Skip to main content

Em dez anos o sector da cortiça teve um crescimento de 47% nas exportações

Em 2023 o sector da cortiça atingiu um novo recorde no valor das exportações, de 1.232 milhões de euros, já em 2013 o sector conseguiu chegar aos 834 milhões de euros, o que faz com que em dez anos o sector tenha apresentado um crescimento de 47%.

A cortiça é um material com grande peso na economia portuguesa, uma vez que o país é líder mundial nas exportações deste material. Em Portugal existem 800 empresas a trabalhar neste sector, que empregam mais de oito mil pessoas e que fazem chegar a cortiça portuguesa a mais de 100 mercados.

No ano passado, o sector conseguiu atingir novos recordes nas exportações de cortiça, chegando aos 1.232 milhões de euros, o que corresponde a um crescimento de 2% face a 2022. Isso em valor, porque em quantidade exportada, caíram 12%. No entanto, se fizermos um balanço da década, o sector teve um aumento de 47% nas exportações de cortiça (em 2013 as exportações estavam nos 834 milhões de euros).

João Rui Ferreira, secretário-geral da APCOR, revelou ao Jornal Económico (JE) que apesar de 2024 não se mostrar como um ano muito fácil, o sector mantém a sua meta de chegar aos 1.500 milhões de euros em exportações até 2030.

O sector da cortiça tem vindo a ter um crescimento positivo, tendo em dez anos chegado a um crescimento das exportações de 47%, qual é o balanço que se pode fazer deste sector?
O contexto da última década foi positivo, sobretudo pela alteração do mix de produtos, mas registamos desde o segundo trimestre de 2023 contração na procura, que se mantém neste início de ano, o que coloca uma pressão muito forte na indústria. Como sempre, a fileira tudo fará para encontrar as respostas a este momento mais adverso e, num quadro de mais competitividade face aos concorrentes, reiniciar um ciclo de crescimento.

O crescimento das exportações de cortiça de 2022 para 2023 foi menor do que o registado entre 2021 e 2022.
É um crescimento que é o resultado de um grande esforço e de uma grande capacidade e de resiliência das nossas empresas, num ano que teve momentos muito distintos ao longo do próprio ano. Este crescimento foi muito conseguido à base daquilo que foi o primeiro semestre, onde crescemos cerca de 4%. Depois no segundo semestre já tivemos em contração e ainda assim conseguimos ter um crescimento em valor na casa dos 2%, tendo conseguido aumentar as nossas exportações. Mas efetivamente tivemos no balanço do ano uma redução das quantidades exportadas de cerca de 12%.

Que preocupação é que estes valores trazem para o sector?
Há um grande fator de preocupação. Nós tivemos dois anos de forte crescimento no preço das matérias-primas, tivemos um crescimento acumulado de aumento de preços em cerca de 45%: cerca de 20% em cada um dos anos. Em 2024, tendo em conta aquilo que é a circunstância que temos pela frente, não há uma perspetiva de grande crescimento em volume. Obviamente é um ano fundamental para recuperar os índices de competitividade, para haver uma correção daquilo que foi, pelo menos, o aumento de 2023. O que ainda assim deixará um crescimento ao longo de toda a fileira do aumento das matérias-primas em cerca de 25%. Em três anos é um aumento muito interessante em termos de rentabilidade.

O que é que o sector tem de fazer?
Temos objetivamente de aumentar os nossos índices de competitividade e de rentabilidade para poder entrar novamente numa curva de crescimento. No mundo do vinho, que é o nosso principal cliente, onde exportamos 75% do valor, temos notícias, quer da performance de exportações nacionais, quer daquilo que são os números internacionais, onde temos uma produção de vinho em 2023 que é a produção mais baixa desde 1961, portanto, temos uma quebra da produção e é um indicador que nos deixa preocupados, ainda que obviamente, nem todo o vinho é engarrafado.
Vai ser importante olharmos para tudo o que são os nossos fatores de produção, sobretudo para a questão mais orientada na matéria-prima, para podermos ter aqui alguma competitividade novamente.

O mercado dos Estados Unidos atingiu um novo recorde nas exportações, chegando aos 214 milhões, qual é a explicação?
Foi um mercado onde provavelmente o impacto nas questões conjunturais mais relacionadas com consumo e com a produção teve um menor impacto, é também um mercado do setor que valoriza os produtos da cortiça com maior valor acrescentado. E, portanto, houve também uma aposta num trabalho forte do setor em reafirmar as credenciais técnicas e de sustentabilidade do produto. Isto resulta de um trabalho de longo prazo naquilo que é a reafirmação e o reforço da imagem da cortiça nestes mercados e os Estados Unidos teve de facto esta performance em 2023, tendo sido o principal contribuinte em termos de mercados para conseguirmos manter este crescimento de 2% das exportações.

Portugal ainda é o líder mundial das exportações de cortiça.
Somos líderes incontestados por larga margem, mesmo face ao segundo maior exportador, a Espanha, sendo que muito daquilo que exporta são produtos que saem de Portugal próximos de ser um produto final e depois são reexportados. Portanto, mais do que aquilo que é distribuição aritmética, o peso aritmético que Portugal tem no total das exportações há de ser entre os 70% ou 70 e poucos por cento. Grande parte do valor acrescentado é hoje feito em Portugal e esta é uma nota importante. Nem sempre foi assim ao longo da nossa história, noutros períodos da história exportávamos produtos ou matéria-prima até é em fase de semi acabado, com baixa incorporação de valor e hoje em dia somos até um importador de matéria-prima para Portugal de alguns produtos, componentes e matérias-primas para depois acrescentar valor em Portugal e colocar nos mercados. É em Portugal que está grande parte do conhecimento científico.

Este é um sector que tem um grande peso na nossa economia?
Sim, em todas as dimensões. E aquilo que nós ambicionamos e, Portugal obviamente tem de ser, é que seja líder mundial nas áreas da sustentabilidade. E quando pensamos em desenvolvimento e sustentabilidade, não dissociamos um do outro, portanto, não há desenvolvimento sem ser sustentável e em qualquer das dimensões da sustentabilidade, esta fileira tem um contributo muitíssimo importante para o país, desde logo na componente ambiental, estamos a falar de uma fileira que é um contribuinte positivo líquido em todas as credenciais ambientais. Somos negativos nas emissões de dióxido de carbono, ou seja, retemos dióxido de carbono.
Emitimos naquilo que é a preservação da biodiversidade, provavelmente a maior externalidade positiva de toda a fileira naquilo que é a retenção de água nos solos, mantendo a qualidade dos solos e do território, e naquilo que é o combate às alterações climáticas. Isto através do que é um pilar base essencial de toda a fileira, que é um montado que não é transladado. A fileira da cortiça tem um impacto muito positivo, do ponto de vista da criação do trabalho e emprego em zonas onde a atividade económica é menos desenvolvida, temos um índice salarial de remunerações e de atratividade para o setor acima daquilo que são os mínimos nacionais.

O sector está localizado em três pólos principais.
Temos de facto a zona sul da área metropolitana do Porto, concelho da Feira, com uma grande presença da indústria da cortiça. Temos aqui um know-how, um expertice, um conhecimento e uma presença forte ao nível das empresas, e depois temos na região de Coruche e Ponte de Sor, outros dois polos de atividade industrial e em algumas etapas da cadeia de produção ou da cadeia de valor. Portanto, numa fase ainda mais inicial, mais ligadas à preparação da matéria-prima, à primeira transformação de alguns produtos.
É este o cluster que temos organizado em Portugal, mas é um setor que tem uma dispersão e uma presença global muito grande, muitos dos nossos produtos são depois finalizados muito próximo já do cliente e, portanto, as empresas portuguesas têm depois filiais e distribuidores em todas as geografias que recebem os produtos de Portugal e vão depois otimizá-los e customiza-los para o cliente.

Apesar de estar afetada a estes três principais polos, pode dizer-se que o sector está um pouco de todo o mundo.
Apesar da presença estar do ponto de vista industrial da transformação, bastante concentrada no concelho de Santa Maria da Feira, depois toda a atividade está dispersa pelo mundo. Aliás, é um dos grandes fatores competitivos e diferenciadores desta fileira. É a grande capacidade de perceber o contexto global até com alguma antecipação, porque esta presença física e das filiais em várias geografias permite ter uma leitura muito rápida daquilo que é o mercado. Apesar de sermos um negócio ou uma fileira que termina no B2B, em que nos relacionamos com profissionais, esta proximidade permite-nos ter uma leitura rápida do mercado e também por isso antecipar quando assim é aquilo que são ou oportunidades ou dificuldades, sendo que nas dificuldades temos tido um engenho de as transformar em oportunidades e, portanto, este é um fator que nos permite sermos líderes a partir de Portugal, mas com uma presença global em todo o mundo.

Estabeleceram a meta de chegar aos 1.500 milhões de euros em exportações até 2030. Ainda se mantém esta meta?
Apesar deste momento conjuntural continuamos a manter esse objetivo. Entendemos que pode ser alcançado independentemente de 2024, ser um ano de transição. Enfim, não há ciclos económicos negativos que durem para sempre e, portanto, o contexto internacional também terá que encontrar soluções. 2024 é um ano atípico a todos os níveis, pela quantidade de eleições que temos, pela quantidade de incertezas macro que o mundo nos coloca, mas essa meta é alcançável e é atingível, o objetivo é perfeitamente atingível numa taxa de crescimento que mesmo abaixo daquilo que foram os últimos 10 anos, vai nos permitir lá chegar e para isso nós temos aqui três pilares que são essenciais para cumprirmos esse objeto.

Qual é o primeiro eixo?
O mercado. Terminámos uma campanha de promoção internacional alargada em junho de 2023 e estamos à espera que tenhamos oportunidade em termos de programas do PT2030, de colocar uma nova ação de promoção internacional para continuarmos a estar presentes nos mercados. Nós tivemos uma aposta desde 2010 numa inversão de estratégia, onde passamos a ter dois grandes novos fatores. O primeiro foi a sustentabilidade como a principal mensagem de comunicação de toda a fileira, a juntar a isso uma grande credibilidade e qualidade dos produtos e a segunda foi que deixamos de comunicar apenas para aquilo que eram os nossos cliente e passámos também a comunicar por aquilo que eram os consumidores. Isto fez com que a cortiça, hoje, tenha uma presença muito granular e muito mais próxima dos consumidores, dando a conhecer aquilo que é um material único.

Em que consiste o segundo eixo?
O segundo grande eixo é o eixo industrial. Portanto aqui um trabalho extraordinário de toda a fileira industrial em dois pontos de vista, um foi introduzir a inovação, a tecnologia e aumentar a qualidade e a fiabilidade dos produtos. E, portanto, há hoje uma diversidade de aplicações.
No projeto estratégico da APCOR em 2024, quer pôr no terreno uma agenda de transformação tecnológica ou de desenvolvimento tecnológico do sector, com base naquilo que foi um diagnóstico exaustivo que  a indústria fez em 2023, identificamos quais serão as áreas prioritárias para fazer esta ação, desenvolvimento tecnológico que vai permitir às empresas que estão em estados mais atrasados poderem fazer uma progressão e dar saltos tecnológicos. E às empresas que estão mais avançadas vai possibilitar aí também ambicionar a novas dimensões.

E o último eixo?
Como condição essencial para tudo isto, e para que possamos manter esta rota de crescimento em valor, admitimos que ela é possível com os dois primeiros pilares, no entanto temos a questão da produção florestal para podermos ter em Portugal, e inverter aquilo que foi a tendência dos últimos anos, que era um aumento da procura por um lado, e uma diminuição da produtividade nos nossos montados por outro. Portanto, nós tivemos a trabalhar durante o último ano, em parceria com o Ministério do Ambiente, num plano nacional para o sobreiro, um plano de longo prazo, e que visa ações no terreno até 2030, com um volume de investimento acima dos 500 milhões de euros e que visa aumentar a produtividade dos montados atuais em Portugal, ou seja, produzir mais cortiça naquilo que são os montados existentes e encontrar novas áreas de plantação para sobreiros, recorrendo a novas tecnologias e a diferentes formas de plantações e de técnicas agro silvo pastoris, que nos permitam não só aumentar a produção de cortiça nas áreas que temos hoje, mas encontrar obviamente, novas áreas, porque o sobreiro é uma espécie que se adapta do ponto de vista climático e do ponto de vista de solos a diferentes regiões do país e, portanto, estes três grandes eixos são aquilo que estamos a trabalhar.

Perante o contexto que temos, quais são as perspetivas do sector para este ano?
Todas estas ações que falei são ações com efeitos de médio, longo prazo. Não esperamos resultados no imediato, portanto, sabemos que se não começarmos agora, vamos ter os resultados cada vez mais mais tarde. Diria que para 2024 há mesmo esta estratégia e esta responsabilidade, ou pelo menos este esforço que toda a fileira tem que fazer para todos contribuirmos para retomar uma estratégia de crescimento e, desde logo, onde podemos atuar rapidamente é nesta circunstância de ter um foco na competitividade do sector e por via de uma correção e por um ajuste naquilo que foi uma evolução fortíssima do preço da matéria-prima em dois anos e, portanto, estamos certos que haverá um esforço partilhado entre todos para que possamos ter, já em 2024, esse reajuste, para podermos depois estar mais preparados e dar essa competitividade a todos para combatermos aquilo que são os  produtos artificiais, quer dar às nossas empresas essa capacidade de investir e de continuar a apostar no crescimento.