A investidura do socialista Pedro Sánchez como presidente do próximo governo de Espanha deve ter lugar esta quarta e quinta-feira, mas a extrema direita do Vox tem uma última ‘cartada’ nas mãos: um pedido de suspensão preventiva da própria investidura – tudo por causa do que diz ser a inconstitucionalidade do acordo firmado entre o PSOE e os catalães do Junts per Catalunya. Para o Vox, o acordo – que prevê a possibilidade de um referendo sobre a matéria sem se saber exatamente em que moldes ele pode ocorrer (dado que é inconstitucional) – não pode ser aceite e o rei Filipe VI não pode promulgá-lo.
É claro para todos que Filipe VI não é propriamente o mais entusiasmado com a plataforma criada entre os socialistas e os catalães (um partido de centro direita), mas também não está confortável com o impasse político a que o país chegou depois de o vencedor das eleições de julho, o Partido Popular de Alberto Núñes Feijóo não ter conseguido ser investido para formar governo. E também não estará agrado com a violência que o tema suscitou já por diversas vezes – com manifestações convocadas pelo Vox para recusar o acordo resultarem em confrontos com as forças da ordem. O PP tem tentado manter-se à margem da violência física, mas não da violência verbal: Feijóo tem dito que a investidura de Pedro Sánchez é um atentado à democracia espanhola e algo nunca antes visto – pelo menos do lado de lá da fronteira com Portugal.
Para todos os efeitos, o que está previsto – e se nada de inesperado ocorrer – é que Pedro Sánchez garanta a possibilidade de formar um governo de coligação com o Sumar, o spin off do Podemos, que se tem mostrado completamente ao lado das iniciativas do PSOE para se aproximar tanto do Junts como de todos os restantes partidos regionais (catalães, bascos, galegos e das Canárias) com que os socialistas querem contar para voltarem ao poder, de onde aliás não chegaram a sair.
Para ‘descanso’ do rei, Pedro Sánchez e Carles Puigdemont, líder do Junts no exílio e euro-deputado – bizarria que o acordo pretende resolver – determinaram que o entendimento entre ambos ultrapassa a própria investidura e segue em frente até ao final da legislatura (ou até que suceda qualquer problema inultrapassável entre as partes). O que, do ponto de vista político, dá algum conforto aos espanhóis em termos de perenidade da solução e pretende transmitir (nomeadamente aos investidores estrangeiros) a previsibilidade e a sustentabilidade do próximo governo. Ou seja, os dois partidos não terão que, todos os anos e a propósito do orçamento do Estado, voltarem à mesa das negociações – algo que o PSOE conseguiu constituir como uma vantagem em relação ao acordo que chegou a ter com a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC).
Para os analistas, o acordo esconde outro problema: insiste no aumento da despesa pública – e neste aspeto a Suma conseguiu impor algumas decisões que vão precisamente nesse sentido – o que é uma pressão adicional sobre a dívida pública espanhola (em percentagem do PIB), a quarta mais alta da União Europeia (à frente da portuguesa e atrás da francesa). Sánchez defende-se afirmando que o PRR (ou Plano de Recuperação, Transformação e Resiliência, como se chama do outro lado da fronteira) será forma de ‘repescar’ o país da má posição em que se encontra na frente da dívida pública. Recorde-se que até abril passado Espanha era o primeiro dos 27 Estados-membros a cumprir as metas impostas pela União Europeia, numa altura em que Portugal se atrasava nessa ‘corrida’.