O Ensino Superior não só sai da nomenclatura como nem sequer tem direito a secretário de Estado. A orgânica do novo Ministério da Educação, Ciência e Inovação, que junta as anteriores áreas da Educação e Ensino Superior, Ciência e Tecnologia, anteriormente repartidas por dois ministérios, aponta para a tutela direta do ministro Fernando Alexandre, até, por exclusão de partes. Alexandre Homem Cristo é secretário de Estado Adjunto e da Educação, Pedro Machado da Cunha, secretário de Estado da Educação, e Ana Paiva, secretária de Estado da Ciência.
A perda de autonomia é entendida como atestado de menorização do Ensino Superior, um sector que acumula problemas, como explica José Moreira, presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior - SNESup, ao Jornal Económico: “O Ensino Superior tem três problemas que têm que ser resolvidos, sob pena do sistema começar a entrar em colapso ou das relações dentro das instituições se degradarem ainda mais”. Precariedade, salários e carreiras são as três batatas quentes para as quais o ministro Fernando Alexandre vai ter que olhar para manter a academia tranquila. De lembrar que o Dia Nacional do Cientista, 16 de maio, foi o ano passado aproveitado por docentes, investigadores, bolseiros e trabalhadores científicos de todo o país, do público e do privado, para um grande protesto nacional.
“Há uma questão que para nós é importantíssima e que terá que ser revista nos primeiros meses do novo Governo: a avaliação de desempenho dos docentes”, afirma José Moreira. Para poderem progredir de escalão dentro da mesma categoria (não se trata de promoção, apenas progressão), os docentes são obrigados a obter a classificação máxima durante seis anos consecutivos. Se algo correr mal durante o percurso, voltam à estaca zero. José Moreira diz ao JE que há pessoas com mais de 20 anos sem progredir. “Isto tem que ser revisto nos primeiros meses. Tem que ser uma das primeiras medidas do senhor ministro, caso contrário o grau de conflitualidade no sector vai aumentar”.
À cabeça dos problemas surge a precariedade, que afeta investigadores, mas também docentes.
“Neste momento, entre os investigadores é de 90%”, adianta o presidente do SNESup. Elvira Fortunato, a ministra cessante, deu um passo no sentido da resolução do problema, com a criação do programa FCT-Tenure, mas sabe a pouco. “É preciso continuar com programas de integração pelos investigadores precários nas carreiras com contratos de trabalho por tempo indeterminado. Não apenas com este mecanismo. Nós defendemos mecanismos mais arrojados, como um novo mecanismo de regularização de vínculos precários”, adianta.
No caso dos docentes, o problema da precariedade atinge os "falsos" professores convidados. “Têm exatamente as mesmas tarefas e funções dos professores de carreira em troca de um vínculo precário e de ordenados muitíssimo reduzidos”, diz José Moreira, salientando que para as instituições é “mais vantajoso contratar" os primeiros. Mas o facto tem consequências: "Degrada muito o funcionamento das instituições e cria muitas tensões no sistema”, justifica. Atualmente, o SNESup estima que existam entre três mil a quatro mil pessoas nesta situação.
Em cima da mesa está igualmente o problema dos salários. O presidente do SNESup lembra que desde janeiro de 2004 até dezembro de 2023, docentes e investigadores de carreira perderam 30% do poder de compra. Parte deveu-se ao aumento de impostos, admite, “mas a verdade é que o salário líquido diminuiu 20% neste mesmo período”.
“Isto tem consequências graves quer do ponto de vista da dignidade das carreiras, quer até do ponto de vista do poder de atração que as carreiras académicas começam a ter para as pessoas que poderiam ficar na academia”, explica. Em áreas mais tecnológicas, como a Engenharia Informática e outros ramos da Engenharia, há já dificuldade de recrutamento na academia, porque “os salários que se pagam não são competitivos”. Para outras áreas, os salários são baixos, mas ainda tem algum poder de atração, mas como eles estão a degradar tanto, vai-se perdendo rapidamente.
Educação
Para a Federação Nacional dos Professores, os problemas que afetam a escola pública estão longe de se esgotarem na devolução do tempo de serviço. Entre outros, a FENPROF aponta a precariedade e o envelhecimento da classe, a necessidade de valorizar a profissão, de forma a atrair jovens para o ensino e travar o abandono dos mais experientes, os salários que, no caso dos mais jovens não dão para pagar a habitação fora da área de residência, o subfinanciamento crónico que impede as escolas de darem as respostas que deveriam e a revisão do atual regime de mobilidade por doença dos professores.
Na passada sexta-feira, dia em que Alexandre Homem Cristo, Pedro Machado da Cunha e Ana Paiva tomaram posse, a FENPROF questionou os protagonistas das políticas que estão para vir.
"Os programas dos partidos do governo e o pensamento liberalizante do ministro designado não devem deixar descansados os trabalhadores das escolas, docentes e não docentes, as famílias, os estudantes, investigadores, outros trabalhadores da Ciência e a sociedade em geral", afirma o secretário-geral, Mário Nogueira.
Do novo secretário de Estado Adjunto e da Educação, Alexandre Homem Cristo, disse: “Como estará disponível para valorizar a profissão docente um secretário de Estado que já escreveu, em título, que “temos maus professores?"
A Pedro Machado da Cunha tirou mesmo o tapete: “Que papel terá, no âmbito da estrutura curricular dos cursos e da própria avaliação dos alunos, designadamente em relação aos exames, quem, tendo sido diretor geral da Educação por nomeação do anterior ministro, João Costa, integra a equipa ministerial de um governo que foi muito crítico em relação a esses aspetos e pretende alterá-los profundamente?
Sobre o ministro Fernando Alexandre questionou: “Como defenderá a valorização salarial e das carreiras, tornando atrativa a profissão para os jovens, um ministro que, nos anos da troika, defendeu cortes permanentes em rendimentos, como caminho para aumentar as poupanças?
A maior estrutura sindical do país anunciou já que não dá a Fernando Alexandre o estado de graça tradicionalmente concedido aos governantes em início de mandato. Porque, justifica, os principais elementos da equipa “têm defendido posições que não permitem aquele estado (de graça) ou tal benefício (da dúvida) sobre como se posicionam em relação aos professores e à sua luta em defesa da profissão e da Escola Pública”.
Nem o facto de a AD (Aliança Democrática) se ter comprometido a descongelar os seis anos, seis meses e 23 dias de tempo de serviço que os docentes e os sindicatos lutam há anos para conseguir, é suficiente para aliviar tensões. A coligação que junta PSD, CDS/PP e PPM, não só calendarizou a recuperação - 20% ao longo de cinco anos -, como se comprometeu a iniciar negociações com os representantes dos professores nos primeiros 60 dias de governação. A Federação liderada por Mário Nogueira entende que “é tempo excessivo, ultrapassando o período previsto para a legislatura” e mantém finca pé na proposta que apresentou ao anterior ministro João Costa: recuperação faseada em três anos, com início ainda em 2024.
"A Educação não irá ter um Ministério, mas uma Secretaria de Estado, com uma equipa de matriz liberal, que não tem a escola pública como prioridade e que, por isso, não deverá trazer as soluções necessárias para a resolução dos problemas", salienta a FENPROF.