As exportações do setor têxtil português “não deverão ir além dos 5,5 mil milhões de euros no final deste ano”, segundo estimativas da Associação Têxtil e do Vestuário (ATP) reveladas ao JE pelo presidente da organização, Mário Jorge Machado. A verificar-se, este valor representará uma diminuição da ordem dos 3,5% em relação aos 5,7 mil milhões registados em 2023 – que já de si incorporava uma quebra de 5,6% face ao ano de 2022. Mesmo assim, segundo Mário Jorge Machado, as exportações portuguesas para a Europa – para onde se dirigem pelo menos 80% do total das vendas ao exterior – “continuam a ganhar quota de mercado, uma vez que o mercado europeu desce menos que a diminuição das exportações, cerca de 2,3%.
A desconfiança dos consumidores europeus – e também o facto de o dinheiro disponível ter ‘secado’ com o aumento das taxas de juro – “explicam em grande parte a diminuição das vendas de têxteis na Europa”, referiu o presidente da ATP, o que se juntam “as guerras e as eleições norte-americanas” como elementos igualmente perturbadores dos mercados europeus. Sinal mais negativo que a generalidade do mercado chegam da Alemanha: “o motor da Europa está em dificuldades e isso é um mau indicador” para todos os sectores. Até porque, convém não esquecer, os têxteis portugueses estão expostos ao sector automóvel como fornecedor: cerca de 1,2 mil milhões de euros dos quase 15 mil milhões que os componentes automóveis nacionais faturaram em 2023 são da responsabilidade do item ‘têxteis e outros revestimentos’.
Para Mário Jorge Machado, duas grandes alterações poderiam colocar a indústria têxtil portuguesa de volta aos trilhos do desenvolvimento: a alteração das regras das compras públicas na Europa; e a aposta na investigação de novos materiais, nomeadamente ao nível das biofibras.
Para Mário Jorge Machado, “não faz sentido que, como indica o relatório Draghi, cerca de 80% das compras de organismos públicos europeus sejam fechadas fora da Europa. Ora, isso coloca seriamente em risco qualquer ação que tenha em vista a reindustrialização da Europa”, alerta. É, por um lado, gastar fundos na reindustrialização e, por outro, retirar-se receita numa área que seria com naturalidade o seu mercado mais fácil de atingir.
Em paralelo, a economia circular pode auxiliar a indústria. “A produção de fibras com recurso a derivados do petróleo ou à produção agrícola, como o algodão, tem uma alternativa mais barata e de menor impacto no meio ambiente: as biofibras – que resultam do aproveitamento de tecidos em fim de vida, a que se acrescentam resíduos da agricultura”. Para Mário Jorge Machado, estando a investigação neste domínio a desenvolver-se exatamente no norte do país, é de supor que em pouco tempo seja possível á indústria aceder a esta alternativa como fator de produção. Neste momento, disse, apenas cerca de 1% das fibras usadas na indústria têm esta proveniência inovadora, mas a perspetiva é que possam crescer “para os 30 a 40%”.
Mário Jorge Machado chamou ainda a atenção para as virtudes da digitalização e da robotização do sector. Que, de modo geral, são duas: diminuem as necessidades de captação de recursos humanos – um problema que o sector enfrenta há já alguns anos – e permitem uma produção sem stocks (o que, do ponto de vista logístico, induz uma grande poupança.
As declarações de Mário Jorge Machado surgem na sequência da 64ª edição do Modtíssimo, a maior e mais antiga feira ibérica do sector. A feira – que tem lugar na Exponor esta quinta e sexta-feira – vai contar com cerca de 145 expositores, um número bem longe dos mais de 200 que estiveram na edição anterior, realizada em fevereiro do ano passado. A isso não será alheio o facto de a empresa que até agora organizava o certame, a Selectiva Moda, ser uma das que compunham o universo empresarial de Manuel Serrão, entretanto acusado de desvio de fundos europeus – num processo que começou no início do ano.