Primeiro estranha-se, depois entranha-se. Parece ser esta a mensagem que o socialista Pedro Sánchez tem para transmitir aos espanhóis. Nomeadamente à maioria que votou no Partido Popular em 23 de julho passado – e cujos votos podem estar a dois dias de não valerem nada.
As Cortes espanholas começam esta terça-feira, 26 de setembro, a debater a investidura do líder popular, Alberto Núñes Feijóo, para no dia seguinte as suas propostas serem derrotadas pela maioria não-absoluta da câmara. Se tudo se passar como o PSOE tem determinado, dias depois, o rei Filipe VI irá propor a Sánchez uma investidura alternativa que, em princípio, com os votos dos independentistas catalães e bascos, lhe permitirá formar o próximo executivo espanhol.
Para trás ficarão semanas em que todos os partidos e todas as figuras mais destacadas dos partidos – novos e velhos, ex-presidente de governo e ex-ministros – trataram de dramatizar a situação política. A ala direita lembrando que nunca na democracia espanhola aconteceu o partido mais votado não governar, a ala esquerda afirmando que há sempre uma primeira vez para tudo.
Entre a direita, populares e extremistas do Vox afirmavam que os socialistas, juntamente com a esquerda moderada do Sumar, ficarão nas mãos de um bando de independentistas e mesmo de ex-terroristas ligados à extinta formação da ETA. A aliança já não é propriamente nova: Pedro Sánchez teve de a ela recorrer desde 2018, o ano em que chegou ao poder pela primeira vez. Para aumentar o drama, a direita considera que a amnistia que o PSOE está a engendrar para livrar os independentistas do processo (o procés, assim é conhecido), que sob eles foi lançado depois do referendo à independência da Catalunha (em 1 de outubro de 2017), é o fim do Estado de direito.
A esquerda responde que o Estado de direito fica bem mais abalado pelo facto de Espanha ser (em princípio) o único país da União Europeia que tem presos políticos em pleno século XXI.
No meio de toda esta crispação está Filipe VI, que os analistas consideram ser aquele que mais ‘sofre’ com a amnistia, colocando mesmo a hipótese de não a assinar. Tudo o que o atual rei não quer (mesmo que não corra o risco de ser o primeiro) é que o seu nome fique de algum modo ligado a um movimento de secessão que fracione o país. Contingências da história que a Espanha conhece bem.
O fim-de-semana foi de ‘balbúrdia’ política: o PP organizou na capital, Madrid, uma grande manifestação que serviu precisamente para recordar que o partido ganhou as eleições e deve assumir a governação do país. A muitos quilómetros dali, na capital da Catalunha, Barcelona, Pedro Sánchez respondia que não vai ser isso que vai acontecer, e acusou os populares de fazerem os espanhóis perder tempo com uma investidura que não tem como sair vitoriosa.
Nos dois dias de debate da investidura, teme-se que a crispação entre Pedro Sánchez e Alberto Núñes Feijóo atinja o zénite político e que as Cortes transmitam ao mundo uma imagem que não será por certo a melhor e mais civilizada.