há mais de um ano depende de Emmanuel Macron. "Face a este colapso do Estado, ele deve tomar uma decisão à altura da sua função e, para mim, isso significa garantir a continuidade das instituições, partindo de forma ordenada".

Recorde-se que o antigo primeiro-ministro está também ele na corrida às presidenciais que, se o calendário não mudar, serão realizadas no segundo trimestre de 2027. Édouard Philippe, primeiro-ministro entre maio de 2017 e julho de 2020, confirmou no início de setembro a sua candidatura presidencial, quase dada como certa desde a sua saída do governo. "Os franceses vão decidir", afirmou na altura, dizendo estar preparado para a eventualidade de uma demissão de Macron.