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Fed deve manter juros inalterados, mas pico pode ainda não ter chegado aos EUA e zona euro

Os mercados acreditam firmemente no pico dos juros nos EUA e, com menos intensidade, na zona euro, mas o risco de uma segunda vaga da inflação dificulta o trabalho dos bancos centrais. Caso se confirme a pausa nos EUA, BCE fica com mais margem para não subir taxas em novembro.

A Reserva Federal norte-americana volta a reunir entre hoje e amanhã, sendo expectável que mantenha as taxas de referência inalteradas, dada a perceção generalizada de investidores e analistas de que o pico do aperto monetário está já alcançado. Ainda assim, há quem alerte para os riscos de nova vaga da inflação, tanto nos EUA, como na zona euro, o que obrigaria a novas subidas e mais longas.

A reunião de terça e quarta-feira da Fed dificilmente resultará em alterações nos juros de referência, atualmente no valor mais elevado desde janeiro de 2001, 5,5%. O mercado atribui 99% de probabilidade a ficar tudo na mesma, mudando o foco da reunião para a atualização de previsões macro e para o discurso de Jerome Powell, presidente da instituição, após o anúncio.

No entanto, a perceção do mercado pode estar errada: o Banco Internacional de Compensações (BIS, em inglês) avisa que a dinâmica de inflação pode voltar a acelerar, com alterações estruturais da economia, problemas no mercado de habitação e falta de mão-de-obra qualificada a encarecerem novamente produtos e serviços, obrigando a novas ações dos bancos centrais europeu e norte-americano.

No caso norte-americano, a iminência de uma paralisação do Governo federal piora a confiança dos consumidores e dos empresários, representando 800 mil trabalhadores sem remuneração, mas há mais: o sector automóvel arranca esta semana com greves, piorando o cenário numa indústria chave que contribuiu consideravelmente para a inflação no início do fenómeno de subida de preços, e são retomados os reembolsos de dívida estudantil, o que representará menos rendimento disponível para os jovens consumirem.

Os investidores foram ajustando as suas perspetivas ao longo do último ano face à persistência da inflação na zona euro e nos EUA, ao passo que a atividade em ambas as economias aguentou melhor do que se projetava, dando mais margem de manobra para continuar a escalada de juros. Agora, e face ao abrandamento da desinflação que se vinha registando nas últimas leituras, os bancos centrais arriscam-se a ter de manter as taxas mais altas do que previam e durante mais tempo.

A zona euro atravessa uma situação semelhante, embora com mais sinais de quebra do lado da economia real. Ainda assim, caso a Fed marque passo em setembro e deixe os juros inalterados, o diferencial entre os 5,5% de referência nos EUA e os 4,5% na zona euro não se alargará, retirando alguma pressão ao Banco Central Europeu (BCE) para continuar a subir taxas.

Admitindo que a Fed deixa tudo inalterado na reunião que termina amanhã, a Goldman Sachs projeta duas questões determinantes entre os responsáveis de política monetária (além das relacionadas com a atualização de previsões): primeiro, se nova subida dos juros em novembro continuará a ser apropriada; segunda, se a taxa neutra deve ser repensada.

Em teoria monetária, uma taxa de juro neutra não afeta a atividade económica, ou seja, não resulta em contrações nem expansões da atividade real.

As minutas da Fed mostram que a perceção dos seus responsáveis sobre a taxa neutra, um conceito fortemente abstrato e sem verificação empírica, se tem mantido virtualmente inalterada desde 2019, mas dado que “a economia se tem mantido espantosamente resistente face a elevadas taxas de referência”, os atuais 2,5% devem ser repensados.

Ao mesmo tempo, o banco norte-americano de investimento mantém como cenário base cortes de juros em 2024, embora “o caso não esteja selado”. O argumento da Goldman Sachs prende-se com a resistência da economia norte-americana até agora, quando “a maior parte dos efeitos das taxas mais elevadas já está para trás, o que quer dizer que a economia não precisará de cortes de juros para evitar uma recessão”.